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A heroína do Reginaldo

Carlito Lima 05/01/2025
A heroína do Reginaldo
- Foto: Assessoria

Marlúcia nasceu em União dos Palmares, filha de trabalhadores rurais descendentes dos quilombolas, onde Zumbi organizou o Quilombo, a República de Palmares com os escravos fujões na Serra da Barriga que durou cem anos.


Morena bonita, com ares de felicidades, sorriso constante nos lábios. Menina, perambulava pelas ruas. Foi criada tomando leite de cabra. Era a mais rechonchuda do povoado. Quando ela completou 10 anos, seu pai resolveu morar na capital em busca de melhor qualidade de vida, foi morar numa invasão de terrenos no Vale do Riacho Reginaldo, onde construiu uma casa de taipa num arruado. Sua infância foi marcante. Líder das meninas e dos meninos, ela jogava ximbra, subia em pé de árvore, brincava de polícia e bandido.


De repente veio a adolescência, aos 15 anos pegou um corpo bonito, tornou-se mulher. Os homens ficavam cheios de desejos quando olhavam para aquela menina-moça exuberante, sensual, sapeca, cheia de energia, mas tinham receio do severo pai. Certo dia, Zezinho, um jovem caminhoneiro ao voltar de uma longa viagem avistou Marlúcia, o coração bateu forte. A menina que ele conhecia brincando, correndo nas ruas, trepando nas árvores, havia se transformado numa deslumbrante moça. Ele foi se achegando, se achegando, até que Marlúcia concordou namorar. Depois de dois anos entre namoro e noivado, foi marcado casamento para o dia 28 de dezembro. O jovem caminhoneiro atrasou-se na viagem, não chegou no dia marcado, mesmo assim houve festa, não se estragaram a bebida e comida. O casório aconteceu no dia 31 de dezembro.


Quatro dias depois do casamento Zezinho partia para outra viagem. Marlúcia, sem avisar, pela manhã estava pronta, para surpresa do marido sentou-se na boleia do caminhão. Foi a primeira das inúmeras viagens, percorreu todo o Brasil com seu companheiro. Logo aprendeu a dirigir, tornou-se excelente motorista, melhor que o Zezinho. Assim passaram-se onze anos, só não dirigiu o caminhão na época de dar à luz.


Um bonito amor também chega ao fim; houve a separação. Marlúcia foi tentar sua vida no Rio de Janeiro, ficou na casa do irmão. Logo estava trabalhando de cabeleireira para dar sustento aos filhos. Casou-se novamente, uma bela mulher fica sozinha se quiser. Com alguns anos a saudade foi maior, voltou e fixou residência em Maceió, trabalhando de manicure e cabelereira. As vicissitudes da vida fizeram acabar o novo casamento.


Marlúcia alugou um salão numa espécie de mercado de artesanato no bairro da Jatiúca. Ela fez negócio, estabeleceu-se, passou mais de quatro anos à frente de seu aprazível salão de beleza. Os turistas adoravam quando iam às compras de artesanato, encontravam um salão de beleza bem equipado e bem servido pela simpatia e competência de Marlúcia.


Quando em certa manhã ouviu o grito de fogo; ao perceber que o mercado estava em chamas, seu coração pulou, conseguiu retirar do salão alguns equipamentos. Acontece que as chamas cobriu seu salão. Ela tentou entrar no fogaréu, mas os bombeiros proibiram, dois militares seguraram seus braços. Marlúcia tentava se desvencilhar para enfrentar o inferno. Chorava ao ver o fogo acabar seu salão. Perdeu tudo, não tinha seguro.


Nada na vida lhe foi fácil. Com muito trabalho a ajuda do pai equipou uma sala da casa do Reginaldo, onde hoje, a vistosa e bonita quarentona, mãe de 2 filhos, atende a clientela.


Certa tarde, seu salão estava cheio quando entrou um meliante de revólver na mão exigindo dinheiro e celulares de todos. Marlúcia pediu calma ao ladrão que apontava a arma, ela levou seus clientes para um lugar seguro dentro da casa, voltou para negociar com o assaltante. Começou a conversar calmamente com o assaltante, de repente, tirando o apurado do bolso do avental, falou firme, gritando:


- “Você não vai mexer com meus clientes. Tome aqui meu celular, tome meu dinheiro. E sabe de uma coisa, puxe para fora daqui seu cabra safado!!!!”


O assaltante assustado deu um pique, disparou numa corrida pela calçada sequer olhou para trás. Os clientes aliviados bateram palmas. Assim é Marlúcia, uma heroína brasileira.