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Denys Arcand questiona geração 'woke' em novo filme: 'você quer que obras de arte desapareçam por discordar delas?'
Diretor canadense ficou conhecido pelos trabalhos em 'O declínio do império americano' e 'As invasões bárbaras'

Em 2019, o diretor e roteirista canadense Denys Arcand se deparou com uma notícia que o fez pensar: estava gerando debate uma pintura do Museu de História Natural de Nova York que retratava o encontro de um colono holandês com líderes da tribo lenape na futura Ilha de Manhattan. Descendentes de indígenas e especialistas contestavam o cenário da obra, que destacava nativas nuas e ignorava a violência imposta por europeus, e o museu acabou colocando junto à obra vários textos de contextualização. Foi o ponto de partida para “Testamento”, filme que estreou ontem nos cinemas brasileiros.
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A trama acompanha Jean-Michel (Rémy Girard), arquivista de 73 anos que mora em uma casa de repouso comandada por Suzanne (Sophie Lorain). O lugar tem sua rotina abalada por protestos contra a presença de um painel que seria ofensivo a indígenas do Canadá.
— Pensei no que aconteceria se a situação de Nova York ocorresse em Montreal. Parti desta pintura e fui criando a história em volta dela — conta Arcand, conhecido pelo trabalho em “As invasões bárbaras” (2003), vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro.
Dúvidas pessoais
No filme, Arcand retrata vários de seus questionamentos sobre o mundo atual, com humor afiado que muitas vezes tem como alvo o chamado “politicamente correto”. Após as primeiras exibições em festivais, alguns começaram a apontar o filme como “anti-woke”, mas o diretor discorda.
— O que queria era retratar a minha confusão com várias atitudes contemporâneas — afirma o diretor. — Por exemplo, quando eu era jovem, a liberdade de expressão era a coisa mais sagrada. Hoje em dia, as novas gerações acreditam que a liberdade de expressão não é uma qualidade em si. O que buscam é um sentido moral na expressão. O que você está falando é moralmente correto? É moralmente justificável? Acho um quebra-cabeças perigoso. Porque a arte muitas vezes é controversa. Você quer que obras desapareçam por discordar delas moralmente?
Arcand admite que seu protagonista é, de certa forma, uma versão de si:
— É um homem velho que não entende muito bem o que está acontecendo.
Casado com a atriz e produtora Denise Robert, o diretor também levou uma experiência pessoal para o roteiro, que traz um personagem transgênero. Carter Arcand, filho de 28 anos do casal, é um homem trans.
— Nos damos bem, o encontrei na última semana, ele participa do filme. Mas é algo com que ainda tento me acostumar — diz o diretor, que soube do processo de transição do filho há pouco mais de dois anos. — Existe um elemento de estranheza. Você tem uma garotinha, vê ela crescer. E, de repente, é um homem. Mas o amo e não tenho nada contra.
Em “As invasões bárbaras”, uma continuação do cultuado “O declínio do império americano” (1986), Arcand traz um personagem à beira da morte refletindo sobre seu passado ao lado de amigos. Em “Testamento”, o diretor volta a contar com um protagonista que parece olhar para trás. Apesar disso, o diretor nega ser nostálgico.
— Antes de fazer cinema, eu cursei História na universidade. E qualquer pessoa que estuda História não acredita nos “bons e velhos tempos”. A história da Humanidade é horrível — reforça. — No retrato geral, aliás, estamos melhores hoje do que há 50 ou 100 anos.
Caminho próprio
Em suas seis décadas de carreira, o cineasta revela ter recebido inúmeros convites para trabalhar na França e em Hollywood. No início dos anos 1990, recusou a oferta de US$ 1 milhão para dirigir a comédia romântica “Sintonia de amor”, com Tom Hanks e Meg Ryan, por não poder fazer observações no roteiro. Em outros casos, não se sentiu preparado para escrever para personagens americanos sem passar um tempo morando no país, o que nunca era aceito pelos estúdios.
Aos 83 anos, Arcand admite que “Testamento” pode ser seu último trabalho. Mas ele tampouco fecha as portas para novos projetos:
— Vai ser meu último filme? Não sei. Ainda estou com a saúde relativamente boa. No momento, estou sem ideias, mas se tiver, posso fazer outro.
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