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O calor que transforma: processo sustentável vira criação artesanal
Com barro, vidro e alma, artesã catarinense transforma resíduos em cerâmica e leva a cultura do Sul para exposição no Rio de Janeiro

Em um ateliê silencioso, onde o barro ganha forma entre as mãos, nasce um trabalho que é mais do que utilitário. É expressão. É afeto. É memória moldada com alma. Foi ali, sozinha e cercada de natureza, que a artesã Lindacir Zornitta, descobriu, aos 53 anos de idade, um novo propósito.
No entanto, foi a partir de uma inquietação com o descarte incorreto de resíduos que ela passou a explorar novos caminhos para a sustentabilidade. Começou pela vitrofusão, técnica que reaproveita vidro de garrafas descartadas, e, mais tarde, encontrou na cerâmica artesanal de alta temperatura uma linguagem mais completa para expressar suas ideias.
Bióloga por formação e apaixonada pela sustentabilidade, ela encontrou na vitrofusão uma forma de ressignificar não só materiais, mas também sua própria trajetória. Foi ao se deparar com a cerâmica artesanal de alta temperatura que algo profundo se acendeu: a possibilidade de criar peças com história, função e beleza, além de conectar saberes ancestrais e práticas conscientes.
QUANDO O BARRO CONTA HISTÓRIAS
A cerâmica, para ela, não é apenas matéria-prima: é linguagem. Suas peças são inspiradas pela natureza e flores que marcam a beleza de Chapecó (SC) — como o ipê e o girassol —, pelas tradições italianas herdadas da família, pelos crochês das avós, além das sementes da mata nativa e das curvas do relevo e dos rios do oeste.
“Utilizo essas referências para criar peças únicas que refletem o belo e a essência da nossa terra. Exemplos disso são as estampas do crochê, que é uma técnica manual trazida pelos nossos antepassados italianos, materializadas nas cerâmicas”, disse Lindacir.
A mesa posta é seu palco preferido: xícaras que aquecem as mãos, pratos que recebem alimentos e afeto, vasos e objetos decorativos que acolhem memórias. Cada peça é uma pausa, um convite para desacelerar, saborear, ouvir e se conectar com o que realmente importa.
A inspiração no processo de criação surge quando imagina que, alguém, ao usar uma de suas peças, se permitirá viver um momento bom, sentir o calor do café, o conforto nos dedos e a beleza nas cores.
RECONHECIMENTO E DESAFIOS
O compromisso com a cultura e o meio ambiente rendeu a Lindacir, do Ateliê Linda Cerâmica, o convite para representar o Sul do Brasil na exposição “Sinta o Sul – Bioma Mata Atlântica”, no Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB), no Rio de Janeiro. A mostra é fruto de uma iniciativa inédita realizada em colaboração entre o Sebrae Santa Catarina, Sebrae Paraná, Sebrae Rio Grande do Sul e CRAB. Santa Catarina está presente com 130 artesãos e mais de 850 produtos até 15 de outubro.
A participação no evento marca um reconhecimento importante ao trabalho artesanal e à riqueza cultural da região. “Fiquei emocionada com o convite. É uma grande responsabilidade representar a nossa terra, nossas tradições e o cuidado que colocamos em cada peça. Levar isso para um público mais amplo é uma forma de valorizar o que temos de mais autêntico”, destaca.
A curadoria da exposição é assinada pela consultora credenciada ao Sebrae/SC, Silvia Baggio, que é especialista em cultura e criação. “Lindacir moldou duas peças em cerâmica que homenageiam o Rio Uruguai – que representa um importante elemento geográfico e histórico, ao definir a fronteira entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Suas peças, de tons terrosos e traços sinuosos, evocam às águas barrentas e as curvas generosas desse rio que desempenhou papel crucial para o desenvolvimento econômico e cultural da região”, explica.
