Internacional
Putin ressalta resiliência russa e dispara alerta à velha ordem mundial, diz analista

Durante o encerramento do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF, na sigla em inglês), o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ressaltou a resiliência do país frente às sanções econômicas e a força do BRICS como principal plataforma para a construção de um mundo cada vez mais multipolar e distante da velha política neocolonialista.
Expansão do BRICS, resiliência da Rússia frente às sanções econômicas do Ocidente, conflito ucraniano e crise no Oriente Médio. Em mais de quatro horas de discurso no SPIEF, o presidente Vladimir Putin comentou sobre o panorama global cada vez mais desafiador e a importância do Sul Global para dar resposta aos atuais problemas.
"Há necessidade de construir um novo modelo de desenvolvimento no mundo – sem os princípios do neocolonialismo. Velhos mecanismos da era da globalização se desgastaram e desacreditaram", destacou Putin.
Danielle Makio, professora de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), enfatiza à Sputnik Brasil que a fala de Putin é apenas um retrato dos sucessos alcançados pela Rússia nos últimos anos a partir da sua política externa.
"A diplomacia russa foi muito capaz de aprofundar suas relações com os países do Sul Global e com outras instituições internacionais não lideradas pelo Ocidente", resume.
Para além da China, cuja parceria histórica alcançou níveis de interação política e econômica recorde, a especialista cita os laços da Rússia com países como Brasil, Índia, Irã, Indonésia e Vietnã que romperam a tentativa ocidental de deixar o país isolado no xadrez geopolítico.
Conforme Makio, essa interação trouxe alívio para a economia russa, que mesmo com o conflito na Ucrânia e as severas sanções econômicas impostas por Estados Unidos e Europa, como o banimento da Rússia do SWIFT, principal meio utilizado para pagamentos internacionais, registrou crescimento acima da média mundial a partir de 2022.
"A chancelaria russa teve uma parcela de responsabilidade muito grande nessas rearticulações internacionais que foram cruciais para a Rússia romper essa tentativa de isolamento."
"À medida que a Rússia conseguiu quebrar essas sanções, também conseguiu navegar por outras vias alternativas para se manter não só como um ator internacional relevante, mas manter a sua economia e comércio internacional bem operacionalizáveis", cita, ao pontuar ainda o trabalho realizado pelo governo Putin a partir de 2010 para tornar a economia russa mais resiliente e menos dependente do cenário internacional.
BRICS e o sistema financeiro independente
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos conseguiram elevar o dólar ao patamar de moeda internacional de maneira praticamente dominante nas transações econômicas globais.
Principal base de sustentação da hegemonia norte-americana no mundo, essa medida fez com que Washington ganhasse uma capilarização muito grande até na economia de outros países e, com isso, dominar a agenda mundial.
Mas a necessidade de mudança começa a ganhar força e se intensifica nos últimos anos com o BRICS, que estuda criar um sistema financeiro independente para que as transações comerciais ocorram entre as moedas dos próprios países, projeto que foi mencionado por Putin no discurso.
"Até hoje a gente nunca tinha visto um movimento de questionamento da centralidade do dólar tão grande quanto estamos acompanhando principalmente a partir de 2022", descreve Makio.
"Rússia e China já levantaram essa bola desde 2012 sobre a necessidade de uma transição monetária, já dentro do âmbito do BRICS, mas até então isso dificilmente ganhava uma proeminência, diferentemente de agora. Quando a gente pensa na arquitetura de sistemas de pagamento alternativos que não operem na base do dólar, estamos falando da estruturação de um modelo muito mais robusto com a participação do BRICS, países que representam quase 40% do PIB mundial."
"Só organizações como BRICS podem garantir o avanço da civilização mundial". Assim definiu o presidente Putin sobre a importância do grupo no redesenho do equilíbrio global. Para a especialista, o discurso de Putin mostra ainda que o BRICS é mais do que a contestação da ordem liberal ocidental, mas uma nova visão de mundo que respeita a herança cultural e a multietnicidade.
"Portanto, quando Putin afirma que apenas o BRICS e organizações semelhantes podem garantir avanços civilizacionais, ele está dizendo que uma ordem internacional mais justa e equilibrada exige lideranças dispostas a pensar de forma mais inclusiva e coletiva — longe do individualismo liberal típico do modelo ocidental. Para ele, países do Sul Global compartilham essa visão. A soberania nacional, o equilíbrio de poderes e a valorização dos interesses locais são, segundo o Kremlin, valores centrais para essa nova ordem."
Expansão da OTAN e conflito ucraniano
O presidente russo lembrou que a crise ucraniana atual é resultado direto das ondas de expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) desde 1990, desrespeitando acordos firmados pela aliança militar no pós-guerra, e da recusa do Ocidente em dialogar com Moscou.
Conforme a professora da Unesp, Putin já afirmava em 2007 que o avanço da entidade em direção às fronteiras russas "não poderia ser ignorada por muito mais tempo", situação que culminou na tentativa do regime de Vladimir Zelensky em entrar oficialmente na aliança.
"Moscou esperava pelo menos um compromisso de limites geográficos ou de respeito mútuo. Algo que nunca veio e quando veio, foi desrespeitado. Isso cria uma sensação de cerco e ameaça constante."
Do ponto de vista estratégico, a aproximação de uma aliança militar como a OTAN de um território "levanta preocupações legítimas para qualquer Estado", ressalta Makio. "A reação da Rússia, por mais que seja criticada, vem depois de anos de advertências ignoradas."
Ao fim do discurso, Putin também advertiu a Ucrânia sobre o uso de uma bomba suja (artefato que combina explosivos convencionais com material radioativo) contra a Rússia, que teria uma resposta à altura. Para a especialista, esse é um alerta também aos aliados de Kiev para que esse tipo de armamento não seja utilizado, inclusive com apoio externo.
A advertência é típica da forma de agir do presidente russo, avalia Makio. "Historicamente, Putin costuma sinalizar antes de adotar uma postura mais enfática. Ele raramente sobe o tom de forma repentina ou inesperada. Sempre há algum tipo de alerta, mais direto ou mais velado."
"Neste caso, a fala foi feita em um evento internacional, diante de todos, deixando claro que, se uma bomba suja for usada, a Rússia retaliará — provavelmente com a mesma intensidade."
A partir do momento que o alerta é dado, a responsabilidade recai sobre a Ucrânia e seus parceiros ocidentais, explica a analista. Em uma situação em que o país "tem demonstrado certo grau de desespero estratégico", o uso de um artefato como uma bomba suja pode se tornar uma opção do regime de Kiev, alerta Makio. "Ainda mais diante da escassez de recursos."
"Caso isso aconteça, sabemos que a reação russa será imediata."
Por Sputinik Brasil
Mais lidas
-
1AUTORITARISMO FREADO
Ex-prefeito Júlio Cezar é alvo de medida protetiva por ataques a servidor público
-
2ASSASSINATO
Empresário Marcelo Dantas é assassinado em Coruripe
-
3STF
Mídia: Defesa de Jair Bolsonaro 'não está otimista' com possibilidade de prisão domiciliar
-
4CANCELADO
Proibido de deixar a comarca de Recife, Gilson Machado não fará shows com sua banda no São João de Caruaru e no São Pedro de Palmeira dos Índios
-
5POLÊMICA
Dançarina da equipe de Zezé Di Camargo causa revolta ao chamar comida nordestina de “lavagem”