Internacional

Pódio com Simone Biles e Rebeca Andrade exemplifica relações diplomáticas entre EUA e Brasil, diz novo cônsul-geral no Rio

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Ryan Rowlands fala de como eleição americana não afetará relação bicentenária entre os dois países e dos compromissos americanos com a agenda brasileira no G20

Agência O Globo - 09/08/2024
Pódio com Simone Biles e Rebeca Andrade exemplifica relações diplomáticas entre EUA e Brasil, diz novo cônsul-geral no Rio
Simone Biles - Foto: Instagram - @simonebiles

A imagem que rodou o mundo e inundou de curtidas as redes sociais, com a ginasta brasileira Rebeca Andrade (no mais alto lugar do pódio) sendo reverenciada pelas atletas americanas Simone Biles e Jordan Chiles nas Olimpíadas de Paris foi mais do que uma demonstração do verdadeiro espírito olímpico. Para o novo cônsul-geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Ryan Rowlands, o momento também simbolizou exatamente aquilo que o país quer mostrar sobre sua relação diplomática de 200 anos (completados neste ano) com o Brasil: um grande exemplo de duas nações mantendo um relacionamento frutífero, amistoso e, sobretudo, inabalável — independentemente do resultado das eleições americanas.

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Substituto de Jacqueline Ward, que ocupou o cargo desde 2021, o diplomata sênior assumiu no fim de junho o papel de representante principal do governo americano no distrito consular do Rio de Janeiro, que engloba também os estados do Espírito Santo e Bahia. Antes de aterrissar em terras cariocas — e adotar uma vira-lata caramelo batizada de Pagode —, Rowlands iniciou a carreira como diplomata no Departamento de Estado, em 2000, e já trabalhou em países como o México, Guatemala, Sérvia e Panamá. Também serviu no Escritório de Inteligência e Pesquisa do Departamento de Estado como diretor do Escritório para o Sul da Europa e diretor de Diplomacia Pública para o Hemisfério Ocidental.

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, a primeira concedida à imprensa após assumir a função, Rowlands exaltou as relações entre os dois países, falou do desejo em promover cada vez mais programas focados em diversidade no Brasil, da expectativa da visita do presidente Joe Biden ao Rio em novembro (a primeira desde que assumiu o cargo, em 2021), além das eleições americanas e dos compromissos do governo dos EUA com a agenda brasileira no G20, centrada em temas como a mudança climática e ao combate à fome extrema e à pobreza.

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Veja os principais trechos da entrevista, traduzida para o português:

O senhor poderia nos contar um pouco da sua carreira como diplomata e o que o trouxe ao Rio de Janeiro como novo cônsul-geral? Quais são as suas expectativas após assumir o cargo?

Eu comecei no Departamento de Estado em 2000, e trabalhei muito no continente americano. Primeiro no México, depois na Guatemala. Também atuei no sul da Europa Central, na Macedônia [hoje Macedônia do Norte] e na Sérvia, mas voltei ao continente americano para trabalhar no Panamá. Antes, trabalhei em Washington para questões especificamente relacionadas ao Ocidente. Sou californiano, então definitivamente tenho uma afinidade pessoal com a América Latina. Na Califórnia, por exemplo, há muito mais mexicanos-americanos do que outros. Então todo continente americano é essencial para nós, como um país, e as alianças que temos, as trocas, são elementos muito importantes para os EUA. Então sempre tive um interesse em trabalhar nessa área.

Sabemos do interesse do senhor em programas focados em diversidade, incluindo iniciativas para mulheres e pessoas negras. O senhor poderia falar um pouco sobre esses projetos e qual o impacto que deseja alcançar com eles?

Você pode observar ao redor do mundo que muitos dos países mais prósperos realizaram o melhor trabalho ao promover oportunidades para mulheres e todos os seus cidadãos. Isso leva a menos corrupção, a mais desenvolvimento econômico, menos desigualdade de renda. Então temos trabalhado nisso nos Estados Unidos, e obtivemos avanços durante a minha carreira. Por exemplo, vejo muito mais mulheres diplomatas e em posições de liderança. Não estamos ainda onde gostaríamos de chegar, mas é uma melhora. Também estamos trabalhando para fazer com que a nossa diplomacia também se pareça com a população do nosso país. Cargos no governo são uma pequena porção do que é preciso ser feito.

Aqui, para citar alguns projetos, trabalhamos com mulheres empreendedoras com o projeto Black Stars Rising [programa lançado em 2024 pelo Consulado, com foco no empoderamento feminino por meio do incentivo ao empreendedorismo, em parceria com a AmCham Brasil].Também consideramos que a criatividade é algo crucial, então há o programa American Film Showcase [principal programa de cinema da diplomacia americana, criado há mais de uma década] também, no qual trabalhamos com jovens cineastas brasileiros em documentários que logo estarão na plataforma Globoplay. Então somos muito gratos por termos parcerias do tipo. É de suma importância que não sejam apenas os governos atuando nessas áreas, mas também o setor privado, para que se criem mais oportunidades.

Por que o Brasil é importante nessas questões? Por que é importante desenvolver essas pautas aqui?

Estamos celebrando os 200 anos de história [das relações diplomáticas entre o Brasil e os EUA]. Além disso, estamos todos todos juntos curtindo as Olimpíadas nesse momento, e nada é mais poderoso do que o que vimos. Fico até um pouco emocionado, mas entre Simone Biles e Rebeca Andrade, por exemplo, se estivéssemos olhando 200 anos atrás, a imagem das relações diplomáticas não seria essas duas pessoas, não seriam mulheres, não seriam mulheres afrodescendentes definindo as coisas.

