Geral
Chico Buarque, que completa 80 anos, inspira jovens cantores e compositores
The Bial e o rapper Yago Oproprio estão entre os discípulos do músico, que influencia diferentes estilos e gerações
Ícone pop nos memes com o Chico-risonho-Chico-sério da capa de seu LP de estreia, de 1966, Chico Buarque não somente tem atraído a garotada para os seus shows como é reconhecido como influência decisiva para uma série de novos compositores e intérpretes brasileiros.
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Aos 26 anos, Theo Bial tem um show apenas de canções de Chico Buarque. Theo diz louvar esse cara que aprendeu tudo com Tom Jobim e Vinicius de Moraes e que depois encontrou a sua própria linguagem — um casamento de sofisticação e popularidade.
— Chico consegue ser muito versátil, mas sempre dentro daquela identidade dele. Acho que ele faz a arte pela arte — acredita Theo. — Em “Beatriz”, tem aquela coisa de botar a palavra “céu” na nota mais aguda e a palavra “chão” na nota mais grave.
Para ele, as pessoas da sua geração “gostam do Chico mais do que elas imaginam”.
— Elas cantam “Partido alto” ou “Cotidiano”, que Seu Jorge gravou, e nem sabem que é dele — diz Theo, para quem a recente popularização do samba entre a juventude levou Chico junto.
Tensão
Cantor e compositor, o gaúcho Jona Poeta, de 35 anos, teve seu primeiro contato com a obra de Chico com “Futuros amantes”, que ouvia na trilha da novela “História de amor” (1995). E o manteve no radar. Quando começou a compor, de vez em quando via surgir canções melancólicas e tensas, nas quais amigos detectaram inspiração de Chico. Ano passado, ele as reuniu no EP “Canções que fiz com Chico”.
— Um dia falei: “Caramba, são canções que eu fiz com Chico, respondendo na minha cabeça a uma letra dele!” Fiquei com medo, pensando “será que o Chico vai me processar?” E aí falei: “Se ele processar, pelo menos ele vai saber que eu existo!” — conta ele.
Jona observa que a forma de Chico contar uma história de amor sempre foi universal:
— São poucas as canções em que você consegue identificar o gênero. E também teve algo que não sei se foi um cuidado ou se é da própria índole dele de endereçar esse assunto com muito respeito. Acho que Chico encontrou um equilíbrio muito importante entre ser um apoiador da causa e não protagonizar uma causa que que talvez não seja a dele.
‘Genialidade’
O rapper paulistano Yago Oproprio, de 29, também reconhece em Chico um personagem muito importante para a sua carreira — que chega a um ponto alto com “Oproprio”, lançado há duas semanas, pela Som Livre.
—Nesse disco, tenho uma música que chama “Papoulas”, que começa assim: “Eu mato, eu passo, eu quebro, eu chuto...” Nela, peguei como referência a canção “Não sonho mais”, que tem esse lugar do amor visceral do “te rasgamo a carcaça/ descendo a ripa/ viramo as tripas...” — exemplifica.
Yago diz admirar a “genialidade dessa subjetividade de fazer músicas que passavam pelo filtro da ditadura, essa delicadeza de passar uma mensagem de maneira quase subliminar”.
Primeira pessoa
Cantor e guitarrista da banda de rock Selvagens à Procura de Lei, Gabriel Aragão, de 35, aprecia em Chico a capacidade de pôr-se em primeira pessoa nos personagens. E foi Chico que falou alto em “Rua Mundo Novo” (2023), seu álbum solo, com produção de Marcelo Camelo:
— Falei para o Camelo: “Para esses sambas do disco eu quero muito trazer aquela batida forte, da baqueta no aro da bateria, que tem no primeiro disco do Chico.” E ele: “Ah, meu amigo, deixa comigo, isso aqui é o samba de Jacarepaguá!”
A faixa-título foi inspirada na história de um homem que vivia na rua até comprar sua casa própria numa rua chamada Mundo Novo.
— Esse lado mais politizado do Chico mexe com o meu coração nordestino — diz o cearense Gabriel. — Chico não é um cara que veio do meio do povo, mas consegue ter uma empatia tão bonita, de se colocar ali, que me fez querer também fazer isso.
Sem problematização
Para a doutoranda em Comunicação e Cultura Taissa Maia, autora do livro “A todo vapor: o Tropicalismo segundo Gal Gosta”(Garota FM Books), o culto jovem a Chico Buarque se dá num contexto de comunicação “em que o consumidor passa a ser muito mais ativo nesse processo de consumo de um conteúdo”. Um novo mundo no qual foi criada até a fanfic sobre uma paixão platônica de Chico por Caetano Veloso. E em que se problematiza, com argumentos de representatividade feminina, canções como “Com açúcar e com afeto”.
— Mas “Folhetim”, por exemplo, hoje está sendo apropriada pelas meninas mais novas como uma letra que vai afirmar a propriedade que elas têm do próprio corpo e da própria vida. Não estamos mais no contexto da produção da música, mas ela faz sentido para hoje — analisa Taissa. — É importante compreender que a música reflete um imaginário coletivo de uma época, e que a cobrança ética por si só em relação a ela acaba sendo inócua e pouco produtiva para o debate feminista.
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