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A vitória dos outros
Em meus relacionamentos privados, certas pessoas, por seu modo de estar na vida, são-me desagradáveis, então, afasto-me delas. Politicamente, todavia, se pessoas distintas e até opositivas de mim não existissem, eu e os que pensam igual a mim seríamos hegemonia.
Não tenho vocação para pensamento hegemônico; não desejo ser hegemonia. Imagino que seria insuportável conviver unicamente com quem não se distinguissem de mim em pensamento. Mesmo se eu fosse a inspiração da trupe, não daria certo: careço de controvérsias.
A tentação de ser preponderante não me alcança, salvo a de persuadir mais gente a renunciar à vontade de preponderância. A diversidade de pensamento é apanágio da condição humana; faz-nos transcendentes a nós mesmos. Seja dizer: a diversidade move a História.
Muito\as devaneiam ortopedias sociais, crentes em um desfecho da História. Idealistas e autoritário\as, têm uma concepção de mundo perfeito ou seguem alguém que a tenha, convencido\as de que tudo seria melhor se vingasse seu plano “revolucionário” ordenador das coisas.
Das “propostas” de viver em comum objetivamente experimentadas, afora a democracia liberal, que, logo se diga, não entrega o que promete, devendo ser apurada, as demais foram um fracasso democrático e um sucesso autoritário: cristianismo, comunismo, nazismo, fascismo.
Que fazer? Espero que ninguém tenha a arrogância de supor saber a resposta. Propostas de rumos ideológicos e de encaminhamentos gerenciais são necessárias, porém, devem ser submetidas aos trâmites republicanos, para discussões, retificações, recusas, aprovações.
Quem tem legitimidade propositiva? As instituições listadas em lei. Isso tramita por eleição. Eleição praticada nas democracias ocidentais? Sim, justamente. Por ora, é o que temos de melhor. Nesses regimes, está “combinado”: qualquer concorrente pode ganhar as eleições.
Eleições dissentem de ganhador\a antecipado\a. Seria uma contradição. Se houvesse um certame com validação pendente de gosto pessoal, deveria ser recusado. Não é concebível que o “certo” de um resultado eleitoral seja vinculado à expectativa de pessoa ou grupo.
Nada me entristeceu tanto quanto, depois da eleição de Bolsonaro, a vitória de Trump. Sinto consternação moral. Bolsonaro maleficiou a Nação. Trump ameaça o Planeta. Sua moldura ideológica não contempla questões ecológicas nem franquias democráticas iluministas.
As diretrizes éticas de Trump (como as da direita internacional organizada), são belicosas. Ele mesmo, esteticamente, é um tipo grosseiro; politicamente, demagogo; economicamente, injusto; socialmente, insensível. Gente assim desapoia as referências libertárias ocidentais.
Não obstante o desgosto meu e de tanta gente, a eleição de Trump é legítima. Se não for legítima sua vitória, tampouco foi legítimo o processo eleitoral, e, logo, deslegitimaremos a democracia liberal. Nesse aspecto, parece, sobra um certo acordo: pouca gente ataca o sistema.
Critica-se, todavia, falaciosamente (ad hominem) o\as eleitore\as de Trump tal qual se insultou quem votou em Bolsonaro. Foge-se do que estava em jogo nas eleições e insulta-se quem escrutinou conforme seus interesses, como se eleição fosse outra coisa que não escolha utilitária.
Cabe questionar: útil a quem? Trump (assim como Bolsonaro) é um farsante protofascista que pode incendiar o mundo e atropelar as liberdades públicas e esse\as eleitore\as “equivocado\as” usaram o voto em restrita conveniência de seus pequenos interesses pessoais?
Sim, é isso. Todavia, uma questão: quem está desobrigado\as da sôfrega faina cotidiana de lutar por pequenos interesses têm condições e até a obrigação de pensar além das necessidades de sobrevivência; as premências populares (ver pirâmide de Maslow), contudo, são outras.
Quem não compreende os imperativos da vida material subsistida na escassez, não entende a imediatez das demandas do povo. Amanhã é demasiado tarde para muita gente. Então, o\as carentes de respostas urgentes optam por apoiar o\as que lhes fazem sentido para o hoje.
Esses “pobres de direita” (expressão pedante e escassa de sociologia) estão, em “servidão voluntária”? Para mim, sim. Que motiva o equívoco? O discurso falseador (ideológico no sentido marxista) que lhes aventa solução para a vida empobrecida (materialidade no sentido marxista).
A arenga: valores de um passado que nunca existiu (saudosismo), identificação de um “inimigo” (o imigrante conterrâneo do imigrado), “salvação moral” da família (um lugar social referente), solução econômica (empreitada pendente de relações internacionais), emprego (renda).
Ora, Trump será o Trump que já foi: bazófia, truculência. Embora lui même, foi eleito. E agora? O\as democratas devemos propor um projeto de sociedade igualitária (nunca cumprido objetivamente) e persuadir o\as eleitore\as de que falamos com disposição de consequência.
Quanto aos antitrupistas (assim como aos antibolsonaristas), entre os quais me incluo, não adianta “ficar de mal” com eleitore\as, isso só estabelece uma dissonância relacional. Ao se chamar alguém de “gado”, confirma-se um\a adversário\a, não se faz um\a interlocutor\a.
Ninguém deve explicação a ninguém. Voto se obtém por persuasão. Quando se cobra um dever à conduta a outrem, ou seja, uma indicação de “voto correto”, prescreve-se uma compreensão das circunstâncias coerente com as do\a prescritor\a, que, de modo algum é geral.
Boa parte das falas afrontosas procede de ausentes das lutas eleitorais: de quem não se candidata, não se inscreve em partido, não frequenta comitê eleitoral, não contribui com candidato\a, não faz campanha. Então, após os fatos consumados investe em insultos.
Também não tenho solução a oferecer, mas sei que haverá eleições em breve, no Brasil e nos demais países democráticos. A campanha já começou. A todo tempo está-se fazendo formatação ideológica da Sociedade. Não há, ainda, candidaturas, mas há discursos em circulação.
Diversas concepções de mundo estão, mais ou menos, organizadas em grupos de poder. Os grupos de poder de direita estão hábeis no manejo de aparelhos ideológicos: formulam proposições, investem nelas, põe-nas a circular. E (infelizmente) tentam cumprir o prometido.
Aliás, o prometido por direita ou esquerda está nos arquivos das campanhas eleitorais, disponível na internet. Está na memória das pessoas. São falas formais. Nossa condição de rabeira nos rankings de desigualdade material não melhorou após seguidos governos de esquerda.
O\as democratas vacilamos; relaxamos as laborações políticas. Ai, acontece a vitória desses outro\as autoritário\as. Quem investe em democracia, república e laicidade é minoria. Todo\as que almejamos esses valores, deveríamos militar consistentemente por eles. A luta continua.
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