Cidades
Ricardo Mota fez na entrevista o que sempre escreveu que o governador fazia nos bastidores: riu do "imperador" Julio Cezar.

A entrevista de Julio Cezar, ex-prefeito de Palmeira dos Índios e atual secretário de Relações Externas e Internacionais do governo, no CMcast exibido ontem (13) com os jornalistas Ricardo Mota e Carlos Melo, foi um espetáculo de autopromoção repleto de contradições e tentativas de vitimização. Em quase uma hora de conversa, Julio tentou se posicionar como um outsider da política, ao mesmo tempo em que exaltava suas articulações com grandes líderes, seu trânsito fácil entre oligarquias e sua disposição em acomodar aliados em cargos estratégicos.
A entrevista começou com Ricardo Mota não perdendo a chance de alfinetar o ex-prefeito. “Que alguém chama de imperador, não vou dizer quem é”, soltou Ricardo, em tom irônico, referindo-se ao apelido de Julio, associado à postura autoritária e centralizadora durante sua gestão em Palmeira dos Índios. Julio sorriu e tentou disfarçar, mas a ironia não passou despercebida.
Ao ser questionado sobre sua trajetória, Julio passou boa parte do tempo exaltando suas origens humildes, a infância marcada pela carrocinha de feira e o trabalho comunitário. “Eu levava sopa no meu carro, de Maceió para Palmeira, toda sexta-feira”, relatou, numa tentativa evidente de projetar a imagem do líder altruísta. Mas Ricardo Mota não perdeu o timing: “Já estava fazendo política?”, ironizou. Julio hesitou, mas admitiu: “Acho que ali estava nascendo o embrião da política.”
Julio assumiu um tom melodramático ao recordar sua trajetória humilde: “Eu nunca fui protagonista da política, sempre vivi o bastidor.” No entanto, minutos depois, ele mesmo se contradiz ao destacar sua trajetória como figura central no rádio, na política comunitária e até na gestão pública.
A tentativa de construir a narrativa do garoto pobre que venceu na política acabou se desmanchando quando ele passou a contar sobre suas relações com a elite política. “Eu andei por 20 anos com governadores, conheço Alagoas como a palma da mão”, disse. Ricardo Mota, sem perder a deixa, cutucou: “Você viajou num sonho. Você acreditava mesmo que era candidato a governador?” Julio, sem se abalar, respondeu que sim e afirmou que só não levou a campanha ao segundo turno por um ponto percentual, mas na época se houvesse segundo turno quem iria era o saudoso Biu de Lira.
Em outro momento, quando questionado sobre sua sucessora, Luísa Duarte, Julio adotou um tom paternalista: “Ela foi minha professora de religião e português. Ela cuidava de mim e dos meus irmãos enquanto minha mãe ia para a feira.” Mas Ricardo foi incisivo: “Não tem alguma coisa a ver com o nome não?”, numa clara alusão ao parentesco entre os dois e à estratégia de manter o controle político sob a fachada da continuidade familiar. Julio tentou contornar: “Eu a escolhi porque ela era de confiança e conhecia nosso projeto.”
A contradição ficou evidente quando Julio passou a defender a prática de acomodar aliados em cargos estratégicos. “Eu acredito que se surgisse um espaço político em que eu pudesse colocar alguém de confiança, eu colocaria”, afirmou, ignorando o discurso inicial contra as oligarquias políticas de Palmeira. Ricardo Mota, percebendo a incoerência, questionou sobre as nomeações no Tribunal de Contas feitas por Renan Filho: “O que você acha do fato dele ter colocado a mulher como conselheira do Tribunal de Contas?” Julio foi evasivo: “Eu faria o mesmo. A política é assim”, sob risos contidos, mas visíveis, do jornalista Ricardo Mota.