Mais do que formas, a artesã também deu voz à memória fluvial do Bioma ao elaborar os nomes dos 30 principais rios e eternizá-los no móvel central da Sala 01 – As Curvas dos Rios, as Ondas do Mar (Sala da Cerâmica): espaço que explora a leveza das águas e a força do barro, com peças que expressam pertencimento e identidade. “Ali, uma grande curva se desenha – como um leito que abraça –, e os caquinhos inseridos compõem um mosaico de sentidos. É um convite à contemplação e a reflexão. Um instante de pausa em que a arte se torna rio, e o espectador, margem”, complementa Silvia.
Apesar da visibilidade, ela reconhece os desafios enfrentados pelos artesãos: acesso a materiais de qualidade, custo elevado com logística e a concorrência com produtos industrializados. “As peças artesanais carregam história, tempo e afeto, mas muitas vezes precisam disputar espaço com produtos de produção em massa. Ainda falta reconhecimento e apoio ao setor artesanal”, observa.
Para ela, a cerâmica também é forma de traduzir o Bioma da Mata Atlântica, as sinuosidades dos rios, a força da terra. É mostrar que o artesanato do Sul carrega identidade, sensibilidade e impacto.
SUSTENTABILIDADE NA ESSÊNCIA
Com um trabalho fundamentado em práticas sustentáveis, ela recicla argila, escolhe materiais naturais, utiliza esmaltes sem substâncias tóxicas e busca fornecedores com selo ambiental. Nada é por acaso: cada detalhe reflete respeito ao meio ambiente, à cultura e às pessoas.
Seu processo criativo mistura planejamento e intuição. Algumas ideias nascem com estrutura, outras se revelam no improviso. Muitas vezes, uma peça começa de um jeito e termina completamente diferente — o barro responde aos sentimentos do dia.
“Acredito na passagem de energia. Só crio quando estou bem, porque quero que minhas peças carreguem boas sensações”, disse a artesã.
Em tempos apressados, seu ofício é resistência delicada: moldar com as mãos aquilo que o tempo não pode levar. E, com barro, sementes e fogo, continuar a contar as histórias de um Sul que pulsa em cada curva da cerâmica — viva, sensível e eterna.
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Foto 12 – A artesã deu voz à memória fluvial do Bioma ao elaborar os nomes dos 30 principais rios e eternizá-los no móvel central da Sala 01 – As Curvas dos Rios, as Ondas do Mar (Sala da Cerâmica) (Crédito: Rossana Fraga).
Foto 13 – Uma grande curva se desenha – como um leito que abraça –, e os caquinhos inseridos compõem um mosaico de sentidos (Crédito: Rossana Fraga).
Foto 14 – A artesã elaborou os nomes dos 30 principais rios do Bioma da Mata Atlântica (Crédito: Rossana Fraga).
Foto 15 – O móvel central é um convite à contemplação e a reflexão. Um instante de pausa em que a arte se torna rio, e o espectador, margem (Crédito: Rossana Fraga).
Foto 16 – A cerâmica também é forma de traduzir o Bioma da Mata Atlântica, as sinuosidades dos rios e a força da terra (Crédito: Rossana Fraga).
Foto 17 – A mostra é fruto de uma iniciativa inédita realizada em colaboração entre o Sebrae Santa Catarina, Sebrae Paraná, Sebrae Rio Grande do Sul e CRAB (Foto: Divulgação).
Foto 18 – A artesã elaborou os nomes dos 30 principais rios do Bioma da Mata Atlântica (Foto: Divulgação).
Foto 19 – Em um ateliê silencioso, onde o barro ganha forma entre as mãos, nasce um trabalho que é mais do que utilitário. É expressão (Foto: Arquivo Pessoal).
Foto 20 – Suas peças são inspiradas pela natureza e flores que marcam a beleza de Chapecó (SC) — como o ipê e o girassol (Foto: Arquivo Pessoal).
Foto 21 – Suas peças são inspiradas pela natureza e flores que marcam a beleza de Chapecó (Foto: Arquivo Pessoal).
Foto 22 – Lindacir Zornitta, do Ateliê Linda Cerâmica, de Chapecó (SC) (Foto: Arquivo Pessoal).
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