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O acendedor de lampiões

Carlito Peixoto Lima 11/05/2025
O acendedor de lampiões
Carlito Peixoto - Foto: Assessoria



1918, fim da I Guerra Mundial. Alagoas não foi à guerra, mas um filho seu, valoroso guerreiro, Firmino Vasconcelos, então prefeito de Maceió, comemorou com três dias de festas a Paz Mundial. O povo bebeu e dançou na Praia do Aterro, no centro da cidade. Maceió é talvez a única capital que tenha praia no centro da cidade.

Durante o discurso, emocionado, empolgado com as doses de cachaça, das boas, distribuídas ao povo, o alcaide prometeu, ali, naquela praia extensa de areia branca, faria uma urbanização com o nome de Avenida da Paz.

O prefeito era um cara decente, diferente desses de hoje em dia que fazem mil promessas e depois esquecem, logo cumpriu a jura.

Foram construídas duas calçadas paralelas, uma junto à pista de calçamento, outra ao lado da praia. Jardins gramados em desenhos arabescos, bancos de concreto, postes de ferro trabalhado, beleza de arte da Fundição Alagoana. No final dos anos 40 a Avenida da Paz era nosso paraíso, a criançada brincava com ximbra, pião, roubar bandeira, jogava futebol no coreto. Só havia um problema o guarda municipal que chegava em seu turno antes de anoitecer, muito cônscio de suas obrigações, não deixava as crianças pisarem na grama, ou colocarem os pés em cima dos bancos. Ele ficava vigiando nossos passos com um apito para chamar atenção quando alguma de nós colocava um pé no banco ou coisa parecida. Nós meninos criados livres logo o apelidamos de "Guarda Doido". Ele ficava irado quando alguém gritava "Guarda Doido", juntava a molecada para saber quem foi que gritou, nós calados. Certa noite ao atravessar a Avenida na hora do jantar, escondi-me atrás de um poste, gritei alto, "Guarda Doido", tive azar, ele me viu saiu em disparada em meu encalço. Corri, antes de ele me pegar entrei na de Seu Luiz Ramalho que estava na porta, contei para ele rapidamente o que se passava. Seu Luiz encarou o guarda que queria me levar preso, depois foi me deixar em casa onde recebi um belo carão de meu pai. Fiquei mais de uma semana sem pisar na Avenida ao anoitecer. O Guarda Doido todos os dias com uma vara ligava o interruptor das luminárias do Calçadão. Pela madrugada ao amanhecer o dia ele desligava a iluminação da Avenida.

Certa vez ao deparar-me com um livro de Jorge de Lima, poeta alagoano de União dos Palmares, considerado um dos três maiores poetas da língua portuguesa, junto com Camões e Fernando Pessoa. Ao ler um poema o "O Acendedor de Lampiões", lembrei-me do Guarda Doido de minha infância que acendia a iluminação da Avenida Paz.

O Acendedor de Lampiões

Jorge de Lima

Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!


Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.


Triste ironia atroz que o senso humano irrita: –
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.


Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!