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Conheça as prisões de segurança máxima que Maduro disse que deterá manifestantes; presidente promete prender mais mil

Penitenciárias de Tocorón e Tocuyito têm histórico polêmico e passaram anos sob controle de quadrilhas criminosas, algumas das quais tornaram-se as mais temidas do país

Agência O Globo - 02/08/2024
Conheça as prisões de segurança máxima que Maduro disse que deterá manifestantes; presidente promete prender mais mil

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou ter prendido mais de 1,2 mil pessoas durante os protestos que eclodiram após sua contestada reeleição – e, nesta quinta-feira, prometeu capturar outras mil. Em publicação nas redes sociais, o líder chavista anunciou que está preparando prisões de segurança máxima para receber os detentos, a quem se referiu como “criminosos fascistas”. As duas penitenciárias citadas pelo venezuelano, Tocorón e Tocuyito, têm um histórico polêmico e passaram anos sob controle de quadrilhas criminosas, algumas das quais tornaram-se as mais temidas do país.

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Ao todo, a Venezuela conta com 85 centros de detenção que têm sérios problemas de superlotação e violência provocada por organizações criminosas que controlam internamente os presídios, segundo o Insight Crime, organização sem fins lucrativos de jornalismo investigativo. Localizado 140 km de Caracas, o Centro Penitenciário de Aragua, mais conhecido como Tocorón, foi construído em 1982. Inicialmente, de acordo com a BBC, a instalação de 2,24 km² tinha capacidade para 750 presos, mas chegou a abrigar mais de 7 mil entre 2015 e 2018, anos em que a organização criminosa Tren de Aragua se fortaleceu.

Em julho de 2023, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro americano colocou o Tren de Aragua na lista de quadrilhas criminosas transnacionais que ameaçam a estabilidade e segurança do Hemisfério Ocidental. A gangue teria surgido em 2010, inicialmente com atividades como sequestros, roubos, venda de drogas, prostituição e extorsão. Depois, incluiu nos negócios a exploração ilegal – e seus membros se expandiram para países da América Latina, incluindo Colômbia, Chile e possivelmente, segundo a BBC, o Brasil.

Tocorón

A história do Tren de Aragua é relevante também porque os líderes da quadrilha a comandavam de dentro da penitenciária Tocorón. Composto por mais de 4 mil membros, de acordo com o Observatório Venezuelano de Violência (OVV), o grupo criminoso seria o maior e mais poderoso do país. Em novembro passado, supostamente após pressão de nações vizinhas, as forças de segurança da Venezuela deslocaram mais de 11 mil agentes para a operação Libertação Cacique Guaicaipuro, que teria o objetivo de destruir a estrutura da organização no presídio.

Um repórter da BBC que visitou o presídio disse ter visto piscinas, quadras esportivas, casas com telhado de zinco, restaurantes, estádios de beisebol, academia, farmácias e até um zoológico na instalação. O detento que recebeu o jornalista afirmou que Héctor Flores – ou Niño Guerrero, o líder do Tren de Aragua – “sempre diz que não descansará até converter a prisão na urbanización (bairro) de Tocorón”. Segundo a mesma fonte, a prisão também tinha uma central elétrica capaz de neutralizar as falhas no fornecimento de energia, comuns no país.

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O detento também explicou que, dentro da penitenciária, “tudo é dinheiro”. Os presos do local precisavam pagar US$ 15 (R$ 86) por semana para poder permanecer na prisão sem receber castigos físicos. Eles também eram obrigados a pagar por ligações telefônicas e outras comodidades como o aluguel de uma cama individual (cerca de R$ 115) ou a estadia de final de semana dos cônjuges (R$ 172). Comum na Venezuela, o sistema é chamado de “pran” e consiste no controle dos presídios por criminosos em troca da manutenção da ordem.

