Economia

Governo, estados e empresas traçam estratégia para lidar com lei antidesmatamento da UE

Produtores de café, soja, madeira, carne, couro, papel e celulose participaram de encontro em Brasília. Uma das demandas do governo é que sejam usadas imagens de satélite e base de dados locais para rastrear origem dos produtos

Agência O Globo - 15/07/2024
Governo, estados e empresas traçam estratégia para lidar com lei antidesmatamento da UE

Por iniciativa do Itamaraty, o governo reuniu recentemente em Brasília pela primeira vez representantes de todos os estados do país, associações do setor privado e funcionários de vários ministérios para debater e alinhar posições sobre como lidar com a entrada em vigor, em 1° de janeiro de 2025, da lei antidesmatamento da União Europeia (UE), o European Union Deforestation Act (EUDR).

Há preocupação em todos os setores e diversos questionamentos ao bloco europeu, sobretudo pela falta de clareza sobre como será implementada uma lei que o Brasil, desde um primeiro momento, considerou punitiva e, portanto, uma maneira equivocada de lidar com o problema do desmatamento.

Um melhor caminho teria sido, afirmam fontes que acompanham o tema, propor acordos de cooperação para combater o desmatamento e não, pelo contrário, castigar países em desenvolvimento como o Brasil. Mais complicada ainda é a situação de países menores e com mais dificuldades para cumprir as novas exigências da lei europeia.

No encontro em Brasília, comentaram vários participantes, foram expostos os temores de produtores de café, soja, madeira, carne, couro, papel e celulose, entre outros. Atualmente, 31,8% das exportações brasileiras têm como destino o mercado europeu, percentual que atingiu 34,4% no ano anterior.

A lei, aprovada com amplo apoio no Parlamento europeu, visa impedir a entrada à UE de exportações provenientes de áreas desmatadas, legal ou ilegalmente, a partir de 2020.

— Queremos asfaltar essa estrada e evitar uma capotagem — afirma o embaixador Fernando Pimentel, diretor do Departamento de Política Comercial do Ministério das Relações Exteriores, lembrando que a nova lei europeia representa uma ameaça para um terço das exportações brasileiras para o bloco.

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A avaliação entre diplomatas, funcionários do governo e exportadores é que os produtores brasileiros deverão provar sua inocência permanentemente, através de um sistema ainda muito mal explicado, e com elementos que podem trazer enormes dores de cabeça para o Brasil. E o custo de provar essa inocência, frisaram todas as fontes consultadas, é alto.

— Quisemos falar com os estados e ouvir os estados. Estamos trabalhando há muito tempo, muito antes de a lei ser aprovada, e era importante compartilhar informações. Foi uma reunião muito importante e pretendemos fazer outras — acrescenta Pimentel.

O Brasil, frisou o embaixador, está numa "corrida de obstáculos” até a entrada em vigor da lei, sem descartar, comentaram outras fontes, a possibilidade de que a própria UE adie o prazo por questionamentos que surgem até mesmo de produtores europeus.

Existem vários temas em debate, e todos foram tratados no encontro em Brasília. Um deles é como fará a UE para constatar que um produto provém de uma área desmatada. O Brasil pediu que sejam aceitas as imagens de seus satélites e suas bases de dados, já que o país tem sistemas de monitoramento de última geração, reconhecidos internacionalmente.

A UE pretende uma rastreabilidade absoluta de cada produto, o que, na visão do governo brasileiro é complexo, como explica o embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva, chefe da missão brasileira em Bruxelas:

— Existem dificuldades relacionadas à identificação do que constituiu e o que não constitui desmatamento. Para certas commodities, fazer um rastreamento absoluto é difícil de implementar —.

A UE aceitou levar em consideração dados recolhidos pelos países exportadores, mas, pela legislação, o bloco não tem a obrigação de fazê-lo. A preparação para a nova lei europeia é hoje a principal preocupação da missão brasileira em Bruxelas, principalmente, enfatizou o embaixador Costa e Silva, “porque num primeiro momento pode representar uma barreira ao comércio e, no futuro, isso pode levar a desvio de comércio”.

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Na opinião de Marcela Carvalho, secretaria executiva da Camex, que esteve na reunião organizada pelo Itamaraty, “é preciso unificar os discursos e ter atuações coordenadas”.

— Apesar de não endossar que países imponham medidas ambientais que têm impacto no comércio, precisamos apoiar o setor produtivo nacional para enfrentar uma realidade que vai ser impor. Não haverá volta atrás. Poderá haver adiamento, mas a lei vai entrar em vigência e todos devem estar preparados — aponta Carvalho.

Um dos questionamentos de todos os envolvidos nos debates no Brasil é que o custo de adaptação à nova legislação da UE não pode ser passado aos países exportadores e em desenvolvimento.

O Brasil e outros países vem pedindo um prazo de adaptação razoável, e a não implementação de multas — estabelecidas em 4% do faturamento do importador — durante esse período, no qual espera-se que exista maior flexibilidade por parte dos países que integram o bloco europeu.

O setor do café foi um dos que participou do encontro em Brasília. Entre janeiro e junho deste ano, cerca de 53,4% das vendas externas dos produtores de café brasileiros foram para o mercado europeu, superando os 46,6% alcançados no mesmo período de 2023.

— Estivemos em junho em Bruxelas e pedimos clareza nos procedimentos aos representantes da UE. Houve um compromisso de publicação de um guia de implementação da lei que ainda não foi cumprido. Estamos trabalhando nesse tema desde maio do ano passado — comenta Marcos Matos, CEO da Cecafé, que representa 95% dos produtores de café do Brasil, presentes em 162 mercados ao redor do mundo.

Segundo Matos, “tudo o que estamos fazendo é para reduzir os riscos do importador”.

— A preocupação existe e precisamos esclarecer pontos. A demanda do café brasileiro está aumentando na UE e precisamos de garantias para evitar o banimento de países — conclui o CEO da Cecafé.