Internacional
Viagem de Putin à Coreia do Norte é novo marco de parceria moldada por sanções, guerra e ataques ao Ocidente
Presidente russo volta a Pyongyang depois de 24 anos, com a promessa de acordo estratégico e parcerias em setores cruciais para ambos países; Otan vê 'fraqueza' de líder russo
Ao desembarcar no aeroporto internacional de Pyongyang nesta terça-feira, Vladimir Putin dará início à sua segunda viagem à Coreia do Norte, em um momento radicalmente distinto do visto na primeira, em 2000. A Rússia trava uma brutal guerra na Ucrânia, na qual os norte-coreanos são um elemento-chave. Pyongyang, por sua vez, vê em Moscou um caminho eficaz para obter financiamento externo e para avançar em projetos como o programa de mísseis balísticos e as atividades espaciais. Em comum, dois países sob intensa pressão do Ocidente e aliados, alvos de milhares de sanções internacionais, e que não raro são tratados como "párias" na arena global.
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Em entrevista coletiva, um dia antes da viagem, Yuri Ushakov, assessor especial da Presidência, afirmou que Putin e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, discutirão temas da agenda internacional, destacando que as abordagens dos dois “são muito próximas ou coincidem completamente”.
— Haverá negociações em vários formatos, inclusive em formato ampliado, e comunicação informal entre líderes. Aliás, muito tempo será dedicado a isso, pois, durante estas negociações, que podem incluir outros membros da delegação, serão discutidas as questões mais importantes e sensíveis — disse Ushakov, citado pela agência RIA.
Quando Putin visitou a Coreia do Norte em 2000, Kim Jong-un, com 16 anos, não havia sido apontado como sucessor de seu pai, Kim Jong-il, e estava prestes a encerrar seu período de estudos na Suíça. Putin, por sua vez, havia assumido o cargo na virada daquele ano e estava longe de imprimir sua marca à vida russa. Segundo um texto da agência estatal KCNA da época, Putin e Kim Jong-il concordaram em “fortalecer e desenvolver relações amistosas” e “dar passos positivos para expandir e desenvolver essas relações”.
O mundo veria transformações radicais nos anos seguintes, assim como o próprio Putin, cuja linha central de pensamento abandonou o apaziguamento e foi gradualmente substituída pelo objetivo de restabelecer a Rússia como uma das grandes potências globais. Um processo em boa parte pautado pelo combate ao “mundo unipolar”, controlado pelos EUA, pela oposição à expansão da Otan na Europa e, mais recentemente, por uma guinada ao Oriente, com a China servindo de grande parceira.
O início da invasão da Ucrânia foi um marco nessa trajetória e serviu de caminho para o estreitamento dos laços com Pyongyang. Com uma guerra de atrito, onde o uso de munições como de artilharia é intenso, os russos se voltaram aos norte-coreanos em busca de seus vastos arsenais. Desde o final de 2022, essas armas foram incorporadas às operações em solo ucraniano, em uma linha de suprimentos de mais de 10 mil km que ignora sanções internacionais.
Em troca, Moscou incrementou os envios de alimentos, commodities básicas e petróleo — segundo o governo dos EUA, em março foram enviados 165 mil barris do produto da Rússia para a Coreia do Norte. Pelas sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU, Pyongyang pode importar anualmente apenas 500 mil barris.
Nas declarações à imprensa na segunda-feira, Ushakov destacou que o ponto alto da visita deve ser um acordo bilateral abrangente, com compromissos relacionados à segurança dos dois países, ambos sob um grande número de sanções internacionais e de posse de armas nucleares (e dos meios para utilizá-las).
— Se o acordo for assinado, vai delinear as perspectivas de maior cooperação e será assinado tendo em conta o que aconteceu entre os nossos países nos últimos anos, tanto na esfera da política internacional, quanto na esfera econômica, e no campo das relações em todos os sentidos, incluindo questões de segurança — disse o diplomata. — É claro que ele seguirá todos os princípios básicos do direito internacional, não tem qualquer natureza provocativa e não terá como alvo direto nenhum país.
