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Bets e futebol: 'combinação explosiva' já traz impactos severos nas famílias, aponta especialista
Enquanto as casas de apostas esportivas engolem bilhões de reais até do Bolsa Família, clubes de futebol populares se aliam cada vez mais ao setor, em uma combinação tida como "explosiva" por especialistas.
"Perdi tudo, até a confiança da minha família; as apostas dominaram a minha vida; destruí meu casamento por causa de jogo." Esse é um dos comentários retirados de uma publicação nas redes sociais sobre a destruição causada pelo vício em apostas esportivas e cassinos on-line.
Dados divulgados pelo Banco Central no último mês escancararam o problema social gerado pela livre atuação das empresas no Brasil, que só agora começam a ganhar uma regulamentação: cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família já desembolsaram em pagamentos via Pix até agosto R$ 10,5 bilhões do benefício para pagamento de apostas.
Enquanto isso, as bets também têm se apropriado cada vez mais de uma paixão nacional para lucrar: o futebol.
Diversos times contam com patrocínio master de casas de apostas, e outros chegaram a lançar as próprias plataformas em parceria com as empresas. Entre eles está o Flamengo, que criou a FlaBet, autorizada no início do mês a seguir operarando no Brasil na lista divulgada pelo governo.
Para o professor do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcelo Mello, essa é uma "combinação explosiva".
"Todos nós sabemos que o futebol é um esporte com muita penetração nas camadas especialmente mais populares, é um esporte muito conhecido e uma paixão nacional. As pessoas mais pobres é que estão gastando mais dinheiro da sua renda familiar com apostas. E essas pessoas também […] têm pouca instrução formal, e nenhuma cultura de economia financeira. Então são presas fáceis para esse tipo de estímulo em jogos de apostas", analisa à Sputnik Brasil.
O especialista ainda lembra de uma questão comportamental que intensifica essa combinação perigosa: no Brasil, boa parte da massa de torcedores se sente como "conhecedores profundos do futebol".
"Os apostadores relacionados ao esporte, pelo menos os que entrevistei, se sentiam quase técnicos de futebol. Por isso, não consideram a aposta em casas esportivas um jogo de azar, mas o resultado de um cálculo. E também não acreditam que seja um gasto, porém um investimento. Não é algo de lazer, uma despesa que possa ser dispensada, mas é sobretudo um investimento", explica.
O que significa o nome 'bet'?
O nome que se popularizou no Brasil para definir as empresas vem do inglês e significa aposta. Do famoso tigrinho divulgado às casas esportivas que se popularizaram através do futebol, as bets utilizam um meio que facilita ainda mais a sua propagação: o digital, diferentemente de cassinos, jogo do bicho e lotéricas, em que é necessário ir até um local.
"Agora as apostas não precisam de um lugar físico para elas serem realizadas, elas estão ao alcance da mão de qualquer pessoa que tenha celular. Não há mais aquela dificuldade em apostar, aquele deslocamento físico de ir até um bingo ou uma máquina. O processo é feito pelo smartphone, o que também é uma combinação muito perigosa. No Brasil, existem mais celulares que pessoas. Isso, portanto, é mais uma razão para uma regulamentação mais estrita e que leis sejam criadas para proteger a sociedade e a população desse tipo de comércio", enfatiza.
Quando entra em vigor a lei das bets?
Também neste mês, o governo federal anunciou novas regras para regulamentar as bets no Brasil. Porém a maioria das portarias, como a que proíbe o uso de cartão de crédito, só entra em vigor em 2025.
Apesar disso, a publicidade segue permitida no país, e a taxação do setor será de cerca de 35% da arrecadação. O professor da UFF considera as medidas "muito frouxas".
"A aprovação da lei de apostas se deu sob forte influência do lobby das casas de apostas. Essas discussões não foram tornadas públicas de uma maneira muito expressiva. Então o lobby atuou muito. Como esse processo foi feito de uma maneira muito rápida e um pouco às escondidas do público, é claro que se aprovou uma legislação com muitos buracos. E a gente está sentindo e vendo esses buracos agora, com esse espraiamento das apostas, especialmente entre as pessoas mais pobres. Por exemplo, não há nenhuma limitação à propaganda, o que é um absurdo. Os jogos de apostas não são uma mercadoria comum, não são uma mercadoria qualquer, mesmo como a bebida, o fumo, o tabaco, que implicam em riscos que serão suportados pela sociedade. Esse tipo de consumo provoca dependência", destacou o especialista.
As bets no esporte ferem a ética?
O professor do programa de pós-graduação em sociologia política da Universidade Candido Mendes Theófilo Rodrigues avalia à Sputnik Brasil que as bets ainda ferem os princípios éticos, ao "retirarem recursos econômicos dos trabalhadores mais pobres e os repassarem para os cofres de algumas empresas".
No Rio de Janeiro, por exemplo, o especialista citou a apresentação de um projeto de lei pela deputada estadual Dani Balbi (PCdoB) que proíbe a publicidade das empresas em todo o estado.
"O melhor caminho não seria a criação de uma lista de casas permitidas pelo governo, mas sim sua proibição. E se for considerada radical demais, então o correto seria apenas as Loterias da Caixa terem essa autorização", finaliza.
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