RJ em Foco
Da devoção ao abuso: acusado de violação sexual, Padrinho Paulo Roberto expandiu fronteiras da doutrina para além da Amazônia e o exterior
Agora, é alvo de pedido de prisão preventiva do MPRJ
Alvo de um pedido de prisão preventiva do Ministério Público do Rio (MP-RJ), acusado de violação sexual mediante fraude e violência psicológica contra Jéssica Nascimento de Sousa, sua ex-assistente pessoal, o psicólogo e líder religioso Paulo Roberto Silva e Souza, de 76 anos, teve papel de destaque na difusão da doutrina do Santo Daime fora da Amazônia, região onde conheceu a sua mulher Raimunda Nonata Melo Souza, a madrinha Nonata, filha do Padrinho Sebastião Mota. Sebastião alcançou grande prestígio na doutrina e foi dele que Paulo se aproximou quando deixou o Rio com destino ao Céu do Mapiá, principal sede da igreja, no coração da floresta amazônica.
Líder do Santo Daime:
'Violada, explorada, humilhada e carregada com uma energia sexual sombria':
Os aprendizados religiosos do Norte do Brasil ele trouxe para o Rio, onde fundou, em meados dos anos 1980, a igreja Céu do Mar, em São Conrado, na Zona Sul. Conhecida como a primeira igreja daimista urbana, a instituição carioca, em mais de 40 anos, teve como frequentadores artistas famosos, jornalistas e seguidores de outras profissões adeptos das cerimônias que envolvem canto, oração, dança e rituais em torno do consumo do chá de Ayahuasca.
‘Rígido e severo’
Considerado por alguns seguidores um “padrinho rígido e severo”, ele, ao mesmo tempo, despertava fascínio e devoção por acolher e aconselhar quem apresentava angústias ou outras dificuldades. O psicólogo de formação é natural da capital do Rio de Janeiro e, desde a juventude, foi elaborando um método muito próprio. No Daime, ao longo das últimas décadas, cativou fiéis do Brasil e do mundo, entre homens e mulheres, em busca de sua “bênção”. O respeito e reconhecimento internacional que obteve à frente da irmandade deve-se também à sua participação ativa na legalização da bebida Ayahuasca e no uso do chá para cerimônias religiosas no Brasil. Além do Santo Daime, a União do Vegetal (UDV) e a Barquinha, entre outras, fazem uso da substância no país. Fora do Brasil, Paulo Roberto se tornou um “multiplicador de igrejas” levando a doutrina e seus hinos para os Estados Unidos, destino visitado com frequência pelo daimista, além de Canadá e México. Costuma dizer nas sessões que Japão e Oriente Médio também têm adeptos da doutrina
É autor do hinário “Luz na Escuridão”, considerado por muitos seguidores um dos mais “belos e profundos” conjuntos de odes criadas, entre todos os outros padrinhos.
Do mesmo jeito que atraiu centenas de fiéis e rapidamente criou um séquito, também colecionou desafetos, integrantes que deixaram a igreja por discordar de algumas condutas de Paulo Roberto
Vice-presidente da Igreja Céu do Mar entre os anos 1985 e a década de 1990, o consultor Paulo Coutinho conta que presenciou situações em que Paulo Roberto Silva e Souza se aproximava de mulheres com “investidas” que ocorriam “de forma velada”, em que o líder religioso se retirava do local das cerimônias com mulheres rumo ao quarto.
Muitas das investidas eram consentidas. A maneira como se aproximava de mulheres fragilizadas, em geral com traumas relacionados a abuso ou até diagnóstico de doença psiquiátrica, se repetia. Por conta do reconhecimento como líder espiritual que, de fato, fortalecia o emocional dos seguidores, o psicólogo e líder religioso ganhou a confiança de dezenas de famílias do Rio de Janeiro ao longo dos anos. Uma moradora da cidade, de quem O GLOBO recebeu um depoimento, conta que o seu pai, um empresário bem-sucedido nos anos 1980 e 1990, angustiado em busca de ajuda para a filha com esquizofrenia, pediu a Paulo Roberto que a “curasse” com suas terapias.
— Me lembro de uma época em que minha irmã estava perturbada porque o pai do filho tinha sumido. Meu pai chamou Paulo Roberto para fazer a terapia com ela. Minha mãe pegava o filho dela e descia para a Rua do Riachuelo (na Lapa) enquanto Paulo subia para fazer a terapia. Ficava uma hora, uma hora e meia no apartamento com ela. Uma vez, depois de uma dessas sessões, ela teve uma crise e disse que tinha sido estuprada pelo Paulo — diz a mulher, que não quis se identificar
Outros integrantes da família dizem que a mulher atendida por Paulo Roberto chegou a pedir ajuda e a escrever com uma chave de fenda na parede que tinha sido abusada.
