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Caetano & Bethânia: o que esperar da primeira turnê dos irmãos desde 1978

Show estreia no Rio neste sábado (3) com cena de Bia Lessa: ‘Fiz um cenário que estabelece uma relação muito direta entre eles e o público’

Agência O Globo - 03/08/2024
Caetano & Bethânia: o que esperar da primeira turnê dos irmãos desde 1978
Caetano Veloso - Foto: Instagram - @caetanoveloso

Duas figuras perenes da música brasileira há pelo menos meio século, irmãos com trajetórias separadas mas umbilicais (em que uma muitas vezes foi a grande voz das canções do outro), artistas com raros encontros no palco. Tudo isso faz de “Caetano & Bethânia”, turnê que estreia neste sábado (3), com ingressos esgotados, no Rio (na Farmasi Arena), bem aquilo que se anuncia: o espetáculo mais aguardado do ano no Brasil.

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Aos 81 e 78 anos, respectivamente, Caetano Veloso e Maria Bethânia se propõem a escrever, em uma jornada por arenas de diversas capitais, até o fim do ano, mais um capítulo da história: a de uma música que, há gerações, vem fazendo a trilha sonora de um país.

"O Rio de Janeiro é o Brasil, o Rio de Janeiro é o Brasil inteiro. Desde menino eu sabia disso. No quintal de uma casa no interior da Bahia, em Santo Amaro, eu sabia que o Brasil, quando a gente pensa o Brasil, era o Rio de Janeiro", disse Caetano, em suas redes sociais, em depoimento a fim de aguçar o público para a turnê, que ainda passa por Belo Horizonte (7/9, no Estádio Mineirão), Belém, (29/9, no Hangar), Porto Alegre (12/10, na Arena do Grêmio), Brasília (9/11, na Arena BRB Mané Garrincha), Salvador (30/11, na Casa de Apostas Arena Fonte Nova) e, enfim, São Paulo (14/12, no Allianz Parque).

E o Rio (onde os irmãos fazem o show deste sábado e no próximo fim de semana (10 e 11)foi, mais do que tudo, o começo para eles como artistas. Se em Santo Amaro, o pequeno mas já decidido Caetano sugeriu para o batismo da irmã recém-nascida o nome de Maria Bethânia (título de música de Capiba cantada por Nelson Gonçalves) e em Salvador, em 1964, no show “Nós, por exemplo”, no Teatro Vila Velha, os dois debutaram no palco, ao lado dos também jovens Gal Costa, Gilberto Gil e Tom Zé, na Cidade Maravilhosa é que o grande acontecimento se deu.

Jeito de premonição

Conta a história: Caetano tinha ido passar um mês em uma fazenda na Bahia e, depois de dez dias, sentiu necessidade de falar com a irmã, algo com jeito de premonição. Rapidamente, foi até ela e descobriu que Bethânia tinha recebido um telegrama com o convite para ir ao Rio substituir Nara Leão (que havia conhecido os irmãos em Salvador) no espetáculo “Opinião”. Era a chance de profissionalização da irmã, aos 17 anos.

"Cantar junto com Bethânia, que foi por quem eu estou no Rio até hoje, foi a razão de eu vir para o Rio, a pedido de meu pai, para que tomasse conta dela. Se não fosse Bethânia, eu não estaria aqui. Então, cantar com Bethânia no Rio é tudo", prossegue o cantor, em seu depoimento nas redes sociais.

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Dali, Maria Bethânia iniciou sua carreira de cantora popular e Caetano, uma trajetória como cantor, compositor, ponta de lança do Tropicalismo (ao lado de Gal, Gil e Tom Zé) e pensador da cultura. O irmão, que antes fora um guia de Bethânia pelo mundo das artes em Salvador, se viu cada vez mais, diante da independência da irmã, também influenciado por ela. Se em 1972 Caetano ainda produziu um álbum de Bethânia, “Drama” (1972), quatro anos depois era a vez de ela chamá-lo, junto a Gil e Gal, para o grupo Doces Bárbaros, que percorreu o país com shows, gerou um vitorioso disco e foi revivido, 26 anos depois, em 2002, em mais uma turnê e um DVD com documentário.

‘Leãozinho’ e outros sinais

Em 1978, aos quase 15 anos de carreira, chegou a vez de Caetano e Bethânia fazerem sua primeira (e, até há pouco, última) turnê em dupla. Tudo começou como um encontro despretensioso nos palcos do Teatro Santo Antônio (hoje Martim Gonçalves), em Salvador, e acabou se estendendo por outras capitais brasileiras (logo em seguida, eles ocuparam o Canecão, no Rio).

O show (que depois virou disco ao vivo) começava com “Tudo de novo”, inédita de Caetano para o encontro, e teve como novidade uma curiosa inversão de repertório: Caetano, por exemplo, cantava “Carcará” (marca de Bethânia no “Opinião”), e ela, “Leãozinho” (que o cantor andou sinalizando nas redes como possível número do novo show conjunto). E, em duo, eles interpretavam “Maninha”, de Chico Buarque, cantada originalmente pelo compositor com a sua irmã, Miucha.

