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Trabalhistas conquistam maioria absoluta no Parlamento do Reino Unido, apontam projeções

Partido liderado por Keir Starmer volta ao poder após 14 anos, com promessas de recuperar economia e agir de forma eficiente sobre a imigração; extrema direita já surge no retrovisor

Agência O Globo - 04/07/2024
Trabalhistas conquistam maioria absoluta no Parlamento do Reino Unido, apontam projeções

Depois de 14 anos na oposição, o Partido Trabalhista retornará ao poder no Reino Unido, de acordo com as projeções divulgadas minutos após o fechamento das urnas, confirmando uma das maiores vitórias em décadas. Os números apontam que o partido, comandado por Keir Starmer, provável novo primeiro-ministro, conquistou 410 cadeiras no Parlamento, mais do que as 326 necessárias para governar sem precisar formar alianças. Ao todo, 650 cadeiras estavam em jogo.

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Em segundo lugar veio o Partido Conservador, do agora futuro ex-premier Rishi Sunak, com 131 cadeiras. Sunak convocou a votação em maio, de forma até inesperada, em uma decisão que até hoje intriga analistas políticos e é questionada por aliados, especialmente os que foram derrotados nesta quinta-feira. No Reino Unido, os eleitores escolhem um único candidato em seus distritos eleitorais, e o mais votado é eleito, mesmo que com menos de 50% dos votos.

Repetindo um enredo visto ao redor da Europa (e também fora dela), a extrema direita marcou posição com o Reform UK, liderado por um dos rostos mais conhecidos da campanha pela saída do país da União Europeia, Nigel Farage, hoje favorito daqueles que exigem controles mais duros sobre a imigração. O partido só tinha um deputado na Câmara dos Comuns, equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil, e agora deve ter 13 , segundo as projeções. Os Liberais Democratas ficaram em terceiro, com 61 cadeiras, e o Partido Nacional Escocês com 10.

A vitória dos trabalhistas era considerada garantida por analistas políticos e até pelos conservadores. Na véspera da votação, a revista Economist afirmava que as chances da oposição conquistar a maioria absoluta eram de quase 100 % — Sunak, que chegou a criticar publicamente alguns de seus ministros considerados pessimistas, fez um apelo no meio da tarde: “Evite a supermaioria trabalhista. Vote nos Conservadores”, escreveu no X, o antigo Twitter, em uma tentativa de contenção de danos.

Sunak foi a face mais recente de uma conturbada trajetória dos conservadores à frente do governo britânico nos últimos 14 anos. A decisão de convocar o referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, e a escolha das urnas pela saída do bloco em 2016, fez do premier David Cameron uma espécie de persona non grata no meio político, especialmente depois dos muitos problemas durante o processo de saída e dos que surgiram posteriormente. A “redenção” de Cameron veio em novembro do ano passado, com sua indicação para ser o novo ministro das Relações Exteriores, em um momento turbulento na diplomacia global.

Após o Brexit, os conservadores venceram outras duas eleições gerais, sendo que em 2019 impuseram a maior derrota aos trabalhistas, liderados por Jeremy Corbyn, desde 1935, levando o peculiar Boris Johnson à residência de Downing Street. Seria ele que conduziria o país em meio à maior crise sanitária em um século, a pandemia da Covid-19, e que protagonizaria escândalos de vários tipos, desde reformas indevidas até festas proibidas durante o período de isolamento social. Johnson deixou o poder em 2022, sendo sucedido por Liz Truss cujo mandato durou 44 dias e foi marcado pela morte da Rainha Elizabeth II — e finalmente por Sunak.

Em meio às crises internas dos conservadores e à deterioração das condições econômicas do Reino Unido, com uma inflação que chegou a dois dígitos, Keir Starmer conseguiu remodelar o discurso do partido, abandonando a linha mais à esquerda de Corbyn e conduzindo a sigla para o centro. Ele se aproveitou da insatisfação dos eleitores com o que viam como promessas descumpridas dos conservadores, se apresentando como o nome certo para unir e “reconstruir” o país.

Em maio, durante um discurso de campanha em Essex, ele afirmou que, caso fosse eleito, seu governo trabalharia para fazer com que a economia avance, evitando aumentos de impostos (principal crítica dos conservadores aos trabalhistas), e mantendo a inflação e os juros em níveis baixos.

Ele disse que trabalhará para melhorar o sistema público de saúde, o NHS, alvo de críticas nos últimos anos, elevar os gastos com políticas ambientais e agir de maneira firme sobre a imigração, um tema central da campanha: ao mesmo tempo em que se distanciou de planos como o envio de imigrantes que pediram asilo para Ruanda, ele prometeu agir para conter as gangues de “coiotes”, que ajudam pessoas vindas de vários cantos do mundo a entrarem de forma irregular no país. Tudo, garantiu, de acordo com as leis e tratados internacionais sobre o tema.

Na política externa, Starmer recebeu críticas de setores mais à esquerda ao reiterar o apoio a Israel na guerra contra o grupo terrorista Hamas, na Faixa de Gaza, e rejeitar as acusações de que os israelenses estariam cometendo um genocídio no enclave palestino. A promessa de elevação de gastos militares lhe rendeu a alcunha de “Líder do Partido da Otan” por parte de progressistas — Starmer defende o envio de ajuda militar à Ucrânia, e parece ter no presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, um aliado: em junho, nas comemorações do “Dia D”, Zelensky divulgou um vídeo no qual aparece ao lado do líder trabalhista, mas parece “esquecer” de mostrar Rishi Sunak, que também estava no evento.

A votação desta quinta-feira comprovou ainda o fortalecimento da extrema direita, representada pelo Reform UK, com um discurso centrado na imigração e na deterioração das condições de vida em algumas partes do país. Seu líder, Nigel Farage, um polêmico ex-eurodeputado, tentou espelhar o sucesso de Marine Le Pen, do Reagrupamento Nacional, na França, mas não conseguiu amenizar o seu discurso e os de muitos de seus aliados. Vários candidatos foram expulsos após falas racistas, outros preferiram concorrer pelos conservadores para não serem marcados como “extremistas”, e o próprio Farage pode ter feito a sigla perder votos quando disse que o Ocidente era o responsável pela guerra na Ucrânia.

— Esse é o nosso passo mais significativo rumo a um objetivo de longo prazo, focado em 2029 [ano das próximas eleições gerais], e também na criação de um movimento pelo senso comum neste país — disse Farage, em entrevista à Reuters na quarta-feira.