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Análise: Trump colocou a família Bolsonaro na linha de fogo e facilitou a vida de Lula e do PT

10/07/2025
Análise: Trump colocou a família Bolsonaro na linha de fogo e facilitou a vida de Lula e do PT
Foto: © RICARDO STUCKERT/PR RICARDO STUCKERT

Em carta ao governo brasileiro, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a imposição de tarifas de 50% às exportações do Brasil. Na mensagem, o líder americano começa justificando a medida defendendo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Para analistas, ação não tem cabimento do ponto de vista político e da diplomacia.

"Como é que você manda uma carta para um presidente da República citando o principal adversário dele? O que ele ganha com isso? Ele está dizendo que ele resolveu taxar a economia brasileira que vai gerar desemprego, que vai gerar inflação e tal porque ele é amigo do Bolsonaro?", questiona Rudá Ricci, cientista político e presidente do Instituto Cultiva.

Mais além, conforme argumenta na carta, Trump afirma que o relacionamento entre Brasil e EUA "tem estado longe de ser recíproco". Entretanto as relações comerciais entre os países são superavitárias em favor dos americanos. Há pelo menos 16 anos, segundo dados do governo federal, o Brasil é quem registra déficits nesse caso.

Segundo Ricci, o que talvez tenha sido uma jogada política trumpista em favor dos Bolsonaro pode influenciar setores econômicos que historicamente estão mais à direita.

"Ele atacou a base do Bolsonaro. Eu conversei com alguns empresários. Os empresários estão atônitos. Ele vai afetar a exportação de café, de óleo, vai afetar toda a produção que vai para os Estados Unidos", disse à Sputnik Brasil.

Após o anúncio do presidente americano, a reação nas redes sociais foi instantânea. Em vídeo gravado pelo filho de Jair Bolsonaro, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, que está nos EUA, culpa o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, pela ação americana e sinalizou ter participado das articulações que resultaram no anúncio. Na plataforma Truth Social, Eduardo agradeceu Trump pela medida.

Já na rede social X, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-AL), atribuíram a culpa das sanções americanas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador do estado de São Paulo, também foi às redes para comentar o assunto. Na ocasião, também culpou Lula, dizendo que "a culpa é de quem governa".

Conforme explica o cientista político e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora Paulo Roberto Figueira Leal, a ação de Eduardo gera um custo político.

"Há um custo político muito grande a um defensor de que um governo estrangeiro tente interferir em decisões de um outro poder, que inclusive nem é o Poder Executivo, tenta interferir em decisões judiciais".

"É difícil continuar projetando a imagem de patriota quando você conspira contra os interesses do país, inclusive os interesses da direita do país, dos setores empresariais, do agronegócio", acrescentou o especialista.

Enquanto isso, governo Lula reafirma soberania

O governo do presidente Lula e seus aliados defenderam que o Brasil é soberano e não se curvaria às pressões americanas. O chefe de Estado brasileiro já havia rebatido ameaças de tarifas de Trump realizadas na esteira da Cúpula do BRICS e voltou a rebatê-las ontem (9).

Em comunicado, o governo reafirmou a soberania de um país "que não aceitará ser tutelado por ninguém" e que o processo judicial contra os responsáveis pela tentativa de golpe de Estado é competência exclusiva da Justiça brasileira, sem espaço para "ingerência ou ameaça" que fira a independência das instituições nacionais.

Já nesta quinta-feira (10), Lula chamou o documento enviado por Trump de desrespeitoso, atacou a postura do republicano e voltou a exigir respeito à soberania nacional.

Ao analisar o cenário político que o petista deverá enfrentar, Leal ressalta que uma avaliação de um banco de investimentos apontou que caso as tarifas se mantenham por parte do governo americano, isso pode produzir um fortalecimento eleitoral de Lula em 2026.

Segundo o professor, esse contexto "aumenta a chance do Lula se apresentar como o verdadeiro patriota, o verdadeiro defensor dos interesses nacionais, contra uma extrema direita que é lesa pátria, que é a traidora dos interesses, inclusive dos segmentos produtivos brasileiros que historicamente estiveram aliados à direita".