Desde 1978, os encontros de Caetano e Bethânia no palco foram mais pontuais — e bem menos intimistas, como o show que fizeram em 1999 para 40 mil pessoas, na Praça Castro Alves, para comemorar os 450 anos da fundação da cidade de Salvador (encerrado com o “Hino ao Senhor do Bonfim”).

Irmão Sol, irmã Lua

Para os que acompanham as movimentações da dupla há alguns anos, as dimensões do novo espetáculo dos irmãos indicam como o tempo afetou o showbiz brasileiro entre uma turnê e outra.

— Eles estão fazendo essa turnê para os mais jovens, não para gente da minha idade, da nossa geração — observa a fotógrafa Thereza Eugenia, de 84 anos, autora de célebres retratos de Caetano e de Bethânia nos anos 1970 e 1980 (alguns dos quais serão exibidos no show, como parte da cenografia elaborada pela diretora Bia Lessa). — Acho que a distância (dos lugares sentados em relação ao palco) tira um pouco da intimidade.

Bia Lessa, por sua vez, adianta que o show será a oportunidade histórica de ver Caetano e Bethânia “juntos, de uma forma definitiva”:

— Fiz um cenário que estabelece uma relação muito direta entre eles e o público, com umas rampas que indicam uma direção de encontro com a plateia. Não é um cenário pretensioso, porque ali o que importa é o conteúdo deles e as canções.

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E o grande mistério de “Caetano & Bethânia”, a turnê, está nas canções. Estariam lá “Leãozinho” e outros números do show conjunto de 1978? Será que, a exemplo daquele espetáculo, Caetano iria compor uma canção para celebrar o encontro, como foi “Tudo de novo”? Algumas canções do irmão compositor parecem inevitáveis, como “Reconvexo”, “Purificar o Subaé” e “Motriz”, pós-78, que evocam Santo Amaro da Purificação, além de “Um índio” (dos Doces Bárbaros) e alguma em homenagem a Gal Costa, morta em 2022.

Fãs de longa data e pesquisadores da obra dos irmãos, como o DJ Zé Pedro, não escondem os seus desejos para o repertório:

— Para mim, a grande novidade e êxtase dessa nova turnê seria que no roteiro estivessem as parcerias bissextas dos dois como compositores: “Trampolim”, de 1972; “Luz da noite”, de 1973; “Pássaro proibido”, de 1976; e “Caras e bocas”, de 1977. Seria de fato algo inédito na história dos dois — torce.

O que se espera do show também é que Caetano Veloso e Maria Bethânia abram no palco a represa das memórias da relação. Que são muitas e — em especial para as novas gerações — surpreendentes.

— Eu fui a primeira pessoa que disse a Caetano que ele deveria cantar com guitarra elétrica. Na verdade, o impulso para Caetano transar o tropicalismo foi muito dica minha — dizia Bethânia ao GLOBO, em 1978, antes da estreia da primeira turnê junto com o irmão, em Salvador.

Na mesma entrevista, Caetano devolveu:

— Foi Bethânia quem sugeriu a canção “Baby”, básica do tropicalismo. Ela me chamou a atenção para os programas de Roberto Carlos, dizendo: “É a coisa mais vital que tem no Brasil.” Eu nem tinha televisão. Quando fiz o LP “Tropicália”, eu a chamei para gravar, mas ela não quis. Aí eu acho que é uma determinação da defesa da individualidade, que ela tem. Ela não é de trabalho em equipe. No palco, entra sozinha e toma conta. É uma presença abrangente.

Naquele ano, Caetano já admitia que ele e a irmã — considerados a mesma pessoa pelo escritor argentino Julio Cortázar — eram, de fato, muito diferentes.

— Custei a reconhecer essa coisa de as pessoas acharem a gente parecidos. Desde pequenos, sempre fomos diferentes. Bethânia sempre foi mais emocional, explosiva. Eu sempre fui mais ponderado e espiritual. Eu tenho uma curtição no sentido último das coisas, num sentido místico. Isso se reflete muito no meu trabalho — disse ele, ao GLOBO.

Um teatro, outro música

No que Bethânia explicava: ela era mais de teatro; ele, da música.

— Na Bahia, quando ainda era amadora, eu sempre fui dirigida por Caetano, mas sempre em teatro (...) Caetano, como Gal, Gil, Caymmi e os outros baianos, é mais musical. O nosso ponto de encontro é o fato de Caetano ser o único cantor, além de Roberto Carlos, que é tão ator no palco quanto eu sou atriz.

Hoje em dia, em depoimento às redes sociais de Caetano, a cantora acrescentou:

"Você sempre foi mais uma coisa de cinema, teatro nunca foi assim a sua grande paixão. Você me guiou, me mostrou, mas não te cativava tanto quanto a mim."