Internacional

Pressionado por acordo, premier israelense viaja para os EUA no dia em que parentes anunciam morte de dois reféns em Gaza

Benjamin Netanyahu, que não embarca à Convite da Casa Branca, mas de congressistas, se encontrará com presidente Joe Biden e discursará no Capitólio

Agência O Globo - 22/07/2024
Pressionado por acordo, premier israelense viaja para os EUA no dia em que parentes anunciam morte de dois reféns em Gaza
Netanyahu

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, viajou nesta segunda-feira para os Estados Unidos, dia seguinte à desistência do presidente Joe Biden, para discursar no Congresso. A viagem ocorre poucos dias após uma escalada nas tensões entre Tel Aviv e os rebeldes Houthis e em meio à guerra em Gaza, cujas negociações para uma trégua seguem paralisadas — inércia criticada pelos israelenses e seguida de perto pela comunidade internacional. No mesmo dia do embarque, o Fórum de Famílias dos Reféns e Desaparecidos anunciou que dois reféns morreram. Seus restos mortais, afirmou a organização, representam uma "cruel lembrança da urgência" de conseguir que os cativos sejam libertados e voltem para casa.

Nenhuma informação sobre a causa das mortes de Yagev Buchstab, de 35 anos, e Alex Dancyg, de 76, foi fornecida. O fórum destacou que as mortes dos reféns em cativeiro são "um reflexo trágico das consequências dos atrasos nas negociações". O Exército israelense afirmou por sua vez que os corpos dos homens "estão nas mãos" do grupo, e que as circunstâncias das mortes "estão sendo examinadas por todas as autoridades profissionais".

Ao deixar Israel, o premier classificou a visita desta segunda como uma “viagem muito importante” e que ocorre em um momento de “grande incerteza política”, em referência à decisão de Biden de desistir da campanha à reeleição. Netanyahu, que não viaja a convite da Casa Branca, mas de líderes republicanos e democratas do Capitólio, deverá se reunir com o presidente de 81 anos na terça-feira para discutir os objetivos de Israel na guerra em curso.

A expectativa é de que as conversas se concentrem em um novo acordo para uma trégua, da qual os EUA fazem parte da mediação, e a libertação dos reféns, segundo afirmou o secretário de Estado americano, Antony Blinken, durante um fórum de segurança em Aspen, nos EUA, na última sexta-feira. A viagem também deverá focar no pós-guerra, ponto de desacordo entre os aliados.

Biden tem deixado transparecer cada vez mais sua insatisfação com a resposta israelense ao ataque do Hamas, insistindo que os civis devem ser protegidos — quase 39 mil palestinos já morreram desde o início do conflito — e a ajuda humanitária permitida em Gaza. O presidente, que chegou a afirmar que Netanyahu estava "perdendo apoio internacional" por sua condução do conflito e falta de planos para o pós-guerra, afirmou em entrevista à revista americana Time no início de junho que "há todas as razões para as pessoas" concluírem que o premier estaria prolongando o conflito para se manter no poder. Depois da repercussão, Biden voltou atrás, e afirmou que o premier "está tentando resolver um problema sério".

A tensão não é por acaso: para além da questão humanitária e a entrada de ajuda no território palestino, a condução da guerra por Israel tem reflexos importantes na política interna americana, principalmente em ano de eleição — com a pressão maior vindo por parte da esquerda. Pesquisas do New York Times, Siena College e Philadelphia Inquirer mostraram que 13% dos eleitores que votaram em Biden na eleição passada, não planejavam fazê-lo novamente. Apesar de Biden ter desistido da campanha, não se sabe como a condução do seu governo ao longo dos meses poderá manchar o seu substituto ou substituta (sua vice, Kamala Harris, recebeu seu endosso).

Segundo o site americano Político, citando pessoas familiarizadas com o assunto, Netanyahu solicitou uma tensão pessoal com o ex-presidente e atual candidato republicando para concorrer à Presidência, Donald Trump. Ainda de acordo com a reportagem, as equipes do premier e do republicano se reuniram nos últimos dias para explorar a ideia de uma reunião, mas Trump ainda não respondeu.

— A atmosfera nunca esteve tão tensa — Disse Steven Cook, especialista em Oriente Médio do Conselho de Relações Exteriores.

Netanyahu deverá fazer um discurso ao Congresso no dia seguinte à reunião com Biden. Em seu convite, os quatro líderes da Câmara e do Senado disseram apoiar "o Estado de Israel em sua luta contra o terrorismo, especialmente neste momento em que o Hamas continua a manter cidadãos americanos e israelenses em cativeiro e quando seus líderes colocam em risco a estabilidade regional". O premier explicou que seu discurso procurará "ancorar o apoio bipartidário que é tão importante para Israel".

“Direi aos meus amigos de ambos os lados do Congresso que, independentemente de quem o povo americano escolher como seu próximo presidente, Israel continua sendo o aliado forte e indispensável dos Estados Unidos no Oriente Médio”, afirmou em um comunicado publicado minutos antes de seu embarque do aeroporto de Ben Gurion.

Quem eram os reféns mortos?

Alguns parentes dos reféns planejam viajar até Washington para protestar contra seu pronunciamento. O fórum israelense disse nesta segunda que os reféns mortos foram "capturados vivos" durante o ataque do Hamas em outubro e que, por isso, "deveriam ter retornado vivos às suas famílias". Durante o ataque, combatentes do Hamas sequestraram 251 reféns, dos quais 116 ainda estão em Gaza, incluindo 44 que teriam morrido.

Buchstab foi sequestrado em sua casa no kibbutz Nirim junto com sua esposa Rimon Kirsht, libertada após 50 dias em cativeiro, segundo o fórum. Dancyg, filho de sobreviventes do Holocausto, trabalhou no Yad Vashem, o Instituto Internacional para a Memória do Holocausto, e treinou milhares de guias. Reféns mantidos em cativeiro com ele relataram que o idoso dava palestras de história para outros cativos, de acordo com o fórum.

A população israelense e os familiares de reféns têm tomado as ruas e até acampado na frente da casa do premier para exigir um acordo que permita a libertação dos cativos remanescente em Gaza, apelo semelhante ao da comunidade internacional — incluindo os EUA. Netanyahu, que já foi acusado pelo Catar de tentar obstruir as conversas, anunciou dias antes da viagem que "pressão não vai funcionar".

Na quarta-feira, manifestantes se reuniram em Tel Aviv para protestar contra a visita. "Nada de viagens [a Washington] sem um acordo prévio", gritaram os israelenses. Mas, na visão do especialista em geopolítica da consultoria de segurança Le Beck Michael Horowitz, a visita aos EUA é vista por Netanyahu como “um meio de melhorar sua imagem entre os israelenses, mostrando-se como o único líder capaz de se dirigir ao Congresso dos EUA”. (Com AFP e NYT)