Dados obtidos pelo Insight Crime mostram que a taxa seria um pouco menor, fixada em US$ 8 (R$ 45) por semana no início de 2022. Ainda assim, ao multiplicar o valor pelo número de detentos – que chegou a ser de 2,7 mil – a operação liderada por Niño Guerrero arrecadava pelo menos US$ 86,4 mil (R$ 492,5 mil) por mês, ou mais de US$ 1 milhão (R$ 5,7 milhões) por ano. Além de exigir o pagamento, a organização também mandava os presos realizarem trabalhos na prisão (como limpar o local ou alimentar os animais do zoológico, por exemplo).

Ao anunciar a intervenção militar em Tocorón, o ministro das Relações Interiores venezuelano, Remigio Ceballos, disse que o Estado agora tem “controle total” da prisão, e que a organização Trén de Aragua foi “totalmente desfeita”. A operação policial, no entanto, foi vista como um “show midiático” por Humberto Prado, diretor do Observatório de Prisões da Venezuela. Na época, à Associated Press, ele afirmou que o governo chavista negociou com o próprio líder da quadrilha antes da invasão – e acrescentou que prova disso é a fuga de Niño Guerrero e de outros presos, ocorrida dias antes da tomada do presídio.

Tocuyito

Já o Centro Penal de Tocuyito é atualmente tido como o mais populoso da Venezuela, com mais de 2 mil presos. Construído entre 1959 e 1963 no estado de Carabobo, a mais de 130 km de Caracas, o local também foi “tomado” pelas forças de segurança venezuelanas no ano passado. Na ocasião, Ceballos disse que as autoridades encontraram “alguns esconderijos” – e que era de amplo conhecimento “que parte do crime era comandado de dentro da prisão”. Eles também anunciaram ter achado uma “quantidade impressionante de armas e munições”.

Foi na prisão de Tocuyito que Néstor Richardi Sequera Campos, também conhecido como Richardi, lançou uma carreira internacional no reggaeton (sob o nome artístico de Rsiete). Ele controlava a penitenciária – e, em fevereiro, chegou a lançar uma música que falava sobre a cadeia. Entre os luxos que ele possuía em Tocuyito estava um estúdio de música de última geração. Imagens do local compartilhadas por ele no Instagram mostram equipamentos de estúdio de som profissionais, além de um computador da Apple sobre a mesa e luzes coloridas na decoração.

Quando os militares venezuelanos começaram a tentar instaurar a retomada do controle das prisões do país, a partir de setembro do ano passado, vídeos publicados nas redes sociais mostraram prisioneiros de Tocuyito destruindo as instalações e dizendo que “a casa caiu”. Todos os detentos, poderosos ou não, foram removidos da instalação, segundo o Insight Crime. E, pouco antes da operação policial, Richardi publicou uma mensagem de despedida (que já foi apagada). O criminoso escreveu que, “onde quer que esteja”, seu foco “será a música”.

Prisões ‘preparadas’ após protestos

Nesta quinta-feira, pouco antes da líder da oposição na Venezuela, María Corina Machado, afirmar que estava escondida porque foi “ameaçada de prisão pelo regime” de Maduro – e convocar novas manifestações para o sábado –, o presidente disse que as prisões de segurança máxima deverão estar prontas para receber os manifestantes dentro de 15 dias. Referindo-se a eles como “terroristas”, “delinquentes” e membros de “quadrilhas de nova geração”, o líder chavista também os comparou às gangues do Haiti.

— Todos os manifestantes vão para Tocorón e Tocuyito, presídios de segurança máxima — disse Maduro em ato transmitido pelo canal estatal VTV. — Querem transformar a Venezuela em um novo Haiti.

Na quarta, Maduro afirmou que os líderes opositores que denunciam fraude nas eleições presidenciais de domingo “devem estar atrás das grades” e que eles têm “as mãos manchadas de sangue” após protestos nas ruas motivados por sua questionada reeleição. María Corina e seu candidato presidencial, o diplomata Edmundo González Urrutia, afirmam que a oposição venceu o pleito por ampla margem e denunciam uma escalada da repressão no país – que já deixou, desde segunda, ao menos 11 mortos e dezenas de feridos. (Com AFP)