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'Responsabilidade enorme': Karla Sofía Gascón é a primeira mulher trans a ganhar o prêmio de melhor atriz em Cannes
Com transição feita em 2018, artista coleciona trabalhos consolidados no México e na Espanha, mas o principal destaque é sua atuação em "Emilia Pérez".

Karla Sofía Gascón está nas nuvens. Ela toma café da manhã com Cate Blanchett, conversa com George Lucas, cumprimenta Pedro Almodóvar e esteve outro dia com Bud Bunny. Até maio deste ano, eles eram inatingíveis, mas agora, todos a querem, mesmo aquela celebridade que “nunca se dignou” a dizer uma palavra para ela em uma sessão de fotos. — Percebo que tenho muitos amigos novos —, comenta com a ironia e a experiência de quem “chorou bastante na vida”.
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Chamam-na, convocam-na, a ministra francesa de cultura a condecora… é o seu momento. Quando ela está mais próxima das estrelas, nota-se que ela está se divertindo. No entanto, ela também mantém os pés no chão, em uma realidade que transcende seu status de atriz e que levou um espectador, com uma namorada trans, a abraçá-la há alguns dias “tremendo” para agradecê-la por “tudo o que ela estava fazendo”.
A diferença entre antes e agora é que a atriz espanhola, de 52 anos, fez história, ao ser a primeira mulher trans a ganhar o prêmio de melhor atriz na última edição do festival de Cannes (com as suas colegas de elenco, Adriana Paz, Zoe Saldaña e Selena Gomez) pelo filme “Emilia Pérez”, dirigido por Jacques Audiard.
— Se existe algo que eu possa fazer, é mostrar respeito pelos outros. Se apenas uma pessoa não expulsar seu filho de casa, porque me viu e pensou que podemos fazer parte da sociedade, já estarei feliz — afirma Gascón, antes de perder a voz por conta da emoção.
Parece inevitável, então, que o público presente na cerimônia, realizada nesta segunda-feira no Campus de verão, organizado pela Academia de Cinema de Valência, tenha aplaudido, como aconteceu em várias ocasiões.
Com os atores e atrizes nunca se sabe, mas Karla irradia naturalidade e sinceridade. É divertida, intensa, leve e profunda. Relata com humor como aproveitou seus estudos de eletrônica, em São Fernando de Henares, para construir uma espada laser e imitar seus heróis de Star Wars, o que explica a importância de ser vista como referência.
— Me vejo com uma responsabilidade enorme, não só como intérprete, mas como o que eu represento nesse momento. Não foi escolhido, mas adquirido com muito carinho e muito amor — comentou a atriz.
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A artista fez seu nome no México com “Los Nobles: quando os ricos quebram a cara (2013)”, após participar de séries na Espanha como “El súper o El passado es mañana”, ou filmes como "A caixa 507” de Enrique Urbizu. Fez a transição de sexo em 2018 e seguiu fazendo sucessos no país da América do Norte até o convite do diretor francês, para interpretar a implacável chefe de um quartel de drogas mexicano, que só quer proteger sua família e ser a mulher que sempre sentiu que era, ultrapassou as fronteiras. Ela vive em sua cidade natal, Alcobendas, e tem uma esposa e uma filha.
— Venho lutando contra isso desde que me assumi em um teatro em 2018, apresentando meu livro e ninguém sabia como ele seria publicado, foi um momento especial. Desde aquele momento, tem havido uma espécie de luta entre as pessoas que o adoram e o apoiam e as pessoas que o odeiam apenas por existir, não apenas por um certo tipo de imprensa, mas também pelas redes sociais. Liberdade de expressão é uma coisa e usá-la para massacrar pessoas é outra, e eles não tiveram sucesso comigo, mas tiveram sucesso com outras. Comigo não tiveram sucesso, mas com muitas pessoas conseguem e é muito perigoso, há pessoas que se suicidam, ou que matam outras, porque acreditam que é verdade o que se diz. E não é uma coisa política, mas de direitos humanos, ninguém possui o direito a decidir que valemos menos do que as demais pessoas — destacou a atriz na terceira edição do Campus, que põe o foco na inclusão e na diversidade, e desenvolve oito projetos audiovisuais selecionados.
A Netflix está colaborando com a iniciativa da Academia de Cinema e a Prefeitura de Valência também está fornecendo financiamento. O evento foi realizado no Caixaforum, em Valência, liderado pela jornalista Lucía Márquez.
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— Agora tenho uma liberdade maravilhosa, não apenas na hora de trabalhar, mas na hora de enfrentar a vida — revela a artista. A ideia de olhar com entusiasmo para uma estrela ou um diretor aclamado e adotar uma atitude gregária e passiva não combina com ela. Nem agora e nem antes. — Como se diz no México, você não é uma moeda de ouro para que todos gostem de você. Quando você entende isso, pode começar a trabalhar bem. — completou.
Sobre o debate em torno dos personagens que representam minorias serem interpretados por pessoas que pertencem a estas minorias, afirma — a princípio não gostava e acabei entendendo que essa é uma das poucas maneiras de todos nós sermos incorporados à sociedade. Como atriz, gosto de ter acesso a qualquer tipo de personagem e não ser limitada por minha condição. Mas quando me dizem que personagens trans têm de ser interpretadas por pessoas trans, concordo, mas por causa desse fator de incorporação, não porque não se tenha talento de atuação para ser de outra forma — concluiu.
Ela também revela que gostaria de interpretar uma tartaruga ninja, “dar uma surra no Tom Cruise” ou uma antagonista em um filme de ação no estilo James Bond, porque prefere não sair “direto desse personagem para outro em que eu tenha que voltar para a escuridão”. “ Eu me divertiria muito e, se eu disse isso, é porque pode acontecer”, acrescenta ela, empoderada, tocando as estrelas.
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