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Autor de ‘O poder do hábito’, best-seller Charles Duhigg mira na comunicação em novo livro: ‘A busca pelo diálogo também é uma questão de felicidade’
Com mais de 1,3 milhão de exemplares vendidos no Brasil, autor americano explica como todo mundo pode virar um 'supercomunicador'

Charles Duhigg foi repórter do New York Times, ganhou um Prêmio Pulitzer e hoje colabora com a prestigiada revista New Yorker. Somente no Brasil, seu best-seller “O poder do hábito” (2012) vendeu 1,3 milhão de exemplares. Sua caixa de e-mail está sempre lotada com mensagens de leitores que afirmam ter tido a vida transformada pelo livro.
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Com toda essa influência sobre milhares de pessoas, era de se esperar que o jornalista e escritor americano de 50 anos fosse um craque nato da comunicação. Mas a verdade é que, durante muito tempo, Duhigg penou para se conectar com os outros. Frustrava-se no trabalho e em casa, achando-se incompreendido pelos chefes e pela mulher.
O autor fez então aquilo que sabe melhor: conversou com especialistas de diversas áreas, investigou histórias pessoais e institucionais, e tentou descobrir o que leva uma conversa a dar aquele “clique” mágico. Além de melhorar sua relação com os outros, a pesquisa gerou o seu mais novo livro, “Supercomunicadores: como desbloquear a linguagem secreta da comunicação” (Objetiva). Juntando ciência e vida cotidiana, Duhigg trata a comunicação como uma espécie de “superpoder” acessível. Qualquer um pode adquiri-lo se aprender as ferramentas certas.
— Eu queria explorar a ciência por trás da comunicação porque sentia que as pessoas em geral estavam esquecendo regras importantes sobre o assunto — conta Duhigg em entrevista ao GLOBO por Zoom. —Eu mesmo tinha estabelecido um padrão ruim com a minha mulher. Chegava em casa e começava a reclamar do meu dia, e ela sugeria algumas soluções muito boas, como “por que você não tenta conhecer melhor o seu chefe?”. Só que, em vez de ouvir, eu ficava ainda mais irritado porque achava que ela não estava do meu lado e não me apoiava. Aí ela também ficava irritada. Isso acontecia porque estávamos tendo duas conversas diferentes: eu estava tendo uma conversa emocional e ela, uma conversa prática.
Pistas do interlocutor
A partir de suas entrevistas com neurologistas, o autor identificou três tipos de conversa: a prática, focada em resolver problemas; a emocional, voltada para expressar sentimentos; e a social, que define nosso lugar na sociedade. Se os interlocutores não estiverem alinhados no mesmo tipo de conversa (e se não houver interesse genuíno por seu conteúdo), dificilmente o diálogo será produtivo.
Duhigg aponta mais de uma vez que as pessoas bem-sucedidas em se comunicar são aquelas que tentam ler as pistas dos seus interlocutores, assimilando os sentimentos ao seu redor e ajustando as respostas com base no que ouvem. Um dos personagens marcantes do livro é Nicholas Epley, um psicólogo que passou boa parte da carreira estudando por que não sabemos escutar.
Como é de hábito, o autor passa longe dos gurus da autoajuda e intercala descobertas científicas com casos representativos e figuras curiosas. Cruzamos com um renomado oncologista que mudou a forma de informar o estado de saúde a seus pacientes terminais; descobrimos a história do investidor que perdeu US$ 20 milhões por não detectar o nervosismo de um corretor que havia acabado de gritar com um garçom; entendemos por que a Nasa passou a privilegiar astronautas que sabem se comunicar; e conhecemos as técnicas de persuasão do mais habilidoso negociador de reféns do FBI.
— É importante fazer perguntas profundas para entender a mentalidade da outra pessoa — explica Duhigg. — Por exemplo, posso lhe perguntar há quanto tempo é jornalista, por que optou pela profissão e por que gosta dela. Só por essas perguntas, já vou saber se você é extrovertido e quais são suas crenças e valores. Se você me responder que é curioso e que gosta de coisas novas, vai ser um tipo de conversa muito diferente do que se você me disser que luta pela verdade e por justiça porque viu seus pais sendo presos.
Duhigg detalha o segundo passo do possível "clique" que seguiria:
— Eu poderia lhe responder com outra confidência. Dizer que entendo perfeitamente o que está dizendo mesmo sem ter vivido as mesmas experiências, porque acho divertido conviver com jornalistas, porque adoro conhecer novas pessoas e fazer a elas qualquer pergunta que eu quiser, porque elas vão se sentir obrigadas a responder. E é assim que começamos a nos conectar.