Existe grande expectativa de que o texto traga algum anúncio significativo no campo da cooperação aeroespacial. Além de ser um caminho para a Coreia do Norte renovar sua frota de aviões de combate, na maioria com algumas décadas de uso, há sinais de que profissionais russos já prestam consultoria no desenvolvimento de mísseis balísticos e foguetes de transporte de satélite, atividades vetadas por sanções do Conselho de Segurança da ONU, aprovadas com o voto de Moscou. O local escolhido para a reunião entre os dois líderes em 2023, o Cosmódromo de Vostochny, no Leste russo, foi um símbolo dessa parceria.
— Se os norte-coreanos estão recebendo assistência técnica russa como eu suspeito, eventualmente poderão avançar de forma rápida e ter sucesso no lançamento de um novo veículo de transporte espacial em questão de meses — afirmou à Newsweek Ankit Panda, especialista do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, referindo-se ao novo foguete desenvolvido pelos norte-coreanos que fracassou em um lançamento no final de maio.
Pela agenda, haverá um concerto de gala em homenagem ao presidente russo, uma recepção de Estado e uma visita ao memorial dedicado aos soldados do Exército Vermelho que lutaram pela libertação da Península Coreana do domínio japonês, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Segundo o site NK News, imagens de satélite do centro de Pyongyang sugerem preparativos para um evento de grande porte, incluindo uma eventual parada militar. Demonstrações do tipo normalmente não são destinadas a autoridades estrangeiras, mas em 2019 o presidente chinês, Xi Jinping, foi homenageado pelos norte-coreanos em seus “Jogos de Massa”, protagonizados por dezenas de milhares de pessoas no Estádio 1º de Maio Rungrado, o maior do mundo. Na quarta-feira, Putin segue para o Vietnã.
O diálogo ocorre em meio a um cenário cada vez mais perigoso na região. Pequim tem elevado o tom de sua retórica sobre Taiwan, considerada uma província rebelde pelos chineses, ao mesmo tempo em que os EUA intensificam seus contatos e ações para ampliar sua lista de aliados na Ásia e Pacífico. Na Península Coreana, a chegada de Yoon Suk-yeol ao governo sul-coreano foi sucedida pela deterioração dos laços ao longo do Paralelo 38 e pelo desmantelamento de iniciativas de normalização.
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Em termos mais amplos, um eventual pacto de grande porte entre dois países com capacidade nuclear não deixará de ser uma resposta ao Ocidente e seu apoio quase incondicional à Ucrânia (com quem os EUA assinaram um vago pacto de segurança na semana passada, e têm fornecido bilhões de dólares em ajuda), a Taiwan e à Coreia do Sul.
"Apreciamos muito o forte apoio da Coreia do Norte à operação militar especial russa [forma como o Kremlin se refere à guerra] na Ucrânia, a sua solidariedade em questões internacionais fundamentais e a sua disponibilidade para defender prioridades e pontos de vista comuns nas Nações Unidas", escreveu Putin em artigo publicado no jornal Rodong Sinmun horas antes de sua chegada. "Pyongyang foi e continua a ser a nossa fiel apoiadora, pronta para resistir resolutamente ao desejo do Ocidente de impedir a formação de uma ordem mundial multipolar baseada na justiça, no respeito mútuo pela soberania e na consideração dos interesses de cada um."
Entre os críticos de Putin, a visita está sendo tratada com ceticismo moderado.
— A viagem não nos preocupa. O que nos preocupa é o aprofundamento da relação entre esses dois países — disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, nesta segunda-feira.
Ao comentar a viagem, o chanceler ucraniano, Dmytro Kuleba, chamou a aproximação de Putin e Kim de "bromance", gíria em inglês usada para descrever uma relação próxima entre dois homens, ao mesmo tempo em que cobrou o envio de baterias de míssseis Patriot para Kiev. Para o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, a visita não passa de um sinal de fraqueza e até isolamento de Putin.
— Essa viagem demonstra o quão dependente agora é o presidente Putin, e Moscou, de países autoritários de todo o mundo — declarou Stoltenberg a jornalistas, durante visita a Washington. — Seus amigos mais próximos e os maiores apoiadores do esforço bélico russo, da guerra de agressão, são a Coreia do Norte, o Irã e a China.
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