E que ótimo sinal para os nossos próximos 200 anos que pudemos celebrar duas grandes competidoras, trazendo à tona o melhor uma da outra, e apreciar os talentos que elas têm. Se isso pode ser a referência para o nosso relacionamento com o Brasil e com o mundo, estaremos seguindo um grande exemplo.

Sobre o bicentenário das relações entre os Estados Unidos e o Brasil, com fortes laços políticos, econômicos e culturais, o que o senhor vê como principais desafios e oportunidades para manter essas relações estreitas daqui para o futuro?

Eu sou um otimista, então eu foco nas oportunidades em vez de desafios. Há muitas áreas em que trabalhamos juntos, e ambos os países reconhecem o quão importante é a questão ambiental. Eu estudei Biologia há muitos anos, então tenho um grande interesse, além da conscientização da necessidade de fazer o que for preciso para proteger o meio ambiente. Os dois países estão muito focados nisso agora, trabalhando juntos na transição para uma energia mais limpa, para proteger a Amazônia, como os US$ 50 milhões recentemente doados pelos EUA [para o Fundo Amazônia], de uma promessa geral de US$ 500 milhões.

Há muita expectativa sobre a primeira visita do presidente Joe Biden ao Brasil em novembro, para a cúpula do G20, especialmente porque ela coincide com as eleições americanas e com o fato de que ele não está mais concorrendo à reeleição. O que podemos esperar dessa visita de Biden e da sua participação na cúpula, sobretudo acerca das relações EUA x Brasil?

A Casa Branca terá a palavra no anúncio dos detalhes de sua visita, mas o que posso dizer é que as prioridades que o Brasil apresentou para esta reunião do G20 são questões importantes para os Estados Unidos, assim como a eliminação da pobreza e da fome, o ajuste das redes de governança global para refletir a realidade do século XXI. E a proteção do meio ambiente é a terceira plataforma sobre a qual já falei longamente e o Brasil é um líder, particularmente no campo ambiental. Quero dizer, com 90% de sua eletricidade sendo gerada por fontes renováveis, isso é algo que aspiramos também nos EUA. Estamos procurando seguir a liderança que vemos aqui.

Apoiamos totalmente cada uma das plataformas que o Brasil apresentou e, além disso, o relacionamento pessoal do presidente Biden com o presidente Lula, que também trabalham juntos na questão dos direitos trabalhistas [pacto em prol da promoção do trabalho digno, selado pelos mandatários durante reunião bilateral em Nova York no ano passado]. É uma outra área fora do contexto do G20, mas isso só mostra o quão parecidos nossos líderes são atualmente.

Então como o senhor avalia a importância da liderança do Brasil na presidência rotativa do bloco neste ano, em relação ao mundo?

A liderança do Brasil, neste momento, não poderia ser melhor. Há a COP30 chegando, além do G20. Principalmente no campo ambiental, novamente, que é uma questão crucial para todos nós todos. Nós vimos as enchentes no Rio Grande do Sul, as tempestades e os incêndios ocorrendo na Califórnia. Estamos sendo chamados à ação pelo nosso planeta, e o Brasil tem muito a oferecer nesta área. E então é muito fortuito para o mundo que o Brasil possa liderar nessas questões e esperamos fazer parcerias de todas as maneiras possíveis.

Quais os interesses americanos e as potenciais contribuições para a agenda brasileira no G20, especificamente sobre a iniciativa para eliminar a fome extrema no mundo?

Sabemos que se os países estão indo melhor, no geral, consequentemente há menos guerras, menos criminalidade. Conseguimos aproveitar o capital humano que, em vez de focar em sobreviver, pode contribuir para o nosso aprendizado e fazer crescer nossas economias. Então essa iniciativa é de suma importância para nós.

Além do que fazemos no âmbito do governo, há os cidadãos, por meio da filantropia e engajados em todo o mundo em organizações, como a Cruz Vermelha, a Care, World Central Kitchen — que inclusive, estava no Rio Grande do Sul recentemente. E uma grande parte das doações para apoiar essas organizações vêm de cidadãos americanos. Então precisamos da atuação do governo, bem como do setor privado e de todos os indivíduos contribuindo para tornar o mundo um lugar melhor.

Sobre as eleições americanas, como o resultado delas podem influenciar as relações entre o Brasil e os EUA?

O que posso dizer é que nós, Brasil e Estados Unidos, tivemos vários líderes diferentes nos últimos 200 anos de relações diplomáticas, e sempre encontramos maneiras significativas de trabalharmos juntos.

Somos aliados mesmo sem o Brasil ser membro da Otan. Nossas economias estão completamente conectadas também, com as exportações brasileiras para os EUA sendo até maiores do que o contrário. Compramos produtos brasileiros feitos aqui, frutos de mentes e fábricas brasileiras. Há muitos brasileiros que buscam formação nos Estados Unidos. Também estamos começando a ver cada vez mais turistas americanos vindo todos os anos para o Brasil, assim como estudantes. Estamos ligados de tantas maneiras que uma única eleição não define o relacionamento entre os dois países.

Teremos novos membros da Câmara de Representantes [análoga à Câmara de Deputados brasileira] e no Senado. E o Congresso pode definir muito mais coisas, já que eles tomam a decisão orçamentária. Então com certeza será uma eleição interessante, mas com 200 anos de história de relações amigáveis ​​produtivas, acho que podemos dizer que, aconteça o que acontecer, olharemos para um mesmo cenário [diplomático].