Internacional

Lula e Petro se descolam da região ao não condenarem TSJ da Venezuela

Órgão validou a segunda reeleição do presidente Nicolás Maduro, mas não apresentou atas eleitorais que comprovem o resultado do CNE

Agência O Globo - 24/08/2024
Lula e Petro se descolam da região ao não condenarem TSJ da Venezuela
Lula - Foto: Ricardo Stuckert/PR

No dia em que Estados Unidos, União Europeia (UE) e dez governos latino-americanos condenaram a decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela de validar a segunda reeleição do presidente Nicolás Maduro, conforme anunciou o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país na noite de 28 de julho, Brasil e Colômbia permaneceram em silêncio. Durante todo o dia de ontem, existiu a expectativa, alimentada por fontes dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Gustavo Petro, de que fosse divulgado um comunicado conjunto com um posicionamento sobre a resolução do TSJ que, ao contrário do que pediram ambos os presidentes, não apresentou atas eleitorais que comprovem o resultado do CNE.

Venezuela: Brasil estuda próximos passos após validação de Maduro por Justiça, mas não deve mudar de posição

Após manifestações: Sobe para 27 o número de mortos na crise pós-eleitoral na Venezuela, diz procurador

O silêncio dos dois governos, que ainda consideram, segundo fontes oficiais, que existe uma “janela de oportunidade” para iniciar uma negociação entre governo e oposição até a posse presidencial na Venezuela, prevista para 10 de janeiro de 2025, tem duas explicações, segundo as mesmas fontes: Lula e Petro se falaram no final do dia de ontem, sem dar tempo para que fosse preparada uma nota ou definido o tom de eventuais declarações individuais, e a extrema cautela de ambos governos por temor a que um pronunciamento sobre a decisão do TSJ pudesse “fechar canais de diálogo” com o Palácio de Miraflores. Segundo fontes, “as duas chancelarias estão trabalhando num texto, mas não para hoje (ontem)”.

Sem queimar pontes

Muitos dos países que condenaram a resolução do máximo tribunal venezuelano já tiveram seus diplomatas expulsos da Venezuela, ou seja, na prática, romperam relações com o Palácio de Miraflores. Brasil e Colômbia mantêm um vínculo normal com suas embaixadas e consulados funcionando — no caso brasileiro, assumindo, ainda, a administração e a segurança das sedes diplomáticas de Argentina, onde estão refugiados seis colaboradores da líder opositora María Corina Machado, e Peru. Isso gera, para os diplomatas que estão em Caracas, enormes dores de cabeça, e a necessidade de preservar o diálogo com as autoridades chavistas.

Janaína Figueiredo: A Venezuela de Maduro já é comparada à ditadura de Pinochet

Lula e Petro pretendem se pronunciar, mas cada passo de ambos é calculado milimetricamente. E, embora os chanceleres Mauro Vieira e Gilberto Murillo tenham se falado nos últimos dias, nada será feito antes de uma conversa entre os chefes de Estado. Fontes dos dois governos admitiram que “qualquer palavra ou expressão mal colocada pode queimar pontes”. Uma das fontes consultadas afirmou que não interessa nem ao Brasil nem à Colômbia “uma Venezuela pobre, isolada e violenta”. Enquanto for possível, frisaram as fontes, “os dois países insistirão numa saída política”. “Descer a lenha neste momento será contraproducente” para os interesses do Brasil e, finalmente, para uma possível saída para a crise venezuelana, enfatizou uma das fontes.

Até mesmo o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, que tem uma posição similar à de Lula e Petro, chefes de Estado com os quais discutiu a situação da Venezuela, se expressou sobre a resolução do TSJ, respondendo a uma pergunta feita durante sua tradicional coletiva diária.

— Vamos esperar, porque ontem (anteontem) o tribunal sustentou que o presidente Maduro venceu as eleições e, ao mesmo tempo, recomendou que a ata [eleitoral] seja divulgada — declarou o presidente mexicano.

Terreno desconhecido

López Obrador repetiu o que os presidentes do Brasil e México já disseram em reiteradas oportunidades. Ontem, esperava-se um comunicado de ambos que fosse além do pedido de atas. O conteúdo do texto ainda em preparação é aguardado por governo e oposição em Caracas.

Venezuela: Por dentro do cotidiano dos opositores de Maduro abrigados na embaixada argentina há 5 meses

A partir de agora, a relação entre Lula e a Venezuela de Maduro entrará num terrenho desconhecido para o brasileiro. Para o venezuelano, não há nada novo sob o Sol. Maduro, como fez após a eleição presidencial de 2018, cujo resultado não foi reconhecido por mais de 50 países, enfrentará o isolamento na região e as sanções internacionais se apoiando em aliados incondicionais como Rússia e China. Existe apenas uma coisa muito clara na cabeça do presidente e seus assessores, segundo fontes oficiais: o Brasil não voltará a sair da Venezuela, como fez quando Jair Bolsonaro chegou ao poder, em janeiro de 2019. Essa decisão é considerada pelo Palácio do Planalto e o Itamaraty um “gravíssimo erro”.

Não se cogita romper relações com a Venezuela, embora seu presidente, a partir de 10 de janeiro de 2025, passe a não ser reconhecido pelo Brasil. Até lá, data em que são realizadas as posses na Venezuela, Maduro continuará contando com o reconhecimento do governo brasileiro.

Lula e Petro têm uma longa relação com o chavismo. Ambos tiveram um vínculo de proximidade com o ex-presidente Hugo Chávez e, em consequência, influência política na Venezuela. Não mais. Uma nova realidade se impôs e, com ela, um gigantesco desafio.

Guinada autoritária

Não há mais dúvidas para fontes diplomáticas brasileiras: “a Venezuela deu um giro autoritário”. No Palácio do Planalto os termos usados são mais cuidadosos, mas algumas conclusões, em termos de futuro, são similares às que se ouvem no Itamaraty, entre elas a de que “tudo ficará mais complicado a partir de agora, mas uma ruptura deve ser evitada”.

A relação, frisaram as fontes, “ficará estremecida e perderá intensidade”. O Brasil manterá um comércio bilateral que dificilmente chegará perto dos US$ 6 bilhões anuais de outras épocas; acordos de cooperação que serão mais difíceis de implementar; as visitas serão reduzidas; e a participação da Venezuela em foros regionais, entre eles o Consenso de Brasília, deverá ser reavaliada.