Internacional
Análise: Apesar de oposição mobilizar comunidade internacional contra Maduro após contagem de votos, desfecho depende de militares
Iniciativa opositora de apresentar contagem paralela impede a legitimação de resultado oficial do conselho eleitoral; reversão, contudo, dependeria de pressão interna no país

A coleta, contagem e divulgação na internet de atas eleitorais que, diz a oposição venezuelana, foram recolhidas nas seções eleitorais é um processo apontado por especialistas em política venezuelana como o sinal mais evidente de organização de um movimento político que chamou para si a responsabilidade de disputar uma eleição contra o regime chavista. Ao contrário de outras tentativas de mudança de poder no país, que recorreram a agentes estrangeiros e tentativas de golpe militar, o grupo político liderado por María Corina Machado e Edmundo González apostou em sua própria capacidade de atrair o eleitorado e vencer no voto, mesmo diante de um cenário adverso.
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— A diferença fundamental entre a tentativa de Juan Guaidó de chegar ao poder e o cenário atual é que em 2019 houve um movimento vertical. Líderes venezuelanos e internacionais não tiveram uma coordenação com a sociedade venezuelana — afirmou o diretor da Fundação Andrés Bello, Parsifal D’Sola Alvarado, que teve participação no Gabinete de relações exteriores de Guaidó. — Desta vez, há uma dinâmica de baixo para cima. María Corina Machado vem construindo uma base de apoio popular há mais de 10 anos. E, há mais de um ano, percorre cada rincão do país, criando uma base de apoio à mudança.
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O respaldo popular fica evidenciado tanto no resultado apresentado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) quanto na contagem das atas apresentada pela oposição. González, a terceira opção de candidatura da Plataforma Unitária, após a inabilitação de María Corina e o bloqueio do registro de Corina Yoris, recebeu entre 5,3 milhões e 7,15 milhões de votos, a depender da fonte consultada. Maduro, segundo os dados das atas detalhadas pela oposição, teria recebido apenas 3,24 milhões de votos — saltando para 6,4 milhões de votos no boletim divulgado pelo CNE, sem o detalhamento que, por obrigação, deveria ter apresentado.
Como também mostrou O GLOBO, que esteve presente na Venezuela durante a eleição e os protestos populares que contestaram o resultado oficial, mesmo bairros populares e ligados ao chavismo historicamente tiveram protestos em apoio à oposição, exigindo recontagem dos votos e transparência no resultado.
Pressão internacional
Se por um lado a oposição conseguiu mobilizar uma parcela significativa da população venezuelana a votar e se manifestar após a divulgação do resultado do CNE, a estratégia de contagem paralela dos votos também conseguiu angariar apoio externo — um tema que, considerando as intervenções de países como os EUA por meio de sanções, sempre é sensível na política nacional.
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Assim que a oposição conseguiu colocar no ar um site com os resultados do processo eleitoral, uma série de países — mesmo sem não haver ainda validação independente dos dados divulgados — reforçou a cobrança por mais transparência do CNE, com alguns indo além e reconhecendo González como presidente eleito.
Em um artigo publicado no jornal americano The Wall Street Journal, María Corina deu indícios de que a estratégia de auditar os votos a partir dos relatórios oficiais considerava criar um cenário de pressão externa.
"Nós venezuelanos cumprimos o nosso dever. Nós votamos para tirar Maduro. Agora cabe à comunidade internacional decidir se tolera ou não um governo demonstravelmente ilegítimo", escreveu a líder opositora no texto intitulado "Posso provar que Maduro foi varrido."
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Na avaliação do cientista político venezuelano Carlos A. Romero, professor universitário aposentado e que acompanhou o processo eleitoral no país, a pressão internacional pode ser decisiva para um desfecho.
— O regime nunca vai reconhecer os dados apresentados pela oposição. Poderiam chegar em algum momento a aceitar a necessidade de voltar a contar os votos ou repetir a eleição, mas não vão aceitar os dados da oposição — afirmou. — A saída da crise venezuelana passa pelo fator externo. Pela aceitação por parte do governo de uma auditoria dos votos, respaldada por um conjunto de governos.
Questão militar
Já D'Sola Alvarado avalia que o impacto real dessa pressão é limitada. Diante de um cenário em que Maduro controla o oficialismo em todas as suas instâncias e conta com o apoio da cúpula dos principais órgãos estatais e das Forças Armadas, o especialista crê que apenas com uma dissidência dentro das forças de segurança — uma espécie de movimento tenentista venezuelana — seria possível reverter a confirmação da vitória de Maduro.
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— A cúpula [das forças de segurança], os generais, estão todos com Maduro e sabem que, se ele cair, eles caem também. A possibilidade é de que os oficiais de média e baixa patente e praças se recusem a cumprir ordens, e que isso gere um efeito dominó que, por pressão social, não reste outra saída [ao governo] que não seja deixar o poder — afirmou. — A pressão internacional ajuda, mas essa é uma questão que se resolve dentro da Venezuela. Esse é o único fator que nunca aconteceu, que impediu que haja mudança na Venezuela.
Desde antes da eleição, havia relatos de insatisfação de militares de menor patente, de fora do círculo íntimo de Maduro. Afetados pelos mesmos problemas que o resto da população, eles seriam mais favoráveis à mudança. Por outro lado, não está claro se embarcariam em uma aventura para contestar o comando militar, incluindo o ministro da Defesa, Padrino López, que tem atuado como um pilar do chavismo até o momento.
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Mesmo em um cenário em que os militares aderissem aos apelos da oposição e resolvessem agir para impedir que a vitória de Maduro fosse confirmada, D'Sola Alvarado projeta que uma mudança de governo não ocorreria com uma transição costumeira:
— Imagino que sairiam [do país] por vias clandestinas. Não os vejo aparecendo em rede nacional e reconhecendo o resultado. Isso é uma fantasia — disse.
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