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Conversas entre desembargador do TRF-2 preso e Bacellar expõem conexões suspeitas entre Judiciário e esquema ligado ao CV
Investigação iniciada com a prisão de TH Jóias leva a Macário Judice Neto, suspeito de vazar ordem de prisão ao deputado Rodrigo Bacellar; PF aponta obstrução de Justiça e favorecimento a organização criminosa
A prisão em setembro do então deputado Thiego Raimundo dos Santos Silva, o TH Jóias (MDB), sob a acusação de envolvimento com o Comando Vermelho, puxou o fio da meada de uma investigação que chegou ao Legislativo e, agora, ao Judiciário. Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal prendeu nesta terça-feira o desembargador Macário Ramos Judice Neto, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). A informação foi antecipada pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim. O magistrado é suspeito de vazar para o deputado estadual licenciado Rodrigo Bacellar (União Bacellar) a ordem de prisão de TH que ele mesmo assinara.
Desembargador relator do caso TH Jóias
Desembargador preso pediu a Bacellar ingressos para jogo do Flamengo:
A Operação Unha e Carne 2 foi desencadeada a partir de dados encontrados em um dos celulares de Bacellar, acusado de ter avisado TH que ele seria preso. "Mediante a análise preliminar dos aparelhos e demais elementos de convicção colhidos, detectou-se o possível foco do vazamento das informações sensíveis a Bacellar e, por conseguinte, a TH Jóias, como sendo o próprio desembargador federal", diz a PF em trecho reproduzido na petição do STF. A defesa do magistrado nega a acusação.
O conteúdo encontrado no celular revelou ainda uma relação muito próxima entre o deputado e o desembargador. A PF ressaltou que o parlamentar se recusou a dar a senha dos aparelhos, mas que os agentes conseguiram acessar os dados. Em várias mensagens, os dois se chamavam de irmãos e falavam sobre a vida pessoal. Havia até declarações como "eu te amo" e "eu levo você para o caixão, meu irmão". O deputado licenciado também fala de desafetos políticos: "se me enfrentar, bebo o sangue deles", escreveu.
Bacellar foi preso no último dia 3, três meses depois de TH. Ele passou sete dias na Superintendência da PF no Rio até a Assembleia Legislativa (Alerj) decidir por sua soltura, mas Moraes determinou seu afastamento da presidência da Casa e o uso de tornozeleira. As três prisões - de TH, Bacellar e Macário - estão no contexto do julgamento da ADPF das Favelas, no qual foi determinado que a PF investigue a conexão de grupos criminosos com agentes públicos no Estado do Rio.
Encontro em churrascaria
Na decisão desta terça-feira, Moraes destaca que um delegado que atuou no caso contou ter informado ao gabinete de Macário, na manhã de 2 de setembro, que cumpriria o mandado de prisão contra TH - assinado pelo desembargador relator - no dia seguinte. Segundo os investigadores, na noite do próprio dia 2, Bacellar esteve com o magistrado numa churrascaria no Aterro. A PF afirma que Bacellar recebeu vídeos de TH "na presença do desembargador federal". As imagens mostravam o então deputado esvaziando sua casa por causa da operação para prendê-lo. Na representação enviada ao Supremo, a PF destaca ainda que Bacellar declarou ter conversado com TH sobre "a suposta operação policial por volta de 11h ao meio-dia de 2 de setembro" na Alerj.
Esposa no gabinete
Outro ponto destacado pela PF é o fato de Flávia Ferraço Judice, esposa do desembargador, ter trabalhado de abril de 2023 até início do mês passado no gabinete da diretoria-geral da Alerj, quando a investigação que mira Bacellar já estava em curso. O nome dela aparece no inquérito apenas como "conexão institucional".
Em nota, a defesa do desembargador afirmou que Moraes "foi induzido ao erro" ao determinar a prisão de Macário. Segundo o advogado Fernando Augusto Fernandes, Macário não se encontrou com Bacellar na churrascaria. "A Polícia Federal, se verdade fosse, teria obtido tais imagens", afirmou. "A defesa apresentará os devidos esclarecimentos nos autos e requererá a sua imediata soltura", diz o comunicado.
Caso envolvendo desembargador preso pela PF
Já a defesa de Bacellar afirma que o deputado "sempre se colocou à disposição para evidenciar seu não envolvimento nos fatos noticiados, prestando todos os esclarecimentos necessários". A nota "reitera que o parlamentar não atuou, de nenhuma forma, para inibir ou embaraçar qualquer investigação".
Ao decretar a prisão de Bacellar, Moraes já havia citado Macário. O ministro ordenou que o magistrado compartilhasse "todos os elementos de convicção angariados em todos os procedimentos e processos" da Operação Oricalco, que estivessem relacionados à investigação que envolveu o então presidente da Alerj e TH. Procurado na ocasião, o TRF-2 afirmou que não podia fornecer informações sobre o processo.