Enquanto entre quatro paredes o líder se valia de fragilidades emocionais ou mesmo psiquiátricas, durante o trabalho na igreja ele se mantinha ao mesmo tempo acolhedor, assertivo ou autoritário. Possibilidades de negócios que articulassem investidores poderosos eram também altamente consideradas.
O estilo agregador e a capacidade de liderar seu rebanho, inevitavelmente, se tornaram conhecidos mundo afora. Ao longo dos anos, artistas e conhecidos com poder de amplificar seu trabalho colaboraram para uma divulgação nacional e internacional. Por trabalhos espirituais no exterior, em polos dos Estados Unidos, por exemplo, Paulo Roberto chegava a receber meio milhão de reais. Mesmo seguidores que pediam um trabalho espiritual individualizado desembolsavam altos valores. Um homem que teve caminhos profissionais e espirituais abertos pagou R$ 100 mil ao Padrinho em retribuição pelo feito.
Modus operandi interno
Com um advogado que o acompanhava ou com o vice-presidente que o seguiu por quase dez anos, Paulo Roberto tecia, por vezes, comentários econômicos a respeito das mulheres que o interessavam periodicamente. Seguidoras jovens com necessidade de escuta chamavam sua atenção. Uma das técnicas para ganhar confiança era perguntar sobre seus principais traumas.
Em viagens ao exterior, mulheres encontravam o líder em quartos separados dos de integrantes de suas comitivas. Lá ele passava a noite. Paulo Coutinho, ex-vice-presidente, frisa que o fascínio que o ex-sócio despertava nas pessoas amplificava seu poder.
— O assédio a mulheres era uma coisa que me incomodava profundamente. E ele fazia isso recorrentemente. Como ele podia ser essa liderança para uma comunidade cristã, de pessoas que estavam ali se entregando ao Cristo, e ao mesmo tempo... Um aceite de sexo sem limite. Ele carregava dentro dele a semente da destruição da comunidade que a gente tinha combinado de fazer — afirma.
Isabela Lima, ex-mulher de Paulo Coutinho, foi representante da ala feminina da Céu do Mar por alguns anos. Ela conta que mulheres a procuravam para relatar desconfortos. Quando Raimunda Nonata, mulher do Padrinho, descobria algum envolvimento ou percebia que algo além das “terapias” acontecia, ela chegava a invadir as sessões e expulsava as frequentadoras.
Seguidores devotos e outros visitantes que desconfiavam das intenções do Padrinho logo desconsideravam o desvio de conduta; muitos deles avaliavam que seu comportamento podia ser reflexo de sua idade, e do machismo típico de sua geração. O poder conquistado também trazia alguma sensação de impunidade, como avalia Paulo Coutinho:
— Ele não estava preocupado se a pessoa ia denunciá-lo. Nunca teve essa preocupação. Ele fazia e bancava mesmo. Como quando fazíamos trabalhos nos Estados Unidos e ele sempre “pegava uma mulher da comunidade” para ele. Era constante, na minha frente e na de todo mundo. As pessoas ficavam, como nós, cabreiras. As situações que presenciei foram pós-trabalho. Ele desonra o Daime — finaliza.
Desde o início das primeiras denúncias feitas por Jéssica, Paulo Roberto tem evitado comparecer às sessões no Céu do Mar. A reportagem chegou a combinar com sua defesa um encontro para esclarecer as acusações, mas Paulo Roberto alegou não estar se sentindo bem com dores na coluna e não pôde comparecer. A defesa nega as acusações.
Pessoas próximas a ele disseram que o líder se apresentou algumas vezes aos mais velhos da casa e estava “muito triste com toda a situação”. Ele não conduziu mais trabalhos desde então. Alguns disseram que havia ido para o Céu do Mapiá. A própria investigação enfrentou dificuldades em citá-lo no processo.
Testemunhas disseram às autoridades que ele estava participando das sessões na comunidade de forma disfarçada. Outros relatos dão conta de que chegou à Amazônia em setembro, de helicóptero, e depois seguiu “de canoa com alguns pertences”.
Mais lidas
-
1DEFESA NACIONAL
'Etapa mais crítica e estratégica': Marinha avança na construção do 1º submarino nuclear do Brasil
-
2ECONOMIA GLOBAL
Temor dos EUA: moeda do BRICS deverá ter diferencial frente ao dólar
-
3CRISE INTERNACIONAL
UE congela ativos russos e ameaça estabilidade financeira global, alerta analista
-
4REALITY SHOW
'Ilhados com a Sogra 3': Fernanda Souza detalha novidades e desafios da nova temporada
-
5FUTEBOL INTERNACIONAL
Flamengo garante vaga na Copa do Mundo de Clubes 2029 como quinto classificado