Internacional

Mísseis para Taiwan, apoio a Israel e menos dinheiro para a Ucrânia: o que pensa o vice de Trump sobre política externa

J.D. Vance defende que a Europa 'assuma' um papel mais importante na própria defesa e que a China seja a prioridade da diplomacia dos EUA 'pelos próximos 40 anos'

Agência O Globo - 17/07/2024
Mísseis para Taiwan, apoio a Israel e menos dinheiro para a Ucrânia: o que pensa o vice de Trump sobre política externa
Trump

Celebrado por boa parte da cúpula do Partido Republicano como um vice ideal para Donald Trump, especialmente por sua juventude e lealdade ao ex-presidente, a escolha de J.D. Vance para a chapa republicana causou calafrios em capitais na Europa, e certamente fez algumas sobrancelhas se levantarem na Ásia. Vance tem posições fortes e até certo ponto controversas sobre política externa, que se aplicadas devem provocar abalos na diplomacia.

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A começar pelo conflito na Ucrânia. O senador por Ohio se opõe aos bilionários pacotes financeiros e militares para Kiev, principal pilar de apoio do país para resistir à invasão russa, e votou contra eles sempre que possível. No início da guerra, expressou de forma direta o que pensava sobre o assunto.

— Tenho que ser honesto com você, realmente não me importo com o que acontece com a Ucrânia, de uma forma ou de outra — afirmou, em entrevista ao podcast War Room, de Steve Bannon, em fevereiro de 2022.

Um dia antes da invasão, em fevereiro daquele ano, disse em comunicado que a situação na Ucrânia “ameaça a nossa segurança nacional, mas distrai os nossos líderes das coisas que realmente a ameaçam”, citando questões internas, como a imigração.

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Vance compartilha da posição de Trump de que a Europa precisa gastar mais para se defender, e chegou a dizer diante de lideranças do continente em fevereiro, na Conferência de Segurança de Munique, que “ Vladimir Putin não é uma ameaça existencial” à região.

— Penso que Trump está dando um alerta: a Europa tem de assumir um papel mais importante na sua própria segurança. A Alemanha só este ano gastará mais de 2% do PIB [em defesa] — disse Vance em Munique, citando um compromisso de gastos dos países da Otan, a principal aliança militar do Ocidente, que teve em Trump um de seus maiores defensores. Recentemente, o ex-presidente disse que “se vocês [europeus] não pagarem, nós não vamos protegê-los”.

Em artigo no New York Times, em abril, o senador chamou de “fantasioso” o desejo da Ucrânia de retornar às suas fronteiras estabelecidas em 1991, u ma demanda até agora pétrea para Volodymyr Zelensky — segundo Vance, é necessário agora conseguir algum tipo de “paz negociada”, com a presença dos russos à mesa.

“A Casa Branca disse repetidas vezes que não pode negociar com o Presidente Vladimir Putin, da Rússia. Isso é um absurdo. A administração Biden não tem nenhum plano viável para os ucranianos vencerem essa guerra. Quanto mais cedo os americanos confrontarem esta verdade, mais cedo poderemos resolver esta confusão e negociar a paz”, escreveu Vance no New York Times.

Ao contrário de Trump, que tem uma relação um tanto quanto complexa com o líder russo, Vladimir Putin, Vance não o trata com tanta cordialidade. Em sua fala em Munique, disse que Putin “não era uma pessoa amigável”, e o condenou pela morte de Alexei Navalny, em fevereiro, em uma prisão na Sibéria. Também afirmou que o único período nos últimos 20 anos em que a Rússia não invadiu outro país foi quando Trump estava na Casa Branca.

Mas sua oposição ao envio de dinheiro a Kiev — e a outros países — tem menos a ver com a opinião sobre Putin, Zelensky e a Otan e mais com o que se passa dentro dos Estados Unidos. Assim que foi confirmado como vice de Trump, analistas imediatamente declararam a chapa como uma das mais isolacionistas da história do Partido Republicano.