Apesar de ter decretado a prisão de TH, Macário o manteve num presídio do Rio. Outros três integrantes do grupo operacional foram levados para penitenciárias federais fora do estado. Para a PF, "há uma evidente contradição em tal decisão, uma vez que ela determina a inclusão de membros da camada operacional da organização criminosa, mas preserva a inclusão daquele que de fato é um dos líderes do grupo e parte integrante de seu núcleo político". Diante disso, Moraes atendeu ao pedido da PF e determinou a transferência de TH Jóias para uma unidade federal.
Cinco crimes
A PF concluiu que o desembargador cometeu crimes de obstrução de investigação, inclusive no exercício do cargo, violação de sigilo funcional, favorecimento pessoal e promoção de organização criminosa. Além da prisão de Macário, Moraes determinou o cumprimento de dez mandados de busca e apreensão. Um deles foi em um endereço de Bacellar no Leme, na Zona Sul do Rio. Os agentes também estiveram na casa de Rui Bulhões, chefe de gabinete de Bacellar, que foi à sede da Polícia Federal prestar esclarecimentos. Na casa dele foram apreendidos três celulares.
Quem é Macário?
Macário esteve 17 anos afastado da magistratura. Desde 2005, o juiz enfrentava sucessivas decisões que o mantinham fora do cargo, relacionadas a acusações de venda de sentenças quando atuava na Justiça Federal do Espírito Santo. O primeiro afastamento foi determinado pelo próprio TRF-2, em novembro de 2005, no âmbito de uma ação penal que apurava sua suposta participação em um esquema ligado à máfia dos caça-níqueis. Em 2015, Macário acabou absolvido, mas permaneceu afastado em razão de um processo administrativo disciplinar (PAD) que tratava do mesmo tema.
De acordo com a revista eletrônica Consultor Jurídico, em dezembro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) suspendeu decisão do TRF-2 que havia aplicado a aposentadoria compulsória ao juiz. O conselheiro Arnaldo Hossepian considerou que a deliberação não cumpria o quórum exigido pela Constituição. Assim, Macário conseguiu permanecer no quadro da magistratura.
Quem é Macário Júdice Neto,
O PAD, marcado por recursos e disputas jurídicas, chegou ao CNJ, que decidiu, em 2022, que o prazo para julgamento havia sido extrapolado. Com isso, determinou a reintegração do magistrado. No entanto, havia outra decisão de afastamento por improbidade administrativa, proferida pelo TRF-2.
Macário foi nomeado desembargador federal em maio de 2023. Ele era o primeiro nome da lista de antiguidade e assumiu o cargo em solenidade no gabinete da Presidência do TRF-2. Enquanto esteve afastado, Macário chegou a receber R$ 4,7 milhões em rendimentos brutos. Em novembro deste ano, ele recebeu R$ 125,6 mil brutos. Após os descontos, o valor caiu para R$ 80,5 mil, quase o dobro do teto constitucional.
Em nota, o TRF-2 afirmou que recebeu o mandado de prisão, mas ainda não teve acesso à decisão do ministro relator. "O TRF-2 não se manifestará sobre o caso - justamente porque a decisão não é desta Corte - e sugiro que pedidos de declaração do magistrado sejam dirigidos a seu advogado", diz um trecho do comunicado.
Conversas revelam elo com Bacellar
Conversas encontradas nos celulares de Rodrigo Bacellar mostram, de acordo com a PF, "a relação de intimidade" entre ele e o desembargador Macário Judice Neto, que "chamou a atenção em razão das palavras de afeto e da troca de declarações efusivas de carinho". Num trecho, o deputado licenciado diz: "Vc eu levo pro caixão, meu irmão. Nunca duvide disso". A seguir, trechos destacados na investigação:
Em 23/10/2025:
Bacellar: "Vc é irmão de vida. Não se desgaste por nada pq o melhor nós temos, irmão, que é amizade pra vida e reciprocidade".
Macário: "Me liga. Foi positiva a conversa".
Em 30/11/2025:
Macário: "Irmão querido, boa tarde. Como tem passado? Diga-me uma coisa, vc consegue 4 ingressos para o jogo do Flamengo x Ceará?"
Bacellar: "Nem que eu arrebente o portão. Darei um jeito (emojis de carinhas sorrindo)".
Macário: kkkkk
Bacelllar: "Tenho juízo, meu irmão".
Em 02/12/2025 (ainda sobre o jogo):
Macário: "Meu irmão querido, desculpe a demora em te dar resposta, mas deu tudo certo. O meu irmão conseguiu (ingressos). (...) Fica mais sobra de ingressos para vocês".
Bacellar: "Te amo, meu irmão. Sempre que precisar, tô aqui para qq parada, em especial na hora ruim".
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