Internacional
Conflito Irã-Israel: 'Ninguém acredita em paz, todo mundo está preparado para que tudo recomece'

Na noite de 13 de junho, Israel lançou uma operação contra o Irã, acusando-o de implementar um programa nuclear militar "secreto". O Irã rejeitou as acusações, respondendo com seus próprios ataques.
Em entrevista ao Mundioka, da Sputnik Brasil, o analista político e roteirista do canal História Islâmica, Ali Ramos Abduh Hakan, ofereceu uma leitura contundente sobre os desdobramentos da guerra entre Israel e Irã. Para ele, o conflito foi marcado por uma "grande pirotecnia" promovida pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, com o objetivo de se manter no poder. No entanto, a ofensiva acabou revelando mais fragilidades do que vitórias estratégicas para o governo israelense.
"O Irã segue com as mesmas capacidades misilísticas", afirmou Hakan, que considera que nenhum dos três objetivos centrais de Tel Aviv foi alcançado: nem o recuo do programa nuclear iraniano, nem a derrubada do governo, tampouco o colapso de sua estrutura militar. "Foi, assim, uma grande pirotecnia do Netanyahu para se manter no poder. Só que muito provavelmente ele não esperava uma resposta tão forte do Irã."
O analista destaca que o ataque iraniano ao território israelense rompeu um tabu histórico e colocou em xeque a reputação do sistema de defesa de Israel. Segundo Hakan, mesmo com apoio logístico dos EUA, a Cúpula de Ferro, Estilingue de Davi e Hetz não conseguiram impedir que "mais de 40 alvos fossem atingidos dentro de Israel", uma destruição sem precedentes na história do país.
A guerra também escancarou o custo da dependência militar: "Israel gastou 200 milhões por dia em mísseis", lembrou Hakan, citando dados do Wall Street Journal. O custo total estimado do conflito ultrapassaria US$ 12 bilhões. "Israel não só esgotou todas as suas defesas antiaéreas, como esgotou também as da OTAN."
Escalada contida — por enquanto
Para Hakan, o cessar-fogo atual é apenas uma pausa técnica. A reconstrução das defesas e a rearticulação do apoio internacional são, segundo ele, os principais freios para um novo ataque israelense. Mas o analista alerta: "Assim que se reconstruir, creio eu que esse cessar-fogo vai pelos ares".
A pressão interna sobre Netanyahu também alimenta o risco de novas ofensivas. "O cálculo do Netanyahu não é racional. É messiânico, extremado. Assim que ele sair do poder, ele vai preso."
A entrevista também abordou o papel de atores regionais como a Turquia e a Arábia Saudita. Hakan avaliou que Ancara mantém uma postura pragmática, operando em diversas frentes — apoiando o grupo palestino Hamas ao mesmo tempo em que comercializa petróleo com Israel. Já os sauditas, na visão do analista, tendem à neutralidade para preservar sua própria estabilidade interna e evitar retaliações dos EUA ou dos houthis.
Hakan considera que o chamado "eixo da resistência" está passando por um rearranjo, mas segue operante. Hezbollah, houthis e milícias aliadas continuam pressionando Israel e os interesses ocidentais na região. "Os houthis continuaram bombardeando Israel dia sim, dia também. E agora partiram para destruir navios europeus."
Embora ambos os lados tentem reivindicar vitórias simbólicas, o saldo militar e político aponta para uma derrota sem precedentes para Israel, na avaliação do especialista. "Talvez a maior desde a guerra de 2006 no Líbano", disse Hakan.
Um olhar de dentro
À Sputnik Brasil, o pesquisador iraniano Jawad Heidari, doutor em ciências e comunicação social, compartilhou sua experiência enquanto morador da cidade de Qom, que fica apenas a 30 quilômetros de um dos alvos militares atacados pelas forças israelenses.
Segundo Heidari, os dias que antecederam a ofensiva foram marcados por alarmes de segurança e rumores crescentes, mas a população não esperava um ataque de fato.
"Achávamos que era só ameaça", afirmou. No entanto, ao longo de três ou quatro madrugadas, aviões de guerra sobrevoaram a região, confirmando o início das operações. A ação não mirou apenas estruturas militares: "Mais de mil pessoas foram mortas, incluindo 100 crianças e quase 100 mulheres", denunciou o entrevistado.
Heidari enfatizou que o medo individual foi superado por um senso coletivo de pertencimento à história e à fé. "Um iraniano não tem medo de guerra. O que temos de civilização, o inimigo não tem. Nossa religião diz que quem defende a própria terra é martirizado", explicou, relacionando resistência e espiritualidade. O legado do Império Persa, segundo ele, continua sendo um pilar moral para a população, ao lado dos preceitos do xiismo.
Ao ser questionado sobre a reação popular, relatou um movimento de solidariedade interna e uma inusitada união nacional: "Até quem criticava o governo passou a apoiar a República Islâmica. O Estado manteve postos de gasolina abertos, suspendeu pedágios e abriu mesquitas para abrigar a população". Heidari, no entanto, admitiu que "todo governo tem falhas" e que o Irã enfrenta graves dificuldades econômicas.
O pesquisador também comentou a tentativa do governo israelense de separar o povo iraniano do governo. "Quando Netanyahu diz que não é contra o povo, por que bombardeou ambulâncias e hospitais?", indagou. Ele criticou o papel da mídia ocidental na cobertura da guerra, apontando a difusão de notícias falsas e a tentativa de isolar o Irã com o apoio de potências como EUA, França e Reino Unido. "A mídia dizia que o Irã começou. Mas quem atacou primeiro?", questionou.
Sobre a convivência religiosa no país, Heidari foi enfático: "Judeus vivem normalmente no Irã. São nossos irmãos. A diferença está entre religião e sionismo, que é uma ideologia perigosa".
Para ele, o cessar-fogo atual é apenas uma pausa estratégica: "Ninguém acredita em paz. Todo mundo está preparado para que tudo recomece". Ainda assim, termina com uma convicção: "O Irã só se defendeu. O inimigo achava que em 48 horas nos derrubaria. Mas resistimos. E isso é vitória".
Cooperação suspensa
No dia 2 de julho, o Irã suspendeu a cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), apontando como motivo a atuação da organização no conflito do país com Israel e com os Estados Unidos.
Por trás da decisão está uma resolução da AIEA que afirmou não ser possível confirmar se o programa nuclear iraniano tem fins exclusivamente pacíficos. O documento abriu margem para que o tema fosse levado ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), como é previsto no estatuto da agência.
A resolução foi aprovada em 12 de junho, um dia antes do ataque israelense que iniciou a crise entre os países. Para Teerã, é evidente que a AIEA escolheu um lado no conflito e tem responsabilidade nos ataques ao território iraniano.
A preocupação com a politização da agência foi explicitada também pelo chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, que afirmou em coletiva de imprensa durante a Cúpula do BRICS que a liderança da AIEA, com seu diretor-geral, Rafael Grossi, deve ser responsabilizada pelo documento.
Por Sputinik Brasil
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