Política

Igreja e coaching: como Pablo Marçal pavimentou fortuna de R$ 169,5 milhões

O GLOBO conversou com 18 pessoas que conviveram com o candidato à prefeitura de São Paulo para entender a transição entre o passado pobre e o presente multimilionário

Agência O Globo - 08/09/2024
Igreja e coaching: como Pablo Marçal pavimentou fortuna de R$ 169,5 milhões
Pablo Marçal - Foto: Instagram - @pablomarcal1

Enquanto cuidava de microfones, amplificadores e outros equipamentos do sistema de som da Igreja Videira, em Goiânia, Pablo Marçal se manteve atento a outras oportunidades que o trabalho em uma instituição religiosa poderia proporcionar. Participou de pequenos grupos de oração, se cacifou para coordenar reuniões maiores e fez cursos, que incluíam técnicas de liderança. Aprendeu um pouco sobre gestão, moldou o jeito de falar ao estilo enfático dos pastores e formatou as bases que o levariam a, em menos de 20 anos, trocar um salário mensal de R$ 240 por uma fortuna declarada de R$ 169,5 milhões, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

De endividada a bilionário: quem são os maiores doadores de Marçal

Nas últimas semanas, O GLOBO conversou com 18 pessoas que conviveram com o ex-coach para recontar os passos da trajetória do jovem estudante de Direito em Goiânia que virou líder na disputa pela prefeitura de São Paulo, empatado tecnicamente com dois adversários. Segundo o Datafolha, o candidato do PRTB tem 22% das intenções de voto, mesmo índice de Ricardo Nunes (MDB), enquanto Guilherme Boulos (PSOL) aparece com 23%.

A atuação como técnico de som na Igreja Videira ocorreu na mesma época em que foi alvo de uma operação da Polícia Federal, em 2005, por participar de um esquema que aplicava golpes bancários. Marçal fazia uma lista de e-mails para um integrante do grupo que enviava mensagens chamativas, com o intuito de roubar senhas. O hoje candidato chegou a ser preso e condenado, mas a sentença depois prescreveu, e o caso não foi adiante.

Shows de música gospel

A demissão da igreja — que ocorreu por desentendimentos internos — acabou virando mola profissional. Na antiga Brasil Telecom, para onde foi em seguida, chegou à função de gerente de telemarketing, posto que abriu portas para que fizesse um “treinamento técnico comportamental”. O material seria usado nos anos seguintes, quando largou a carteira assinada pela carreira de coach impulsionada por cursos on-line.

— Assistindo aos vídeos dele, era basicamente o mesmo curso. Na época, ele nem tinha capacitação para ministrar um treinamento do tipo — lembra o professor de Teologia Augusto Miranda, responsável pelas aulas na ocasião.

Ao mesmo tempo que falava a colegas que gostaria de ser CEO da gigante de telecomunicações, depois comprada pela Oi, pavimentava o caminho para outras experiências no mundo corporativo. A partir dos contatos na igreja, ajudou a organizar shows de música gospel que renderam alto lucro. Com dinheiro guardado e um interesse cada vez maior pelos temas comportamentais, conheceu um coach que teria papel fundamental na história que viria a seguir. Thiago Geordano recorda que Marçal perguntou a ele quanto faturava por ano e ficou impressionado com a resposta: R$ 12 milhões.

— Parece que ele encontrou ali o modelo de negócios replicável que o inspiraria a querer me copiar em tudo. O Pablo (Marçal) é um ótimo amigo, mas, se você se tornar um peso na caminhada dele, vai te deixar pelo caminho — afirma Geordano.

Nesta época, o candidato já trabalhava na empresa do sogro, uma confecção onde chegou a ser diretor, e recebeu o impulso que faltava para montar o próprio negócio. Os cursos de gestão do tempo logo evoluíram para treinamentos de desenvolvimento pessoal, momento em que passou a dar aulas do “método IP”, um curso de inteligência emocional hoje vendido por R$ 20 mil que funciona como principal atrativo. Para impressionar os alunos, entrava em consórcios que permitiam comprar carros melhores e “vender sua imagem”, lembram amigos.

Em 2018, já tinha uma sede em Goiânia, onde dava aulas e reunia outros coaches. Naquele ano, chegou a divulgar os métodos durante entrevistas para a TV — o que o ajudou a romper a bolha e impulsionou uma mudança para São Paulo, onde logo foi morar em Alphaville, bairro de alto padrão. Em 2021, o faturamento das empresas do candidato a prefeito chegou a R$ 320 milhões, segundo documentos consultados pelo GLOBO.

Parte essencial da fortuna vem da venda de livros e cursos sobre empreendedorismo, inteligência emocional e liberdade financeira. A tabela de preços de todo o catálogo oferecido vai de R$ 497 a R$ 150 mil. O mais caro se chama “O conselheiro” e é oferecido a pessoas físicas e a empresas. Um dos mais populares, “O pior ano da sua vida”, custa R$ 3 mil. Em entrevistas, já disse ter 1,5 milhão de alunos.

A expansão dos negócios fez com que ele seja dono hoje de 29 empresas, em uma rede que contempla plataformas digitais de ensino, colégio de ensino básico, incorporadoras imobiliárias, empresas de marketing direto e até um resort no interior de São Paulo. A estrutura é controlada por sete holdings e tem como sede uma área de cerca de 5 mil metros quadrados em Barueri, na Grande São Paulo. Frases motivacionais decoram a área de espera na portaria: “O primeiro que acorda salva todo mundo”, “quem TENTA não consegue” e “o mais sábio vai se adaptar a qualquer situação” são alguns dos slogans que podem ser lidos por ali.

Funcionários entram e saem usando uma camiseta do “Programa Multiplicador de Talentos”, um dos treinamentos da empresa de Marçal, e também com o boné com o “M” usado por ele nas aparições públicas.

Ainda hoje, há muito da igreja dentro dos negócios de Marçal. Uma das plataformas criadas por ele se chama “Quartel General do Reino” e promove reuniões menores em diferentes cidades e países, em um mesmo sistema de “células” feito na Igreja Videira, onde tudo começou. Com tanta afinidade no meio religioso, chegou a ser convidado para ser pastor, mas não quis. Um pastor que o conhece arrisca uma explicação sobre a negativa: Marçal não poderia mais trabalhar só para si mesmo e teria que mudar o estilo virulento, por exemplo, abandonando os palavrões.

Ofensa a funcionários

Ex-colegas de trabalho lembram episódios em que o jeito exaltado muitas vezes manifestado em debates apareceu. Uma vez, juntou papéis jogados em uma área em que não poderiam estar, por uma regra da empresa, chamou os funcionários para o auditório e despejou o saco cheio de lixo. Em outra ocasião, chamou colegas de “endemoniados”, segundo contaram ao GLOBO cinco pessoas que trabalharam com ele. Conforme os relatos, Marçal ficou irritado porque equipamentos haviam sido quebrados. Um trabalhador gravou o momento, publicou na internet, e o caso chegou à chefia. Hoje, as mesmas redes sociais das quais foi alvo servem de vetor para a disseminação de “cortes” em que divulga ações da campanha e faz ataques ácidos a adversários na corrida eleitoral. Procurado para comentar, Marçal não se manifestou.

— O Pablo (Marçal) não pode alegar que ninguém disse a ele que as coisas que ele faz não estão certas. Essa forma virulenta e agressiva de fazer política é errada — diz o professor de sociologia e filosofia Marcos Roberto, que deu aulas para Marçal no ensino Médio.