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As pequenas ovelha
N’O Tempo e o Vento: toda Santa Fé viu a face do capitão Rodrigo Cambará suportar o bofetão. A causa era Bibiana Terra, que escolheu o capitão. Antes e depois, afrontas mútuas entre o capitão e Bento Amaral, filho do coronel local. Honra ferida, honra a ser resgatada. Ou o sujeito virava um molambo social. Os dois saíram sozinhos, combinados que limpariam a lama que se lançaram com o fio da adaga. Sem outras armas.
O filho do coronel foi levado ao solo, e o capitão lhe marcava a cara com suas iniciais. O derrotado, que já perdera a prenda, abominável, sacou da garrucha e o balaço varou o peito do vencedor¬. Mas não o matou. Morre, não morre, começou a sarar. O padre à cabeceira, com o dever de extrema-unção, abordou-o na primeira réstia de consciência: “O capitão arrependia-se de seus pecados?”. A resposta foi que não.
O capitão era ateu. O padre se persignou. O capitão deu-se a melhora lenta, que prosperava firme. O povo explicou: o capitão decerto ia morrer, mais pelo peso dos pecados, pois que era devasso, porém, confessado e arrependido, deus o salvou. Foi a versão estabelecida. É difícil. Lembro que Albert Einstein manuscreveu sua descrença. Irrelevante. No Brasil, sobre Einstein e Cambará, deu-se outra opinião: são crentes.
O\as brasileiro\as reclamamos de maus costumes: corrupção, desmandos, desleixo, fraca educação etc. O Brasil é um risco na terra, uma fronteira, um mapa. O que vale somos nós, os viventes do lugar. Se somos um amontoado mal organizado, uma elite que logra, um povo que é logrado, não vamos bem. Entre os males, o desvalor emprestado às instituições, que deveriam ser sólidas e nortear nossas relações sociais.
Nós sabemos disso, e até fundamos uma república. Parece, no entanto, que jamais entendemos a coisa muito bem. A Constituição apartou Estado e religião, mas esses entes se perpetuaram em uma mancebia despudorada, contrariando os fundamentos mais avançados do processo civilizatório cidadão. Quer dizer, embora a orientação laicista da Carta, o\as mandatário\as da Pátria legislam e governam com outra disposição.
Pois não é que se fez aprovar legislação determinando lecionar religião nas escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro? Passou a lei, apesar da contrariedade do Conselho Municipal de Educação. Todo o empenho histórico para afastar o elemento religioso ou eclesiástico das escolas públicas e conservá-lo lá no seu lugar, que são os templos, veio abaixo em rearranjo reacionário, remanejo ideológico.
Esse obscurantismo medieval “estabelece que os professores precisarão ter formação em licenciatura e ser credenciados por uma ‘autoridade religiosa competente’” (FSP, 14out11). Ora, autoridade religiosa é padre ou pastor\a. A carga ideológica dessas “autoridades” é havida como revelada por divindades, logo, estaria acima do saber humano. Isso esvazia o caráter secular e a intenção científica da escola pública.
Retrocedemos ao tempo intelectual anterior à ideia de república. A disputa entre igrejas se estabeleceu. Cada qual quer pastorar mais crianças, reclamando direitos sobre “suas” pequenas ovelhas. Se essa contenda visasse atrair gente aos templos, estaria normal. Mas o objetivo é fazer a cabeça da criançada dentro das escolas laicas. Isso acabou no Supremo Tribunal Federal, que autorizou religião. Medievo, o Brasil.
Contudo, surpresa, apostasia geral: no Rio de Janeiro, que inaugurou esse tipo de lei, hoje, “dos mais de 588 mil alunos matriculados na rede estadual, menos de 2% opta pelo ensino religioso; projeto na Alerj (Carlos Minc. PSB) propõe fim do caráter confessional; enquanto alguns deputados são contra, estudantes e o Sindicato dos Profissionais da Educação apoiam a mudança” (Diário do Rio, Victor Serra, 14out24).
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