"Como justificar para o eleitor paulista que a Embraer vai perder contratos milionários e pode deixar de ter o peso que tem no mercado mundial de aviação por conta de uma decisão absolutamente arbitrária de um outro governo estrangeiro e o governo do estado de São Paulo apoiar isso?", supõe e questiona o analista.

Rico x pobres pode ganhar nova roupagem?

Termômetro para medir a saturação política em governos, as redes sociais foram municiadas por publicações nas últimas semanas cobrando o Congresso Nacional para levar à frente a taxação dos super-ricos. A pauta se aglutinou à já aclamada revisão da escala de trabalho 6x1, que foi aderida pelo governo federal. Além disso, a resistência do legislativo ao IOF também esteve na ordem do dia.

Leal ressalta que os governos Lula tiveram por marca uma busca de conciliação. "No atual, até por conta do mote da eleição passada, da defesa da democracia, de uma pauta mais ampla do que meramente da esquerda", o chamado centrão teve acesso ao primeiro escalão do governo.

"Em alguma medida o fato de o Congresso ter criado tantos problemas para o governo e para a garantia da governabilidade e os partidos, inclusive os que têm assento em ministérios, não garantirem minimamente apoio ao governo, empurrou o governo a ter que abraçar algumas dessas pautas mais ideológicas", conta.

O analista afirma, ainda, que, ao seu ver, a intenção do governo não era fazer esse movimento, mas "foi a opção que restou e talvez ela possa ser o tema que, em alguma medida, organize uma repactuação no processo eleitoral futuro com segmentos de esquerda que consideravam que o governo tinha abandonado as suas valorações mais profundas só em nome de garantir a governabilidade", completa.

Ricci, por sua vez, destaca que ao conversar com alas dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), ele escuta que "está claro para nós é como ganhar a eleição ano que vem. É fazer a discussão dos ricos contra os pobres".

Ao analisar o cenário para 2026, o presidente do Instituto Cultiva avalia que o governo petista estava "amorfo" e que "não empolgava ninguém", até o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) "cometer o erro de dar uma mordida maior do que a boca". As demandas populares, portanto, sinalizaram "que o partido tem que voltar um pouco para a esquerda".

"O Hugo Motta e agora o Trump deram elementos de campanha. A questão do governo é como ele administra isso até o segundo semestre do ano que vem", avalia.

No entanto, até agosto do ano que vem, Lula precisa de governabilidade. Nesse sentido, Ricci acredita que o governo seguirá tentando negociar "com a faca no pescoço do Motta" com o intuito de fechar as contas.

"Se o Congresso, em especial a Câmara, resolver diminuir o ímpeto do volume de dinheiro que vai pra emenda parlamentar, já tá resolvido pro governo. Eu vou até adiantar pra você quanto que precisa. Dos 50 [bilhões de reais], precisa diminuir pra 30 [bilhões de reais]. Se ficar nesse patamar, o governo tá contente", disse à Sputnik Brasil.

Nesse cenário, Ricci afirmou ter conversado em Brasília e também com alguns dirigentes do PT e ouviu que Lula tem até pedido para segurar a radicalização dentro do âmbito institucional. "Essa radicalização leva o governo a um embate que paralisa as votações no Congresso", o que preocupa o presidente.

Entretanto, o cientista político explica que, como sindicalista, Lula usa os elementos disponíveis para negociar, como no caso da manifestação no dia 2 de julho na Bahia, dia Dia Independência da Bahia, quando desfilou pelas ruas de Salvador com um cartaz apoiando a taxação dos super-ricos.

"Lula é sindicalista, certo? E como que sindicalista negocia? Vamos pegar uma negociação radicalizada. Você chama a greve. A greve no Brasil que o Lula fez era para tomar a fábrica do empresário? Nunca foi. Por que ele fazia a greve? Para negociar, tá certo? E quando ele negociava, ele cedia, tá certo?", argumenta.

"É isso que ele pega e faz quando ele levanta o cartaz", assim, ele levanta o cartaz para dizer: 'Olha, queridos, ou vocês cedem, ou então vocês vão ter que disputar com a rua. A rua está me apoiando. Vocês estão a fim?'. O Lula vai recuar. O Lula vai recuar. Eu tenho certeza que ele vai recuar. E para mim, a negociação para ele é emenda parlamentar" arremata Ricci.

Por Sputinik Brasil