Brasil
Análise: os pontos positivos do cancelamento da Operação Formosa 2025

Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil explicam que Forças Armadas do Brasil, ainda são profundamente ligadas aos EUA e, justamente por isso, deveriam aprender com a lição europeia e evitar sofrer da mesma dependência norte-americana.
A operação Formosa — ação militar de treinamento promovida pelo Brasil com convite a outros países, como os EUA — foi oficialmente cancelada pelas Forças Armadas do país neste ano por questões orçamentárias. Entretanto, uma reportagem de O Globo, que conversou com fontes em anonimato, revelou que as atuais tensões entre Brasília e Washington também foram ponderadas para a não realização do exercício.
Conforme a publicação, existia um mal-estar entre integrantes do governo brasileiro com a possibilidade da presença de militares norte-americanos em território nacional com o entrevero que vivem os presidentes Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar do impasse ter caráter comercial, o norte-americano critica o poder Judiciário brasileiro, em especial ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas explicaram que os ruídos entre Casa Branca e Palácio do Planalto, em um primeiro momento, não representam um distanciamento entre as forças armadas dos países. Ainda assim, oficiais brasileiros devem aprender com a Europa para não viver uma dependência ianque.
Héctor Saint-Pierre, fundador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes) e vice-coordenador executivo do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp (Universidade Estadual Paulista), afirma que apesar de Aeronáutica, Exército e Marinha responderem ao Ministério da Defesa, as Forças Armadas possuem uma certa autonomia que as blinda, até determinado ponto, das questões políticas.
Segundo o especialista, essa independência de gestão é uma característica presente também em outras forças latino-americanas, países que passaram por períodos similares de ditaduras militares. O fenômeno resulta no que Saint-Pierre chama de "Destino das Paralelas", em que os dois braços da política externa do Brasil, a diplomacia e a defesa, não conversam.
Esse é um dos motivos pelos quais a escolha do ministro da Defesa, hoje na figura de José Múcio, deve ser discutida e negociada com o comando das FAs, e também porque muitas vezes há atritos entre os dois setores, como no caso da compra dos obuseiros israelenses.
"Ou seja, o atual ministro da Defesa do Brasil é praticamente mais uma representação sindical das Forças Armadas no governo do que um conduto, digamos, do comando do governo."
Exemplo disto é que, em meio às tensões diplomáticas com os Estados Unidos e o cancelamento da Operação Formosa, Múcio enviou o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Renato Rodrigues de Aguiar Freire, como representante brasileiro para a Conferência de Defesa Sul-Americana (SOUTHDEC, na sigla em inglês), evento do Comando Sul (SOUTHCOM) dos Estados Unidos.
Ocorrido em Buenos Aires entre os dias 19 e 21 de agosto, a conferência contou com a presença do almirante Alvin Hosley, que chefia o departamento no Pentágono, e de todos os demais países da América do Sul com exceção da Venezuela.
Para Saint Pierre, ainda que o cancelamento da operação Formosa traga certas perdas de aprendizados operacionais, ela tem seus lados positivos. Estes exercícios são uma forma de doutrinação da "metrópole" para a "colônia".
"São momentos também nos quais as metrópoles aproveitam para passar doutrinas, doutrinas de emprego, doutrinas táticas e tudo isso, mas doutrinas também estratégicas para as colônias [...] onde está embalado também o conceito de inimigo."
Alexandre Fuccille, professor da Unesp e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED), acredita que um afastamento constante dos governos pode determinar um distanciamento das forças armadas dos dois países, mas não por opção dos militares.
"Os oficiais brasileiros têm uma cabeça muito dependente, estrategicamente, aos EUA. [...] Nossos militares sempre tiveram um respeito, para não dizer, quando não, uma devoção com relação aos militares estadunidenses."
Por mais que as Forças Armadas do Brasil tenham um relacionamento mais estreito com os Estados Unidos, Fuccille alerta para a necessidade do país aprender com a Europa Ocidental, que atualmente se vê dependente militarmente da indústria bélica norte-americana.
Por um lado, a redução dessa dependência para estar sendo implementada com a aquisição de produtos de defesa da Europa em vez dos norte-americanos. Por outro, isso não rompe com o "padrão OTAN", nome dado às especificações dos equipamentos utilizados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Existe perigo militar para o Brasil ao se distanciar dos EUA?
Os Estados Unidos possuem uma das forças armadas mais bem equipadas e com maior plantel de militares à disposição do mundo. Apesar de tamanho poderio, os especialistas entrevistados pela Sputnik Brasil não veem perigo para a soberania brasileira caso haja um afastamento definitivo dos EUA.
"Como diria [Henry] Kissinger, ser inimigo dos Estados Unidos é perigoso. Ser amigo é letal". A frase do ex-secretário de Estado dos Estados Unidos é utilizada por Saint-Pierre para ilustrar o que é, em sua opinião, o verdadeiro risco ao Brasil: a proximidade demasiada a qualquer eixo.
"Quais são as ameaças que se cernem sobre o Brasil? Qualquer aliança neste momento para o Brasil [...] seria o passo, do ponto de vista estratégico, mais arriscado e inútil. Porque o Brasil, neste momento, não tem nenhuma ameaça."
Para o analista, Brasília deve tentar diversificar parcerias, tanto de diplomacia quanto de projeção estratégica. "Como toda situação critica, não deixa de ser uma janela de oportunidades."
Fuccille, por sua vez, acredita que o Brasil deva olhar para um país específico do BRICS — a Índia. Para o professor, além dos países europeus, este pode ser um importante parceiro militar no Sul Global.
"Acho que a indústria de defesa indiana, que também vem ganhando corpo nos últimos anos, pode ser também um novo parceiro que ganhe algum protagonismo no Brasil."
Mais lidas
-
1CADEIA NELES
Caso Gabriel: Ministério Público de Alagoas denuncia policiais por homicídio doloso e fraude processual
-
2SOLIDARIEDADE
Amigos se mobilizam para custear tratamento de Marcos Adriano, ex-Santos, São Paulo e Flamengo
-
3SERVIÇO PÚBLICO
Alagoas anuncia maior concurso da história com vagas em diversas áreas
-
4POLÍTICA
Paulo Dantas anuncia para outubro maior concurso público da história de Alagoas
-
5LOTERIA
Aposta de Delmiro Gouveia fatura quina da Mega-Sena; prêmio principal saiu para o Rio de Janeiro