Artigos

O Marechal da cultura

Carlito Lima 06/10/2024
O Marechal da cultura
Carlito Peixoto - Foto: Assessoria

MARECHAL DEODORO (AL) - Lá em cima na mitológica Normandia, cabeça e norte da França, estuário do rio Sena, de frente para a Inglaterra a quem pertenceu em tempos passados, separadas pelo Canal da Mancha sob o qual passa hoje o túnel onde mergulha o trem que liga os dois países, há uma pequena cidade encantada com nome de flor:

Honfleur.

O vale do Sena é bordejado de verde e de vaquinhas normandas. Famosos o creme de leite e o Camembert da Normandia. E o conhaque Calvados e a cidra, produzidos com as maçãs que enfeitam os prados.

Honfleur no século 15 era um porto defensivo contra invasões inglesas, em formato retangular e cercado por três ruas de edificações seculares. É como se fosse uma praça, só que no meio é água e o quarto lado dá para o rio Sena, que desemboca no Atlântico um pouco mais adiante. As casas dão a impressão de ter 500 anos ou mais, até hoje habitadas. A primeira referência histórica à Honfleur é de 1027.

HONFLEUR

E o que Alagoas tem com isso? Tem tudo. Em 1500, Portugal chegou a Porto Seguro, viu, gostou, admirou, elogiou, plantou o Marco do Descobrimento, ergueu uma cruz, celebrou uma missa e foi embora. Os piratas fizeram a festa. Sobretudo os franceses. Durou séculos o saque, o contrabando e a farra do Pau Brasil. Em Alagoas os caminhos estavam prontos: havia o mar com a “Praia do Porto do Francês”, o rio São Francisco, os rios Mundaú e Paraíba, as lagoas. Eles chegavam, pegavam o Pau Brasil e levavam, sobretudo para os portos do Havre e de Honfleur, um em frente ao outro. Era o Brasil construindo a Europa, as casas da Europa. Em 1611 nasceu a primeira capital de Alagoas (hoje Marechal Deodoro) como “Povoado de Vila Madalena de Sumaúna”, para proteger o pau-brasil do contrabando e da ação de piratas e outros. Em 1636 já era o “Município de Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul”. Só em 1817 capital da capitania de Alagoas, com o nome de Alagoas. Em 1823, cidade. Em 1839, a capital foi para Maceió. E em 1939 o nome da velha cidade foi mudado para Marechal Deodoro, em homenagem ao filho ex-presidente.

A “IIIª FLIMAR”

Há três anos o talento, competência e dedicação do jornalista, escritor e coronel (do Exército) Carlito Lima, secretário de Cultura da cidade, criaram a FLIMAR (Festa Literária de Marechal Deodoro). Nesse final de semana, realizou-se a 3ª. Veio gente do pais inteiro, do Rio Grande do Sul ao Amapá, e da América Latina: jornalistas, escritores, conferencistas, poetas, cantores, grupos de teatro, folclore. Durante cinco dias, diante de suas magníficas igrejas barrocas e sobrados patinados, e sobre as praças de pedras seculares, a cidade tornou-se um anfiteatro da cultura a céu aberto.

Este ano, a IIIª FLIMAR homenageou três consagrados intelectuais: o antropólogo e folclorista alagoano Theo Brandão (Theotônio Vilela Brandão), que fez parte da celebrada geração de Graciliano Ramos, Raul Lima, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e seu marido José Auto, Aurélio Buarque, Diegues Junior, tantos outros; homenageou também o alagoano acadêmico Ledo Ivo, maior poeta vivo do pais, e o consagrado romancista baiano-carioca Antônio Torres, Premio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, com palestras sobre as obras de cada um.

“A NUVEM”

Todos os dias, de manhã, de tarde e à noite, intelectuais fizeram conferencias. Ricardo Cravo Albin, com sua sabedoria e bagagem histórica, celebrou os 100 anos de Luiz Gonzaga, mostrando a contribuição do Rei do Baião para o pais ficar conhecendo o verdadeiro rosto do Nordeste. O romancista Antônio Torres, o jornalista e escritor Luiz Gutemberg, Paloma e Janaina Amado debateram o significado lítero-cultural do centenário do saudoso Jorge Amado. A escritora e crítica literária baiana Miriam Salles analisou a nova literatura nordestina, amazônica e do Centro-Oeste.

Durante três horas, a carioca Beatriz Rabello apresentou para dezenas de bibliófilos uma oficina de restauração de livros antigos. E eu mostrei minha experiência, no Brasil e como correspondente de imprensa, de meio século de jornalista que também publica livros, como contei em meu último livro “A NUVEM – O Que Ficou do Que Passou”. Sebastião Nery - 2012