Internacional

Papa Francisco revela o que diria a seu sucessor e como enfrenta resistências na Igreja

Em entrevista ao diretor da comunicação da Província da China da Companhia de Jesus, ele confirmou desejo de viajar para a China

Agência O Globo - 10/08/2024
Papa Francisco revela o que diria a seu sucessor e como enfrenta resistências na Igreja

O que diria a seu sucessor, ou seja, ao próximo ocupante do trono de Pedro? “Que reze… Porque o Senhor já fala na oração.” Assim, de forma simples e direta, respondeu Francisco a uma das 16 perguntas feitas pelo padre jesuíta Pedro Chia, diretor da comunicação da Província da China da Companhia de Jesus, em uma entrevista na qual abordou muitos outros temas, incluindo como lida com o estresse de ser papa, realizada em 24 de maio e divulgada na sexta-feira pelo Vaticano.

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Durante o bate-papo — que foi em espanhol e filmado na biblioteca do Palácio Apostólico — o Papa, de 87 anos, mostrou-se em boa forma. Perguntado sobre como enfrenta o estresse, os problemas dentro da Igreja, as críticas, resistências e oposição, como em outras ocasiões, manteve-se muito sereno. “As críticas sempre ajudam. Mesmo que não sejam construtivas, ajudam sempre, porque fazem você refletir sobre seu modo de agir. E depois, me ajudam muito as consultas. Consultar, ouvir”, disse.

“Como enfrento as resistências? Bem, às vezes é preciso esperar, suportar… E muitas vezes corrigir a si mesmo. Porque por trás de uma resistência pode haver uma crítica boa, não é? E também com dor às vezes, porque as resistências, como acontecem neste momento, não são apenas contra minha pessoa, são contra a Igreja. Por exemplo, há um grupo — poucas pessoas — que reconhece apenas até Pio XII, os papas depois disso não”, precisou.

Papa Francisco assegurou, por outro lado, que “não há nada extraordinário” em como consegue todos os dias fazer inúmeras coisas, desde receber convidados de todo o mundo até pronunciar discursos para diferentes grupos e participar de atividades pastorais. E deu a receita de como faz: “Levando uma vida ordenada, é possível fazer as coisas. De manhã recebo pessoas aqui [na biblioteca do Palácio Apostólico], à tarde, algumas vezes lá [na residência de Santa Marta]”. Também sublinhou “uma boa relação com os chefes de dicastério” e a importância de “saber delegar”.

“Se você quer fazer tudo sozinho, a coisa não funciona”, afirmou.

Quando foi questionado sobre seu segredo para a gestão do tempo, o Papa disse: “Não tenho segredos e faço o que tenho que fazer ajudado por todos. Tudo é colaborando, ouvindo”.

Em resposta a outra pergunta, o ex-arcebispo de Buenos Aires admitiu ter tido crises durante sua vida religiosa como jesuíta. “Claro! Caso contrário, não seria humano!”, respondeu. “E as crises sempre devem ser superadas com duas coisas. Primeiro, de uma crise se sai para cima, como de um labirinto. A crise de alguma maneira é como um labirinto, que você caminha, caminha, mas não termina de sair. Sai-se para cima. E segundo, nunca se sai sozinho. Sai-se ajudado ou acompanhado. Deixar-se ajudar é uma coisa muito importante”, disse.

Durante a entrevista, o ex-arcebispo de Buenos Aires exibiu seu clássico humor portenho. Quando, no início, o padre Chia lhe perguntou como estava, o Papa, que desde que teve problemas de saúde costuma responder “vivo”, respondeu “sentado”, rindo, para depois destacar que está “bem”. Quando o questionaram sobre o que diria a um jovem que está pensando em se tornar jesuíta, respondeu: “Que se torne dominicano!”, disse entre risos, antes de responder de forma séria.

Ao responder a uma pergunta sobre qual foi o maior desafio do papado, como em outras ocasiões, destacou a importância do senso de humor. “Houve desafios fortes. Por exemplo, o da pandemia, que foi um desafio tremendo. E os desafios atuais da guerra. A guerra na Ucrânia, a guerra em Myanmar, a guerra na Palestina. Eu sempre tento resolvê-los com diálogo. E quando não dá certo, com paciência. E sempre com senso de humor. A oração de São Tomás Moro, pedindo senso de humor, me ajuda muito. Essa oração eu rezo há mais de 40 anos todos os dias: ‘Dai-me, Senhor, o senso de humor’”, afirmou.

O Papa confirmou, além disso, seu já expressado forte desejo de viajar um dia para a China, gigante comunista com o qual o Vaticano não mantém relações diplomáticas, mas com quem, em setembro de 2018, selou um controverso acordo sobre a delicada questão da nomeação de bispos. “Tenho vontade, sim!”, exclamou. Se esse sonho se concretizar, assegurou que viajaria ao santuário da Virgem de Sheshan, que está nos arredores da cidade de Xangai e cuja imagem tem em sua residência de Santa Marta. A festa da Virgem de Sheshan é celebrada em 24 de maio, o dia em que concedeu esta entrevista.

Se for à China, o Papa se reuniria “com os bispos certamente, e com o Povo de Deus, que é um povo fiel, que passou por tantas coisas e manteve a fidelidade”, destacou, enviando, finalmente, uma mensagem de esperança aos católicos da China: “Mas me parece até tautológico dar uma mensagem de esperança a um povo que é mestre em esperar”, comentou Francisco. “Os chineses são mestres na paciência, em esperar… Vocês têm ‘o vírus da Esperança’. É uma coisa muito bela”, concluiu.