Em seguida, Ricardo voltou a atacar, dessa vez sobre a atuação de Julio na Secretaria de Relações Externas. “Eu perguntei ao deputado, que era aquela história que o governador queria que você fosse secretário. E eu perguntei onde, né? Aonde? Porque surgiu a comunicação e parece que você namorou com a comunicação”, provocou Ricardo. Julio sorriu sem graça e tentou explicar que a secretaria era nova e estava ainda se estruturando. “Vou fazer aparecer”, prometeu, sem entrar em detalhes sobre o orçamento ou ações concretas e disfarçou sobre o pedido velado ao governador para ser secretário de comunicação, quando Joaldo Cavalcante ainda era titular.
A sagacidade de Ricardo Mota ficou ainda mais evidente quando tocou no tema da secretaria ocupada por Julio, descrita pelo jornalista como uma “secretaria clandestina. Julio tentou contornar a provocação alegando que dará visibilidade à pasta, mas a sensação de que nem ele sabe o real propósito da secretaria permaneceu.
Mas foi ao falar sobre as denúncias de assédio contra seu antecessor, Hugo Leah, que Julio tropeçou. Ricardo não poupou: “Recebi um monte de denúncia do secretário que saiu. Uma coisa muito grave. Como é que você lida com isso?” Julio tentou desviar, exaltando o caráter de Hugo: “Um ser humano extraordinário, muito centrado na família.” Em momento algum se comprometeu a investigar ou apurar os relatos.
Quando o tema foi o cenário político, Julio fez questão de reafirmar sua lealdade ao grupo político de Renan Calheiros e Paulo Dantas, mas deixou em aberto sua filiação partidária, flertando com PT, PSD e MDB. Ricardo, percebendo a falta de coerência, pontuou: “Então, você tem lados?” ao que Julio respondeu prontamente: “Tenho lados.” A resposta vaga e sem firmeza deixou claro que o ex-prefeito continua se equilibrando conforme a conveniência política.
A declaração soou contraditória, já que ele passou a entrevista inteira exaltando os apoios que recebeu de grupos alinhados ao bolsonarismo, como o deputado-federal Marx Beltrão, filiado ao PP de Arthur Lira, enquanto se posiciona agora como defensor do governo Lula. Ricardo Mota, percebendo a inconsistência, arrematou: “Então você tem lado. Ou lados.”
A cereja do bolo veio quando Ricardo o questionou sobre seu futuro político. “Deixa eu fazer uma provocação. Já que você tem a intenção de entrar no PT, qual a sua ideia de Lula e Bolsonaro?” Julio tentou equilibrar o discurso: “Trabalhei com os dois. Bolsonaro foi técnico e fechado. Lula é aberto ao diálogo.” Mas, em seguida, acabou se entregando: “Eu voto em Lula. Não posso ficar em cima do muro.”
Na reta final da entrevista, Ricardo Mota trouxe uma última provocação, perguntando sobre a gestão de JHC em Maceió e sobre as alianças políticas que Julio pretende fazer. Sem titubear, Julio voltou a ser genérico após elogiar a gestão de JHC: “Eu vou aguardar a composição.” Essa resposta pronta e indefinida evidenciou que sua preocupação está mais em garantir um espaço político do que em defender uma linha ideológica clara.
Julio Cezar encerrou a entrevista tentando projetar a imagem de um articulador político disposto a dialogar com todos os lados, mas deixou clara sua disposição de se moldar conforme a conveniência. Em um discurso repleto de incoerências, dúbio, e com um tom marcado por autopromoção, ele não conseguiu esconder o projeto político pessoal a todo custo. E Ricardo Mota, com sua postura crítica e irônica foi fundamental para desnudar (desculpem o trocadilho) o ex-prefeito, que, mesmo tentando se equilibrar nas respostas, acabou por revelar o que muitos já sabem: um político que transita entre diferentes narrativas para manter-se relevante, sem qualquer compromisso concreto com coerência ou transparência. Irônico, encerrou a entrevista sem esconder o sorriso de quem sabia que, naquele palco, o “imperador” deixou cair a coroa.
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