Internacional
Pescadores de polvo lutam para proteger o maior recife de Portugal; entenda
Em um dos litorais mais conhecidos do país, comunidades estão trabalhando para preservar a vida marinha e garantir que fontes vitais de alimento estejam disponíveis no futuro
Embora a referência de Portugal seja a sardinha, o país consome mais de 15 mil toneladas de polvo por ano, a maior quantidade entre todos os países da Europa. O polvo comum é o fruto do mar mais lucrativo de Portugal em termos de valor, com mais da metade dos desembarques ocorrendo na região de Algarve, que fica no litoral sul de Portugal. Segundo o pescador da região, Miguel Rodrigues, embora os pescadores de hoje terem armadilhas mais sofisticadas, como barcos com motores, eles estão pescando menos:
— Eles têm mais redes de pesca e mais maneiras de capturar peixes, mas não há mais peixes — disse à BBC.
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A Armação de Pera, é uma antiga vila de pescadores que se tornou uma cidade turística em Algarve, que fica praticamente deserta no inverno. Na calmaria que antecede o verão, a ampla baía de areia fica vazia, as ruas de paralelepípedos estão limpas e os restaurantes estão atendendo aos clientes habituais. Porém, em apenas alguns meses, o mar ficará agitado com barcos cheios de guias turísticos e pescadores em busca de uma das iguarias mais apreciadas da região: o polvo.
— O polvo é a fonte de renda mais importante para as comunidades de pescadores de pequena escala no Algarve — explicou à BBC Mafalda Rangel, pesquisadora de pesca da Universidade do Algarve.
Mais de 90% dos pescadores algarvios usam armadilhas e panelas para desembarcar o polvo, o que poderia lhes render um valor significativo de € 6,05 (R$ 35,46 reais) por quilo. No entanto, a jornada do fundo do mar até o prato está se tornando cada vez mais complicada. A pesca comercial e as atividades turísticas estão pressionando o recife e, embora o comércio de polvos não esteja oficialmente em perigo, há preocupações de que, se não for protegida, a pesca poderá diminuir, como aconteceu com as sardinhas e o atum nas últimas duas décadas.
Em toda a região de Algarve, os pescadores estão percebendo que a vida marinha nas águas, antes repletas, está diminuindo. Como sua renda e seu antigo modo de vida estão ameaçados, os pescadores estão tomando medidas para proteger seus recursos para o futuro.
— Quando eu tinha 10 anos, ia para a água de calção com um arpão e facilmente pegava peixes para comer, caranguejos-aranha, congros, moreias, tínhamos de tudo aqui — contou à BBC Miguel Rodrigues, ex-presidente da Associação de Pescadores de Armação de Pera.
Aos 45 anos de idade, essa época se tornou uma lembrança distante. Ele é um dos poucos pescadores que ainda capturam polvos da maneira tradicional, colocando potes, conhecidos como alcatruz, no mar. Os polvos rastejam para as fendas dessas panelas de barro vermelho em busca de abrigo e são puxados de volta para a superfície.
A maioria dos pescadores modernos trocou esse método por potes cilíndricos de plástico, que podem ser fabricados de forma barata e grande em escala. No entanto, os potes de barro podem funcionar como um medidor do tempo, quebrando em condições climáticas mais tempestuosas e, portanto, alertando os pescadores de que as condições estão muito difíceis.
É difícil encontrar dados que indiquem que o número de polvos está diminuindo em Portugal, ao contrário de declínios notáveis em outras espécies, como a sardinha. O polvo não está sujeito às mesmas regulamentações que outros frutos do mar - por exemplo, ele é excluído das cotas da União Europeia. Portanto, é mais difícil monitorar as populações.
— O polvo é uma espécie muito particular, porque morre após a reprodução, portanto tem uma vida útil muito curta — explicou Rangel à BBC.
Segundo a especialista, a maioria dos polvos vive apenas de um a dois anos e é muito suscetível a mudanças ambientais na fase larval. A captura global de polvos quase dobrou de 1980 a 2014 e, embora o polvo comum não seja uma espécie ameaçada de extinção, à medida que a demanda por frutos do mar aumenta, há preocupações quanto ao suprimento futuro.
Em Portugal, uma série de regras já está em vigor para reduzir a captura do polvo e minimizar os problemas ambientais, como a perda de equipamentos de pesca e as altas emissões de combustível dos barcos. Mais longe, estão sendo feitos planos para a primeira fazenda comercial de polvo do mundo nas Ilhas Canárias.
No Algarve, os pescadores, incluindo Rodrigues, estão trabalhando para estabelecer um novo modelo, que capacitará as comunidades a proteger essas espécies oceânicas das quais dependem. Dois projetos - uma nova Área Marinha Protegida (MPA, em inglês) e um comitê de cogestão - estão dando aos pescadores uma palavra igual em seu futuro.
— Eu dependo 100% deste recife. Depois da segunda Era Glacial, a água veio para dentro e criou esta baía. É um presente — afirmou à BBC o pescador Miguel Rodrigues
Em 2021, foi criada a primeira Área Marinha Protegida de Interesse Comunitário de Portugal, que foi visualizada e projetada por moradores locais. Para Rodrigues, a área marinha foi uma última tentativa de salvar o recife e seus muitos habitantes.
— Eu adoro polvo, mas a única maneira de envolver a comunidade nisso era ter uma pescaria sustentável — disse à BBC.
As MPAs são áreas designadas do oceano criadas para proteger os habitats e as espécies marinhas. Apesar de serem consideradas a "pedra angular" dos esforços globais de conservação marinha, atualmente elas cobrem menos de 10% da superfície do oceano. Mas o isolamento de uma seção do oceano pode gerar conflitos com a pesca local, o que pode tornar sua aplicação controversa.
Por outro lado, uma onda de MPAs baseadas na comunidade está progredindo mais, do Quênia aos Estados Unidos. Um estudo analisou 27 exemplos de MPAs em todo o mundo e descobriu que o envolvimento das partes interessadas era o fator mais importante que afetava o sucesso das MPAs, enquanto sua ausência era sua maior queda.
Embora não façam parte da Área Marinha vizinha, a abordagem de cogestão se baseia em valores semelhantes: dar aos pescadores uma participação igualitária na forma como os recursos são gerenciados. Portugal já tem uma série de regras em vigor para garantir que o polvo não seja pescado em excesso. Por lei, os pescadores não podem desembarcar polvos nos finais de semana, e um polvo deve ser devolvido se tiver menos de 750g.
— A cogestão é um modelo inovador — disse à BBC Rita Sá, que trabalha no Fundo Mundial para a Natureza Portugal (WWF, em inglês), e está apoiando o projeto.
De volta à Armação de Pera, Rodrigues aponta para fileiras de cabanas castigadas pelo tempo, com seus painéis de madeira caídos e lascados. Segundo ele, é nesses locais que os pescadores armazenam seus equipamentos, embora sua decadência simbolize as lutas do setor de pesca de pequena escala.
— As Áreas Marinhas Protegidas têm que ser para a comunidade local. Se os políticos simplesmente desenharem um quadrado no mapa e dizerem 'isso é uma reserva', não vai funcionar — conta Rodrigues à BBC, que gostaria que houvesse vida no mar para os futuros pescadores - seus filhos e netos.
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