Internacional

BRICS impulsiona uma 'nova arquitetura financeira' contra abusos do FMI e Banco Mundial

12/07/2025
BRICS impulsiona uma 'nova arquitetura financeira' contra abusos do FMI e Banco Mundial
Foto: © Foto / Rafa Pereira/BRICS Brasil

O sistema financeiro de Bretton Woods é considerado irreformável devido ao papel hegemônico dos Estados Unidos. No entanto, o surgimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o avanço da desdolarização indicam que já está em curso um processo de substituição da atual arquitetura financeira, segundo especialistas consultados pela Sputnik.

Durante a Cúpula dos BRICS, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou duramente o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI), ao acusar o órgão de agravar as crises econômicas nas últimas décadas.

Lula também defendeu que os BRICS — que representam cerca de 49% da população mundial e 40% do PIB global — deveria ter poder de voto no FMI equivalente a 25%, muito acima dos 18% atuais, em razão de seu peso econômico.

"As estruturas do Banco Mundial e do FMI sustentam um Plano Marshall às avessas, no qual as economias emergentes e em desenvolvimento financiam as necessidades dos países mais ricos", declarou o presidente durante a cúpula.

Nesse contexto, Lula convocou uma reforma nas instituições criadas em Bretton Woods, há cerca de 80 anos, defendendo um "novo tipo de financiamento" que priorize os países em desenvolvimento.

Uma reforma impossível

Para Raúl Guillermo Ornelas Bernal, doutor em Economia Mundial pela Universidade de Paris X Nanterre, o sistema de Bretton Woods é, na prática, irreformável, pois depende do financiamento dos EUA.

"Há uma questão de poder muito forte. Isso não é apenas uma questão de vontade. Sendo instituições criadas por pessoas, países e governos, em tese, seria até fácil reformá-las", afirmou o economista à Sputnik.

Contudo, segundo ele, essas instituições há muito tempo servem aos grandes poderes ocidentais, principalmente aos interesses de Washington e seus aliados. Por isso, ainda que haja urgência na mudança de postura desses organismos multilaterais, Ornelas acredita que a possibilidade de uma reforma está bloqueada pelos Estados Unidos, hoje liderados por Donald Trump.

Sobre o mesmo tema, o economista peruano Óscar Ugarteche Galarza explica que o FMI e o Banco Mundial são as únicas instituições multilaterais nas quais os EUA têm direito de veto.

Ugarteche lembra que o sistema de Bretton Woods foi fundado pelos EUA, que impuseram sua proposta sobre a britânica durante o pós-guerra, ao criarem as instituições financeiras internacionais baseadas na Carta do Atlântico de 1941. Como fundadores e "garantidores do sistema", os EUA se reservaram o direito de veto.

Além disso, Ugarteche destaca que a política dos EUA no FMI e no Banco Mundial é definida pelo Subcomitê de Segurança Nacional, Financiamento Ilícito e Organismos Financeiros Internacionais da Câmara dos Representantes. Ou seja, "se esse comitê não aprova a reforma, ela não acontece. E nenhum congressista norte-americano vai votar algo que reduza a influência de Washington nesses organismos. Isso simplesmente não vai acontecer".

O que pode ajudar?

Já Oscar Rojas, doutor em Economia pela UNAM, concorda e afirma à Sputnik que o sistema de Bretton Woods "não pode ser reformado, porque foi feito à imagem e semelhança do monopólio do dólar". Para o especialista, o mais importante é criar novas instituições de "nova geração", com base na experiência acumulada e voltadas para promover igualdade substancial, substituindo o sistema atual.

Rojas defende que essas novas instituições sejam construídas a partir da desdolarização e promovam a interconexão entre as economias por meio de moedas locais. O especialista também ressalta que a hegemonia não é apenas institucional, mas também narrativa, e que é necessário mudar a visão histórica para que seja possível mudar as instituições e políticas econômicas.

Nesse sentido, Ugarteche observa que há um processo de transição semelhante ao que ocorreu quando o Banco de Pagamentos Internacionais (BIS), criado para gerenciar reparações da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, foi substituído pelo FMI após a Segunda Guerra. O BIS ainda existe, mas perdeu protagonismo e hoje atua como centro de estudos.

Segundo ele, o destino do FMI poderá ser semelhante: "um centro estatístico". O Fundo, lembra Ugarteche, estava praticamente inativo até a crise de 2008, quando foi revivido.

Hoje, há sinais claros de uma nova arquitetura financeira em formação, como os swaps cambiais entre o Banco Central da China e outros países, que permitem realizar pagamentos sem usar o dólar. Esse mecanismo substitui o papel tradicional do FMI, argumenta o professor da UNAM.

Além disso, o Cross-Border Interbank Payment System (Sistema de Pagamentos Interbancários Transfronteiriços, na tradução para português), criado pela China, começa a substituir o sistema SWIFT ocidental em transações internacionais, fortalecendo essa "arquitetura financeira oriental". O Novo Banco de Desenvolvimento, baseado na antiga proposta do Banco do Sul, é outro pilar dessa alternativa em construção.

Ugarteche ressalta que esse movimento tende a se intensificar à medida que os EUA impõem sanções unilaterais e tarifas comerciais a países considerados inimigos.

"Estão sendo usadas ferramentas não apenas não convencionais, mas ilegítimas, para fazer guerra contra quem os EUA consideram seus inimigos. A alternativa é uma nova arquitetura onde essas sanções não tenham efeito algum", explica o economista.

"Esse é o caminho que está sendo traçado com a nova arquitetura financeira. E, nesse sentido, o discurso de Lula é político: ele diz que é preciso reformar o que não pode ser reformado, enquanto o próprio Brasil lidera o Novo Banco de Desenvolvimento, inspirado no Banco do Sul, como alternativa frente aos abusos do Banco Mundial e do FMI", conclui.

Por Sputinik Brasil