Neurotransmissores
A busca pelo diálogo também é "uma questão de felicidade e qualidade de vida”, explica Duhigg, já que uma comunicação pode liberar neurotransmissores que nos incentivam a desfrutar conversas.
— Durante conversas significativas, nossos corpos e cérebros começam a se sincronizar— diz o autor. — Mesmo que não estejamos conscientes disso e mesmo estando separados por milhares de quilômetros, nossos padrões de respiração, frequências cardíacas e até a atividade cerebral se alinham, um processo conhecido como sincronização neural. Esse alinhamento nos faz sentir bem porque nossos cérebros são programados para desejar essas conexões. Quando eu descrevo para você algo que estou sentindo, uma emoção, você na verdade experimenta um pouco dessa sensação.
Não há dúvidas de que o os cérebros humanos evoluíram para serem bons em comunicação e que isso foi essencial para nos definir como espécie. Mas, apesar das novas pesquisas sobre comunicação na última década, estamos nos comunicando cada vez pior, avalia o autor.
Nos últimos anos, a sociedade se interessou muito mais pela velocidade da comunicação do que por seu conteúdo, favorecendo o aspecto tecnológico ao humano. Resultado: ficou fácil interagir com pessoas do outro lado do oceano, mas muito mais difícil nos conectarmos com quem realmente é importante para nós.
— No passado, as escolas podiam oferecer aulas de economia doméstica ou de relações interpessoais, que ensinavam habilidades de comunicação — explica Duhigg. — Isso desapareceu em grande parte dos currículos. Outra coisa é que a comunicação eficaz depende de pensar sobre como nos comunicamos. No mundo acelerado de hoje, frequentemente enviamos mensagens rapidamente sem muita reflexão, o que reduz a qualidade de nossas interações. É pensar e se importar com a comunicação que nos torna bons nisso.
Queridinho dos brasileiros
Quem segue as listas de livros mais vendidos reconhece imediatamente o nome de Charles Duhigg. Há mais de dez anos, seu “O poder do hábito: por que fazemos o que fazemos na vida e nos negócios” está quase toda semana entre os mais comprados pelos brasileiros. Entre 2023 e 2024, ficou 93 semanas seguidas no top 10 e no top 20.
Em 2014, o autor ganhou um Pulitzer na categoria “reportagem explicativa”, uma habilidade que justifica seu sucesso. “O poder do hábito” pode ser classificado como desenvolvimento pessoal (nas listas de mais vendidos, concorre com os títulos de autoajuda), mas não soa como conversa de coach. O autor prefere falar dos padrões do cérebro e de como eles afetam nosso comportamento, usando classificações como “regra de ouro da mudança de hábitos”, “loop do hábito” e “hábitos fundamentais”.
— Esse sucesso todo no Brasil tem sido divertido — diz Duhigg. — Recebo emails de brasileiros e eles vêm falar comigo em conferências, o que é maravilhoso. Honestamente, escrevi esse livro porque eu não tinha dinheiro. Minha esposa estava grávida e precisávamos de dinheiro para comprar uma casa, então pensei: “O.k., vou escrever um livro para que possamos comprar uma casa”.
Simples assim. Quer dizer, nem tanto, já que a transição de repórter para autor de best-seller deu algum trabalho..
— Acabei escrevendo sobre algo que era muito interessante para mim porque eu queria saber como mudar meus próprios hábitos — conta. — E funcionou. Mas, no fundo, nem eu sei como alguém faz essa transição. Acho que a chave é descobrir o que você ama na escrita e na reportagem. Há habilidades que você desenvolve para notícias, mas que podem ser usadas para outras coisas. Como para explicar o que acontece dentro de nossas cabeças quando estamos construindo hábitos ou o que acontece quando estamos conversando com outra pessoa.
Duhigg espera agora que um tópico tão importante como o do novo livro sobre comunicação possa alcançar o mesmo sucesso em tempos de polarização e desentendimentos. A entrevista, aliás, foi feita antes do atentado contra o ex-presidente Donald Trump, no último sábado (13).
— Tanto os EUA quanto o Brasil passam por períodos de desacordo intenso, mas as sociedades funcionam melhor quando as pessoas sabem se comunicar efetivamente, apesar de suas diferenças — diz. — Uma boa comunicação nos permite encontrar pontos em comum e entender melhor uns aos outros, o que é essencial para uma sociedade saudável. Desentendimentos são inevitáveis, mas saber como falar sobre eles de maneira construtiva é o que fortalece as nações.
Serviço
‘Supercomunicadores’. Autor: Charles Duhigg. Tradutor: Cassio de Arantes Leite. Editora: Objetiva. Páginas: 296. Preço: R$ 79,90.
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