Vance, como Trump e como outros membros extremistas da sigla (alçados recentemente à sua cúpula), acredita que esses gastos devem ser direcionados a investimentos como o muro na fronteira com o México, ou a exploração de combustíveis fósseis, inclusive em áreas hoje protegidas. O envio de armas, na visão do senador, também enfraquece as próprias reservas militares americanas.

“Conservadores não promovem a abordagem da ‘paz através da força’ do presidente [Ronald] Reagan à segurança nacional, esgotando recursos militares críticos num atoleiro na Europa Oriental”, escreveu em artigo no site The Hill, em outubro do ano passado.”Os EUA não podem projetar força no exterior, a menos que sejamos verdadeiramente fortes em casa.”

Foco na China

Mas como toda regra tem sua exceção, o isolacionismo de Vance tem suas brechas.

O senador é um grande defensor do apoio militar americano a Taiwan, considerada uma província rebelde por Pequim, e acredita que todos os esforços dos EUA devem ser concentrados na Ásia e Pacífico, tendo como alvo a China.

— Os Estados Unidos precisam focar mais no Leste da Ásia. Ali estará o futuro da política externa americana pelos próximos 40 anos. A Europa precisa acordar para esse fato — disse na Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro.

Em janeiro, disse ao canal Real America’s Voice que os EUA “não podem deixar os chineses entrarem em Taiwan”, citando que o país perderia o acesso a tecnologias “necessárias para impulsionar a economia moderna” — Taiwan é um dos maiores produtores de chips e semicondutores, e mesmo os democratas acreditam que a ilha é necessária para reduzir a dependência global do mercado chinês desses itens.

Mas Vance quer ir além, e defende que armas como os sistemas de defesa aérea Patriot deveriam ser enviados prioritariamente para os taiwaneses, e não para Kiev.

— O meu argumento é que os chineses estão concentrados no poder real. Eles não estão focados em quão duras as pessoas falam na TV ou quão forte é a nossa suposta determinação. Eles estão focados em quão fortes nós realmente somos e, para sermos fortes o suficiente para reagir contra os chineses, temos que nos concentrar nisso e, neste momento, estamos sobrecarregados demais — disse, em abril, à Fox News.

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Outra exceção é Israel. Vance não vê motivos para limitar a ajuda aos israelenses, especialmente após o ataque do grupo terrorista Hamas, em outubro do ano passado, e após o início da guerra em Gaza. Ele afirma que a resposta do governo Biden tem sido “catastrófica”, e que está dificultando a vitória dos israelenses, sugerindo que Washington deve aumentar o apoio militar ao país.

Para o senador, o fim do conflito abrirá caminho para a continuação da estratégia iniciada por Trump, em 2020, nos chamados Acordos de Abraão, de criar uma aliança ampla entre os países árabes da região, pavimentando a normalização de laços com Israel e montando uma frente “anti-Irã’.

— Os Acordos de Abraão mostraram uma promessa real de unir os israelenses com alguns Estados árabes sunitas. [É preciso permitir] que os israelenses e os Estados árabes sunitas trabalhem juntos e criem um contrapeso ao Irã — disse à Fox News, na segunda-feira, dizendo ainda se opôr a bombardeios pontuais contra posições iranianas, como os EUA vêm fazendo nos últimos anos ao lado dos israelenses.

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Além de questões geopolíticas, o vice de Trump não esconde que boa parte de seu apoio a Israel tem motivações religiosas, refletindo um sentimento comum não apenas no Partido Republicano.

— A maioria dos cidadãos deste país pensa que o seu salvador, e eu me considero um cristão, nasceu, morreu e ressuscitou naquela estreita faixa de território ao largo do Mediterrâneo — disse em discurso no Instituto Quincy, em maio. — A ideia de que algum dia haverá uma política externa americana que não se preocupe muito com aquela fatia do mundo é absurda.