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Crise da participação democrática na cultura: colapso do CNPC do MinC expõe a urgência de uma reforma institucional

A participação social nas decisões das políticas públicas é um direito previsto na Constituição Federal. Espera-se que, em um governo que defende a democracia e a cultura, esse princípio esteja assegurado. No entanto, o Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), criado para ser a instância máxima de participação social no setor, vive hoje uma grave crise de legitimidade, apatia institucional e esvaziamento jurídico. As recentes revelações do Observatório da Cultura do Brasil (OCB), baseadas em relatórios da CGU, TCU, IPEA e pesquisas acadêmicas, expuseram um cenário de anacronismo normativo, aparelhamento e constrangimentos contra críticos internos e externos.O CNPC, criado pelo Decreto nº 5.520/2005, deveria exercer funções consultivas, fiscalizadoras e deliberativas, conforme a Lei do Sistema Nacional de Cultura (nº 14.835/2024) e o Plano Nacional de Cultura (Lei nº 12.343/2010). Contudo, como apontam estudos do IPEA (Barbosa e Teles, 2021) e auditorias do TCU (2024), suas competências foram progressivamente esvaziadas, sobretudo após a reforma do Decreto nº 6.973/2009, que retirou do conselho a prerrogativa de definir as diretrizes do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Desde então, prevalecem atribuições genéricas e interpretações restritivas, com impacto direto na ausência de controle social sobre os recursos do setor.
A gravidade da situação levou o MinC a convocar, em junho de 2025, reunião emergencial para anunciar uma suposta "reforma" do CNPC. Segundo o OCB, porém, a iniciativa teve caráter mais simbólico e midiático do que efetivo. A instituição também lançou o Programa Nacional Aldir Blanc de Formação em Gestão Pública da Cultura (Portaria nº 217/2025), mas seu conteúdo e abordagem geraram críticas por promover uma visão homogênea e alinhada à gestão atual, sem pluralismo político ou respeito à autonomia dos conselheiros.
O cientista político e ex-conselheiro Manoel J. de Souza Neto afirma: "Os conselhos são espaços de fiscalização e deliberação. Exigir consensos e pactos como precondição para o diálogo é um gesto autoritário, que nega a função crítica do controle social". Em seus estudos, Souza Neto mostra como a redação genérica do decreto comprometeu a força normativa do CNPC, convertendo-o em instância simbólica e vulnerável a manipulações políticas.
O relatório do OCB “Minc 40 anos - relatório”, citado pela Folha de S. Paulo, reuniu dados de mais de 30 documentos oficiais, incluindo auditorias da CGU e TCU, revelando que o CNPC não acompanha o PNC desde 2016, em descumprimento ao Decreto 9.891/2019. Também revelou que conselheiros foram omissos diante de irregularidades, não acionando órgãos de controle mesmo quando solicitados.
A crise se agravou com a tentativa de censura contra o Observatório da Cultura do Brasil. Após divulgação de relatórios críticos, membros do CNPC, sob influência de funcionários do MinC, sugerem que os conselheiros façam moções de repúdio na esfera oficial, e ataques virtuais contra o Observatório, em ato coordenado via grupos de WhatsApp institucionais. Conversas internas, às quais a reportagem do OCB teve acesso, demonstram que Daniel Samam, coordenador-geral do CNPC, incitou conselheiros a agir contra o Observatório, revertendo o papel fiscalizador do conselho em defesa do governo.
O episódio evidencia o paradoxo institucional: o CNPC, que deveria controlar, torna-se instrumento de retaliação. O OCB alerta que isso fere a liberdade de imprensa e o direito à fiscalização cidadã, pilares do Estado Democrático de Direito. Casos anteriores de perseguição a conselheiros críticos, como o próprio Souza Neto (vide MS 22794/DF no STJ), já haviam sinalizado um padrão de violação da autonomia conselheira.
Para o OCB, a solução é uma reforma profunda: reinstaurar competências deliberativas claras, extinguir apadrinhamentos políticos, capacitar conselheiros com autonomia crítica e estabelecer um canal permanente com órgãos de controle e o sistema de justiça. Sem isso, o CNPC seguirá como instância decorativa. "Ou o MinC assume o compromisso com a democracia cultural e reforma o conselho, ou arcará com o descrédito de perpetuar um modelo opaco, autorreferente e antidemocrático", conclui o Observatório da Cultura do Brasil.
Observatório da Cultura do Brasil:www.instagram.com/
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