Internacional
Compra da Groelândia é 'bravata': Trump usa fraqueza da Europa contra ela própria, notam analistas
Analistas ouvidos pela Sputnik Brasil dizem que a ameaça de Trump de ocupar ou comprar a ilha traria instabilidade, mas não mudaria a balança de poder na região, onde os EUA são sócios majoritários e os europeus minoritários, e que o objetivo real do repu
Antes mesmo de assumir a Casa Branca, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, já coleciona declarações polêmicas. Após afirmar que vai promover deportações em massa e taxar em 100% os países do BRICS, na semana passada ele afirmou que não descarta usar a força militar para tomar o controle e ocupar a Groenlândia e o Canal do Panamá, que apontou serem cruciais para a segurança nacional dos EUA. Dias depois, um grupo de deputados republicanos da Câmara dos Representantes elaborou um projeto de lei que autorizaria Trump a negociar a compra da ilha.
Rica em minerais, petróleo e gás e localizada em uma região cada vez mais disputada, entre o Atlântico Norte e o Ártico, a Groenlândia tem sido uma obsessão de Trump desde o seu primeiro mandato (2017-2021). Com cerca de 56 mil habitantes, a ilha foi uma colônia da Dinamarca, um dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), até 1953. Ela continua sendo parte do reino da Dinamarca, mas em 1979 se tornou uma região autônoma.
Hugo Albuquerque, jurista, editor da Autonomia Literária e analista geopolítico, afirma que a aquisição da Groenlândia poderia se dar com a independência em relação à Dinamarca e a transformação dela em um protetorado. Ele afirma que essa seria a tendência na medida que nem a Dinamarca nem a União Europeia (UE) tem procurado ocupar devidamente a ilha.
"Quando os EUA miram adquirir a Groenlândia, aquilo sai de um status quase neutro de um país membro da OTAN, que é pequeno, que é a Dinamarca, para o país líder da OTAN e que é uma superpotência militar [os EUA]", afirma.
Ele destaca que, embora menor do que aparece no mapa mundi, a Groenlândia é um território bem grande como ilha, que por conta de sua posição geográfica é estratégica para o controle do Polo Norte. Ademais, há uma questão econômica envolvida, sobretudo com o processo de degelo causado pelas mudanças climáticas, uma vez que a ilha aparentemente é rica em recursos naturais.
Porém, ele afirma que as declarações de Trump sobre a Groenlândia também são uma forma de tensionar a Europa e parceiros europeus na OTAN. Segundo ele, a ideia é aumentar o poder de submissão dos EUA em relação aos parceiros ocidentais de Washington, algo que também pode ser observado nas declarações dadas pelo republicano sobre anexar o Canadá.
"Trump, na realidade, está mirando a Dinamarca na questão groelandesa, mas mira o Reino Unido na questão do Canadá. O rei da Inglaterra é chefe de Estado do Canadá. Isso tem a ver com o desejo de Trump de aumentar o poder dele de submissão aos seus parceiros ocidentais. Isso tem a ver com uma política de, já que a OTAN, já que a Europa, está em conflito com a Rússia, aliás, provocado pelos EUA, agora ele está usando essa posição de fraqueza da Europa contra ela própria, para obter vantagens em vários níveis."
Sobre a declaração de Trump relativa a ocupar militarmente o Canal do Panamá, Albuquerque afirma que ela tem como alvo a China e o fluxo de mercadorias que abastece o país asiático, e a Venezuela, já que a Colômbia deixou de ser "uma grande base militar" dos EUA na América do Sul.
"Retomar o controle do canal do Panamá por motivos mentirosos tem a ver com uma política de controle que mira certamente a China, mas também é um jeito de colocar tropas próximas à Venezuela e também à Colômbia, já que os EUA perderam, pelo menos no curto prazo, o controle político sobre a Colômbia, com a eleição de Gustavo Petro", enfatiza.
Para Luiz Felipe Osório, professor de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro "Imperialismo, Estado e Relações Internacionais", a ocupação ou compra da Groelândia não parece, pelo menos agora, "uma proposta factível do governo Trump".
"Parece, sim, mais uma bravata de um ator político que vive mobilizando sua base, seja no poder ou não, na vitória e na derrota, como já testemunhamos em outras ocasiões. Enquanto ainda não assume o mandato, ele [Trump] busca se fortalecer internamente, até para poder emplacar nomes mais próximos a ele nos cargos dentro do governo, em meio às disputas internas da facção vencedora da eleição."
Ele acrescenta que não parecer haver um movimento articulado para a tomada da Groelândia porque os EUA já têm uma posição bastante privilegiada no Atlântico Norte, a partir da OTAN.
"Não seria nem uma ocupação militar inédita estadunidense na Europa, pois desde a Segunda Guerra Mundial os americanos já possuem bases militares importantes na porção ocidental do continente, principalmente na Alemanha e na Itália. O equilíbrio de poder no Atlântico Norte, aliás, é um condomínio em que os EUA são os sócios majoritários e os europeus os minoritários, que está firmado há quase 80 anos, e, recentemente, se pode ver atos relacionados à submissão, como as sanções europeias à Guerra na Ucrânia."
Na avaliação de Osório, a compra da Groelândia pelos EUA traria muita instabilidade no contexto global, mas não mudaria tanto assim o cenário regionalmente por dois fatores: a dominância estadunidense no Atlântico Norte e a relação mais histórica do que politicamente estreita entre Groenlândia e Dinamarca.
Já no contexto militar ele afirma que a compra poderia render aos EUA o controle sobre os recursos naturais da ilha e uma proximidade maior dos EUA em relação à região do Ártico, atualmente alvo de disputa com a Rússia e outras potências próximas do território.
"Ainda assim, não me parece que os EUA queiram ir muito além. A política externa indicada por Trump e seu círculo político é a do isolacionismo em relação à Europa, mantendo, mas sem muito apoio e financiamento direto, a OTAN", explica.
Osório sublinha que o discurso de Trump sobre a Groelândia foi direcionado a inflamar sua base e ganhar pontos nas disputas internas dentro do governo que se forma, e a ilha entrou na retórica por sua condição autônoma e por estar no entorno regional de segurança dos EUA.
"As falas são arroubos que não se preocupam em cultivar quaisquer laços multilaterais, mas, sim, cativar o público interno e, até, os aliados externos mais próximos. São movimentos militares muito improváveis e sem grande sentido geopolítico.
Segundo ele, dentre as declarações recentes de Trump, a que mais chama atenção é a ameaça de ocupação militar do Canal do Panamá, que indica que o que deve se acirrar no segundo mandato do republicano são as disputas comerciais, principalmente com a China.
"E o Canal do Panamá é um ponto nodal no comércio marítimo, fundamental para os dois países. O controle militar significaria a possibilidade de ter uma política tributária e fiscal seletiva, prejudicando os concorrentes e favorecendo os EUA. Além, claro, de esvaziar e de inviabilizar o projeto apoiado pela China da construção de um segundo canal interoceânico na região, só que na Nicarágua, o que poderia ser um grande foco de tensão regional e mundial. No mais, as falas não passam de bravatas sem qualquer efeito prático. Como diz o povo, cão que ladra não morde", conclui o especialista.
Por Sputinik Brasil
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