Internacional

Maduro usa aplicativo de atendimento ao cidadão na Venezuela para ‘denunciar e perseguir aqueles que atacaram o povo’

Iniciativa foi tachada de 'perseguição orwelliana' por alguns veículos locais; nas redes, usuários se mobilizaram para denunciar o software nas plataformas de download

Agência O Globo - 03/08/2024
Maduro usa aplicativo de atendimento ao cidadão na Venezuela para ‘denunciar e perseguir aqueles que atacaram o povo’
Maduro - Foto: Reprodução

Após a sequência de protestos que tomaram conta da capital venezuelana nos últimos dias contra a reeleição do presidente Nicolás Maduro e deixaram 11 mortos e centenas de detidos, Caracas retomou parcialmente sua normalidade na sexta-feira. No entanto, o clima ainda é de temor. Em um edifício de um bairro de classe média, os vizinhos fazem sinais para se calar quando o assunto das eleições surge: eles temem ser delatados e presos.

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Falando da sacada do Palácio de Miraflores, na terça-feira, Maduro ordenou aos venezuelanos que denunciassem, "de forma confidencial, aqueles que atacaram o povo” no aplicativo governamental VenApp. O software gratuito foi lançado em dezembro de 2022 para relatar incidentes relacionados a serviços públicos no país, como falta de energia e de água e emergências médicas.

— Estamos abrindo uma nova página no aplicativo para toda a população venezuelana, para que ela possa me fornecer confidencialmente todas as informações sobre os delinquentes que ameaçaram o povo, atacaram o povo, para que possamos ir atrás deles e levá-los à Justiça imediatamente — declarou Maduro.

A iniciativa foi tachada de “perseguição orwelliana” por alguns veículos locais, em referência ao romance distópico “1984”, do escritor inglês George Orwell, centrado nas consequências do totalitarismo, da vigilância em massa e da lavagem cerebral na sociedade.

Nas redes sociais, muitos usuários se mobilizaram para pedir que o aplicativo fosse denunciado na Apple Store e no Google Play, sob justificativa de que seria usado para prender a oposição. Na sexta-feira, ele não estava mais disponível (embora isso não impeça aqueles que já baixaram de continuarem a usá-lo).

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Quando o aplicativo foi criado, defensores dos direitos humanos alertaram que ele poderia ser reaproveitado para outras funções não especificadas.

— Estamos vendo a tecnologia ser usada como uma arma de perseguição política — disse Luis Serrano, coordenador do grupo de direitos RedesAyuda, ao jornal Washington Post. — Aqui na Venezuela, o protesto pacífico não é um crime. O que é perigoso e fora da lei é que as pessoas tirem uma foto de seus vizinhos e a compartilhem com as autoridades apenas por participarem de um protesto.

Um porta-voz do Google disse à imprensa que a empresa retirou o aplicativo de seu catálogo na tarde de quarta-feira após determinar que ele violava suas políticas contra bullying e assédio. A Apple não respondeu a um pedido de comentário do Washington Post.

O governo também lançou o canal do Telegram "Caçando Guarimbas" — a palavra se refere ao bloqueio de estradas em protesto — onde está postando fotos e vídeos de manifestantes e pedindo aos usuários que os identifiquem. E Maduro ordenou um destacamento de segurança para evitar o que considerou um golpe de Estado por parte da oposição "fascista".

As Forças Armadas, por sua vez, têm demonstrado sua posição de " absoluta lealdade e apoio incondicional" ao líder chavista, "legitimamente reeleito". O procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, informou que um militar morreu, 77 funcionários ficaram feridos e mais de mil pessoas foram detidas nos protestos.

Denúncia de vandalismo

O partido da líder da oposição María Corina Machado, o Vem Venezuela, declarou na sexta-feira que sua sede em Caracas foi vandalizada por homens armados, em meio a denúncias de fraude nas eleições presidenciais.

O Vem Venezuela denunciou na rede social X o "assalto às 3 da manhã com arma de fogo em El Bejucal”, sede nacional do comando da oposição do candidato Edmundo González Urrutia, que reivindica a sua vitória nas eleições realizadas no domingo.

"Seis homens encapuzados e sem identificação dominaram os seguranças, os ameaçaram e começaram a fazer pichações, arrombar portas e levar equipamentos e documentos", acrescentou.

O partido divulgou vídeos com riscos de grafite preto.

"Denunciamos os ataques e a insegurança a que estamos sujeitos por razões políticas e alertamos o mundo sobre a proteção dos nossos membros", afirma o comunicado.

Durante a campanha eleitoral, Machado relatou que duas vans que usava em suas viagens pelo país foram vandalizadas com pintura nas portas e janelas e que uma delas teve a mangueira de freio cortada.

O governo do presidente Nicolás Maduro alegou que estas denúncias eram "uma invenção" e o Ministério Público indiciou o suposto autor.

A oposição denunciou a fraude nas eleições presidenciais de domingo, nas quais Maduro foi proclamado reeleito para um terceiro mandato de seis anos. E afirma ter as atas de votação que mostram que González venceu a disputa.

Machado, que não foi candidata por inabilitação política, disse na quinta-feira que temia pela sua vida e anunciou que ia passar à clandestinidade, ao mesmo tempo que convocou manifestações em todo o país para sábado.

Maduro acusa a oposição de tramar um golpe contra ele. (Com AFP)