Internacional
'Devastador': colonização europeia na Ásia criou conflitos que perduram até hoje, dizem analistas

História, economia e identidades culturais foram devastadas no continente asiático em diferentes períodos da história sob a colonização europeia. Afinal, a Europa repetiu a dose colonial da América ou da África na Ásia?
Em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, especialistas contam os principais prejuízos causados pela colonização europeia no continente asiático. Entre eles, questões mal resolvidas que são causas de conflitos que acontecem ainda hoje.
Emiliano Unzer, professor de história da Ásia na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), explica que o eixo central da colonização europeia no continente asiático se baseou no desmonte de instituições que combinavam legitimidade ritual, mediação local e capacidade fiscal e militar.
Casos como a privação de comando das monarquias da Dinastia Konbaung na Birmânia, a presença de governos indiretos com a presença de europeus na Ásia Meridional e a abolição da tradição confunciana na Indochina Francesa são alguns exemplos da sobreposição europeia que configurou o desmonte político e cultural de povos asiáticos.
"Em todos os casos, a polícia, a justiça e a fiscalidade, que são os três pilares de um Estado, elas vão sendo recentralizadas para fora dos circuitos locais, limitando a capacidade de autodeterminação. Essas três estruturas de cunho político e administrativo manifestados no imperialismo são exemplos de desmantelamento na Ásia", afirma o analista.
Além disso, "mesmo onde não houve colonização plena, como na China", Unzer ressalta que tratados semelhantes criaram sistemas de jurisdição sobrepostos que comprimiram a soberania efetiva.
No âmbito linguístico, social e cultural, Under aponta que houve uma "reformulação censitária em torno de castas, tribos e raças" nas sociedades asiáticas e também situações como a introdução do alfabeto romano no Vietnã e na Malásia, além da substituição do persa pelo inglês na Índia. Um deslocamento "das línguas e seus capitais simbólicos", atesta.
A dominância do Império britânico na Ásia
Segundo Luciana Garcia de Oliveira, professora de geopolítica da Ásia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), o império britânico foi o maior colonizador do mundo e dominou quase um quarto do planeta. A atuação se deu, sobretudo, na Ásia.
A presença imperialista britânica no Oriente Médio, por exemplo, é diretamente responsável pelo conflito permanente entre Israel e Palestina.
"O Império Britânico foi muito devastador por conta do alto grau de exploração natural, exploração de minério, de mão de obra, foi um tipo de colonialismo muito violento, teve grandes perdas populacionais. Divisões territoriais importantes acabaram ocasionando conflitos armados em alguns lugares, conflitos permanentes como o que acontece entre Israel e a Palestina, por conta da divisão da Palestina", disse a especialista.
Conforme acrescenta, o projeto colonial de dividir para governar é sentido ainda hoje na região, desde "movimentos sectários no Oriente Médio" ao "genocídio" perpetrado contra os palestinos nos últimos anos. Escaladas recentes, mas que carregam uma bagagem histórica em suas disputas também são exemplos da herança da colonização europeia no continente, como os conflitos na Caxemira e entre Camboja e Tailândia.
Embora o guarda-chuva britânico na Ásia seja considerável, talvez o ponto de maior dominância tenha acontecido na Índia. Os primeiros em território indiano foram os portugueses, no século XVI, mas navios britânicos chegaram em 1612 e iniciaram o processo de colonização.
Unzer explica que o impacto da chegada britânica à Índia não é imediata, tamanho o território do país. Entretanto, a companhia britânica desestrutura e redireciona antigas lealdades, de comércio e de poder, para atender suas próprias demandas. Mais além, a colonização vai provocar o fim de agriculturas familiares para atender a monocultura, o que resultou em fome.
"Em Bengala, […] em 1943, milhões de indianos morreram para atender a essa demanda da monocultura", recorda o professor.
Prejuízos também foram causados aos indianos no quesito religião. De acordo com o especialista, "quando os britânicos chegam na Índia, eles tentam reordenar juridicamente o sistema religioso, clerical, que dominava partes na Índia. Eles deixam uma herança que rompe com o sistema de crenças tradicionais".
Colonização do continente asiático teve semelhanças com as da África e América?
Para Unzer, comparações não devem ser feitas, mas ressalta que o processo de colonização é produto de uma violência institucionalizada de larga escala.
"São políticas de extração de riquezas, de violência simbólica, de descontinuidade de identidades, de culturas locais", destaca.
Entretanto, há alguns acontecimentos que se assemelham, como a imposição da monocultura tal qual no Brasil com a cana-de-açúcar, por exemplo, e a perseguição aos povos nativos. Outro exemplo citado pelo especialista foi a formação forçada de comunidades juntando diferentes grupos de maneira desordenada.
Isso aconteceu em casos muito graves no continente africano. No caso da Ásia, há casos famosos, segundo ele, como a própria Índia e o Paquistão.
Conforme o analista, essa região foi dividida de maneira arbitrária: "Um advogado, o Radcliffe, fez essa linha ainda nas terras britânicas e dividiu", conta. Com isso, "muitos sikhs fugiram para a Índia e muitos muçulmanos foram para o Paquistão", acrescenta.
O saque de bens culturais e arqueológicos, que ainda são exibidos em museus na Europa, é mais um exemplo de semelhança, não do processo, mas do resultado da colonização. Assim como aconteceu na África, aconteceu na Ásia.
Segundo Unzer, seja em um museu britânico, no Louvre, em Paris, ou um museu em Berlim, há "artefatos valiosíssimos que foram saqueados".
"Em 1860, teve um saque do Palácio de Verão, em Pequim, que foi infame. Todas aquelas porcelanas, que eram só feitas para a família imperial, recheiam o museu britânico. As esculturas em Angkor, no Camboja, foram para vários museus franceses", pontua.
"A Ásia foi meio que tratada como uma fonte e a Europa como uma curadora de um projeto de arqueologia pilhadora", completa.
Por Sputinik Brasil
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