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Apartheid tecnológico: 'Poucos terão acesso aos benefícios da colonização interplanetária'

17/04/2025
Apartheid tecnológico: 'Poucos terão acesso aos benefícios da colonização interplanetária'
Foto: © AP Photo / Joel Kowsky

Curiosidade científica, ampliação da fronteira do conhecimento, a busca pelo instinto de sobrevivência inerente à espécie humana, dominação geopolítica e ampliação da fronteira de expansão do capitalismo: ingredientes que temperam a corrida à Marte no século XXI.

A possibilidade de vida, sobretudo humana, fora da Terra, alimenta um debate interminável. Sem dúvidas, como garante a professora Raquel dos Santos, docente de relações internacionais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora em estudos estratégicos e especialista em cooperação espacial internacional, não há ambiente mais favorável para a vida humana do que o planeta Terra.

Os gastos que se sucedem com iniciativas de chegar a destinos como Marte, se isso depreende-se puro e simplesmente em prol da salvação da humanidade, "poderiam ser alocados na preservação da própria Terra", diz ela. Além do mais, a chegada ao planeta vizinho leva em média, segundo estudiosos, cerca de nove anos.

Nenhum humano pisou, ainda, no planeta vermelho, apesar de metas já terem se tornado públicas, com estimativas de datas para o feito. Em 2012, por exemplo, conforme lembra dos Santos, "Elon Musk disse que em dez anos eles estariam em Marte; 2022 passou e eles não chegaram a Marte", conta, mostrando que os prazos são simbólicos.

Além disso, os períodos propostos esbarram "em impeditivos tecnológicos, impeditivos orçamentários e impeditivos políticos". Outra complexidade evidente é enviar uma tripulação ao planeta. Ou seja, ainda há inúmeros desafios.

Trata-se, portanto, de um processo novo e cheio de interrogações. Segundo a analista, um paralelo possível para tentar compreender a corrida espacial seria o período das grandes navegações.

Nesse sentido, a comparação também se assemelha à representação dos navegantes em nome dos interesses imperiais e, atualmente, às grandes empresas de tecnologia espacial em nome dos Estados, como o caso da SpaceX, de Elon Musk, que "carrega a bandeira dos EUA".

"A gente não pode fechar os olhos para essa percepção do quanto que a empresa do Elon Musk está atrelada ao poder norte-americano e à presença dos Estados Unidos na exploração espacial. A gente tem aí uma mistura de duas percepções que, na verdade, caminham juntas: as grandes corporações privadas e os interesses do Estado em prol dessa corrida espacial".

Para a analista, inclusive, Musk e a SpaceX vão liderar essa nova era da corrida espacial. Haja visto o número de satélites, lançadores e lançamentos realizados anualmente pelos Estados Unidos. Por outro lado, a liderança da iniciativa privada tende a gerar um "cenário muito mais instável do que foi, por exemplo, a primeira fase da exploração espacial ainda na Guerra Fria".

Ao fim e ao cabo, a astropolítica — pensar as relações políticas e estratégicas a partir do espaço exterior — é o que está no seio da corrida espacial. Trocando em miúdos: "Estão projetadas sobre o Espaço as disputas estratégicas que nós temos aqui mesmo na Terra. E ao projetar essas disputas, significa que existem zonas com maior ou menor valor. Marte, a Lua, algumas zonas orbitais possuem um extremo valor dentro dessa disputa", explica dos Santos.

O processo de extensão da forma política para o Espaço também projetaria características sociais, uma vez que "a política espacial não está desvinculada da política terrestre. Ela, na verdade, funciona como uma extensão desse apartheid tecnológico que já acontece na Terra", explica.

Com esse apartheid espacial, poucos terão acesso, de fato, "aos benefícios da colonização interplanetária", acrescenta. Além disso, o processo de militarização do espaço é evidente e cada vez mais vem se intensificando, enquanto a fiscalização do Espaço exterior é bastante frágil.

De acordo com a professa da UFRJ, poucos países atuam na fronteira do conhecimento na tecnologia espacial, como EUA, Rússia e China (que também tem um projeto de enviar, futuramente, uma missão tripulada a Marte), além de iniciativas importantes de União Europeia, Japão e Índia. Nesse aspecto, ela volta a ressaltas os prováveis beneficiários de uma colonização espacial: bilionários, nações hegemônicas e elites tecnológicas.

Ou seja, em um caso hipotético de colapso terrestre, apenas as elites escapariam: "Nem todos vão nessa nave, [...] é a nova Arca de Noé", arremata.

Por Sputinik Brasil