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Lula pode sair ganhando se Trump voltar sua retórica agressiva contra o Brasil, dizem especialistas

Por Sputinik Brasil 16/05/2025
Lula pode sair ganhando se Trump voltar sua retórica agressiva contra o Brasil, dizem especialistas
Foto: © Foto / Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que a retórica agressiva de Trump acabou por eleger governantes contrários a sua ideologia em países como Canadá e Austrália e, de quebra, pode beneficiar Lula em 2026.

O governo Donald Trump tumultuou o cenário internacional com o choque tarifário aplicado a vários países no primeiro semestre. A tentativa do presidente americano em reverter a situação econômica dos EUA às custas de impostos para produtos estrangeiros que entrassem em seu país geraram efeito em vários cantos do mundo.

Na vizinha Canadá, por exemplo, após a renúncia de Justin Trudeau, o liberal Mark Carney levou a melhor nas eleições e se tornou primeiro-ministro. Durante a campanha, o novo líder canadense vinha afirmando que seu país passava por uma crise existencial, diante das ameaças públicas de Trump em anexar o Canadá e torná-lo um estado americano.

Já no começo do mês a Austrália elegeu seu governante. Anthony Albanese, do Partido Trabalhista, foi reeleito para seguir à frente do país. Embora tenha iniciado o ano com popularidade baixa e poucas chances de nova vitória, o primeiro-ministro conseguiu a reviravolta. Para alguns veículos de mídia, a influência de Trump ajudou na reeleição de Albanese, mas com a imagem do republicano representada de forma negativa, já que Peter Dutton, da coalizão conservadora Liberal-Nacional, chamava a atenção pela inclinação aos ideais do presidente dos EUA.

Se o vento que soprou na Austrália e no Canadá de alguma forma influenciou nas eleições dos respectivos países, a um ano e quatro meses do pleito brasileiro, é "cedo para dizer que isso vai ser determinante no contexto político que vai estar em jogo" em 2026, avalia Paulo Henrique Cassimiro, professor de ciência política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em entrevista à Sputnik Brasil.

"É muito cedo ainda para saber em que medida isso vai ter um efeito duradouro na política americana, essa queda de popularidade do Trump, ou seja, a avaliação pode mudar e, consequentemente, reverter o cenário atual."

De qualquer forma, o especialista avalia que um impacto direto é difícil de acontecer. Por outro lado, ele afirma que os políticos podem usar um eventual desgaste de Trump para atacar adversários "com uma certa retórica de ameaça, do tipo: olha o que está acontecendo lá, se vocês apoiarem ou votarem em um personagem político de perfil semelhante ao Trump, olha o que pode acontecer aqui".

Olhando para o cenário nacional e a situação do governo brasileiro, Cassimiro afirma que o governo federal precisa se preocupar em reverter sua queda de popularidade.

"Eu não acho que a queda de popularidade do governo tenha a ver com os ataques da extrema direita. Disputa política vai partir de qualquer democracia. À oposição cabe atacar o governo, ao governo cabe fazer propaganda dos seus feitos. Então, eu acho que o governo é muito mais vítima de uma incapacidade de construir uma narrativa positiva sobre os seus feitos, que são muitos", explica.

Ivan Filipe Fernandes, professor de políticas públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC), frisa que os fatores que causaram a perda de força de Trump no cenário interno nos EUA e no exterior são distintos.

"Tem uma dinâmica interna nos EUA, que é uma queda de popularidade, que está associada com as distorções econômicas que as ações, que a gente poderia dizer destrambelhadas de Trump no campo da economia, vêm produzindo. As incertezas acerca da política tarifária, vêm prejudicando muito o andamento da economia norte-americana", explica.

Con forme Fernandes explica, há uma forte dependência da economia norte-americana de produtos produzidos no exterior, principalmente na China, que seriam mais caros se fossem produzidos nos EUA, e o choque tarifário sobre esses produtos levou a uma alta inflacionária.

"Isso gera problemas internos na economia americana, isso já está chegando no consumidor e no trabalhador americano, que é uma parte importante do eleitorado do Trump", explica.

Em contraponto, no cenário externo, Trump vem perdendo força, principalmente entre aliados, como Canadá, Dinamarca e Austrália, por conta da retórica agressiva, que acaba despertando um viés nacionalista entre progressistas que tradicionalmente tinham uma política mais globalizada e liberal. Segundo ele, o caso mais emblemático foi o do Canadá, onde havia a expectativa derrota do partido liberal de Justin Trudeau.

"Você tem uma mudança radical ali em poucos meses, em reação à retórica agressiva trumpista, e fez com que os progressistas mantivessem a sua posição política, tivessem resultado muito melhor. O mesmo aconteceu na Austrália. Então, isso não é decorrente da política econômica inconsistente. Isso é decorrente de uma retórica externa mais agressiva."

No recorte do Brasil, onde a direita, especialmente a ala mais radical, se associa a Trump, o especialista afirma que não é possível prever se a tendência observada no Canadá e Austrália vai se confirmar, mas destaca que, se Trump continuar nessa trajetória e, em algum momento, voltar essa retórica agressiva contra o Brasil, é possível que haja um movimento no sentido de acirrar o sentimento de soberania nacional, fortalecendo o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo ele, caberá à direita brasileira calcular como lidar com o apoio a Trump.

"Minha expectativa, como analista, é que vai chegar a hora do Brasil ser o alvo da retórica agressiva trumpista. Sobretudo porque o Brasil é um forte competidor contra o agronegócio americano."

Henrique Carlos de Castro, professor de ciência política e relações internacionais Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador brasileiro da Pesquisa Mundial de Valores (World Values Survey), afirma que de fato durante o governo Bolsonaro a direita se espelhou nos EUA e na figura de Trump como exemplo a ser seguido para que o Brasil se tornasse, efetivamente, uma potência.

"No entanto, nós estamos neste momento em outra situação. A forma agressiva [da retórica] de Trump torna difícil um alinhamento que seja completamente acrítico", afirma o analista.

Entretanto, ele observa que a direita não se baseia unicamente na figura de Trump, mas sim dos EUA como liderança mundial do Ocidente.

"Ou seja, se a imagem do presidente Trump, neste momento, pode dificultar ou não facilitar o seu uso como um modelo a ser seguido no Brasil, isso não impede que os Estados Unidos, como país, seja a referência."

Castro considera que o benefício que Lula pode ter nas eleições de 2026 com a nova abordagem de Trump não é tão grande, uma vez que a direita brasileira já está se descolando da imagem de Trump e retornando à retórica do anticomunismo e do medo do Oriente, em especial de Rússia e China, usando a recente viagem do presidente aos dois países como forma de ataque.

"O que a direita está fazendo é tentar indicar que Lula e o seu governo estão indo contra o Ocidente e a tradição da democracia e da liberdade ocidental, seja lá o que isso signifique", afirma.

O especialista elogia a forma como o presidente Lula reagiu à agressão tarifária de Trump, "buscando outras parcerias e não ficando dependente e refém de um país, no caso dos EUA".

Essa abordagem, voltada ara a defesa de interesses nacionais, que pode servir de trunfo na disputa de 2026. No entanto, também pode abrir margem para a estratégia da direita de se contrapor à China a um suposto comunismo.

"Trazendo uma visão antiga de um inimigo comunista que pode acabar o país, o que, na verdade, é um desconhecimento tremendo de como funciona a China."