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Conheça principais organizações criminosas que atuam na Itália, sede da cúpula do G7

Baseados nas cidades costeiras de Bari e Brindisi, onde os líderes do G7 se reunem até este sábado, clãs têm realizado ataques à luz do dia e em ritmo alarmante

Agência O Globo - 14/06/2024
Conheça principais organizações criminosas que atuam na Itália, sede da cúpula do G7

Um racha violento em uma máfia pouco conhecida — mas poderosa — do Sul da Itália forçou a elaboração de um esquema de segurança especial para a recepção dos líderes das sete maiores economias do mundo em Puglia. As forças antimáfia têm intensificado os esforços contra três grupos mafiosos, ramificações da organização criminosa Sacra Corona, que disputam espaço na região.

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Baseados nas cidades costeiras de Bari e Brindisi, onde os líderes do G7 se reunem até este sábado, esses clãs têm realizado ataques à luz do dia e em ritmo alarmante, criando um ambiente de violência crescente na região, segundo a Digos (Divisão de Investigações Gerais e Operações Especiais), a principal unidade antiterrorismo e antimáfia da Itália.

Além do roubo de carros e invasões, também houve casos de mutilações e assassinatos com base em vingança entre os clãs nos últimos meses, segundo relatos da mídia italiana, com ameaças de bombas em estações de trens. Além da Sacra Corona, ao menos outras três grandes organizações criminosas atuam na Itália.

'Ndrangheta

A 'Ndrangheta, com sede na região empobrecida da Calábria, no sul de Itália, é a mais rica e poderosa das máfias italianas graças ao seu monopólio do tráfico de cocaína na Europa. Presente em cerca de quarenta países, exerce domínio absoluto na sua região, infiltrando-se e corrompendo a administração pública e impondo-se à população.

Desde janeiro de 2021, três juízes passaram milhares de horas ouvindo testemunhas, incluindo gângsters arrependidos que se tornaram colaboradores da justiça, sobre as atividades da família Mancuso e dos seus associados, um importante clã 'Ndrangheta que controla a província de Vibo Valentia.

“O julgamento visa uma das famílias mais importantes da ‘Ndrangheta, radicada na Calábria e com ramificações internacionais”, explicou à AFP Antonio Nicaso, especialista em máfia.

Os testemunhos mais chocantes foram os de cinquenta arrependidos, entre eles o próprio sobrinho de Luigi Mancuso, Emanuele. Entre outras questões, foram revelados segredos sobre o esconderijo de armas em cemitérios ou ambulâncias usadas para transportar drogas. Os depoimentos explicaram como a água municipal era desviada para irrigar plantações de maconha.

Aqueles que se opuseram à máfia descobriram cachorrinhos mortos, cabeças de cabra e até cabeças de golfinhos na porta de suas casas, sem falar em carros queimados e vitrines quebradas. Alguns também foram espancados ou baleados e outros desapareceram sem que seus corpos fossem encontrados.

Há muito subestimada, a 'Ndrangheta desenvolveu-se silenciosamente durante décadas, enquanto as autoridades concentravam os seus esforços na Cosa Nostra, a máfia siciliana retratada em filmes como "O Poderoso Chefão".

Em 1986, foi realizado em Palermo o primeiro macro julgamento contra seus membros, que resultou na condenação de 338 gangsters. Atualmente, os especialistas estimam que a 'Ndrangheta, composta por cerca de 150 famílias calabresas, tenha um volume de negócios anual de cerca de US$ 50 bilhões (mais de R$ 267 bilhões) em todo o mundo.

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Com a ajuda da Interpol, a Itália conseguiu reforçar o seu controle sobre a rede criminosa nos últimos anos. Isto permitiu às forças policiais de todo o mundo identificar e prevenir as atividades da 'Ndrangheta no seu território. Mas, apesar da magnitude das operações contra o grupo, é pouco provável que ele mude a forma como opera, dizem os especialistas.

Camorra

Originada na região da Campânia e tendo seus membros mais influentes em Nápoles e Caserta, a Camorra tem como seu principal negócio o tráfico de drogas, praticando métodos extremamente brutais, segundo a BBC. A organização também recebe dinheiro fruto de extorsão de empresas de construção, firmas de descarte de lixo tóxico e da indústria têxtil.

Chefe da Camorra napolitana, Marco Di Lauro foi preso em 2019. Quarto filho do líder da organização, Paolo Di Lauro, ele foi preso sem violência em um apartamento no bairro de Chiaiano, no sul de Nápoles, onde estava com sua mulher, informaram agências de notícias italianas. Ele era o único filho de Paolo Di Lauro que permanecia solto.

Di Lauro escapou em 2004 de uma grande operação policial e, desde 2006, tinha um mandado de prisão internacional em seu nome. Em 2010, um informante o acusou de pelo menos quatro mortes. Seu pai, Paolo Di Lauro, foi chefe da Camorra nos bairros napolitanos de Scampia e Secondigliano. Pelo menos 130 pessoas foram mortas em lutas internas da máfia napolitana em 2004, quando houve uma divisão entre os clãs Di Lauro e Amato-Pagano.

No início deste ano, um dos mais famosos chefes da máfia italiana, Francesco "Sandokan" Schiavone, tornou-se um colaborador da justiça após 26 anos de prisão. Schiavone, ex-líder do clã Casalesi com sede em Casal di Principe, perto de Nápoles, era considerado um dos criminosos mais ricos e cruéis da Europa quando foi preso em 1998.

Ele foi condenado a várias penas de prisão perpétua no julgamento "Spartacus" de 36 membros do clã Casalesi. Sua decisão de colaborar com a justiça constituiu "mais um golpe contra a Camorra e o crime organizado", congratulou-se Chiara Colosimo, presidente da comissão parlamentar antimáfia.

Cosa Nostra

No início do ano passado, a Cosa Nostra sofreu um baque. O chefe da organização, Matteo Messina Denaro, foi morto após três décadas de fuga, levando para o túmulo os segredos do seu reinado brutal na Itália. Denaro, de 61 anos, recebia tratamento para câncer de cólon enquanto estava detido em uma prisão de segurança máxima em L'Aquila, mas foi transferido no mês passado para o hospital depois que sua condição piorou.

Messina Denaro foi um dos chefes mais cruéis da Cosa Nostra, retratado nos filmes da saga “O Poderoso Chefão”. Ele foi condenado pelos tribunais por seu envolvimento no assassinato do juiz antimáfia Giovanni Falcone, em 1992, e em ataques mortais em Roma, Florença e Milão, em 1993.

Apelidado de Diabolik, nome de um protagonista criminoso de uma famosa história em quadrinhos italiana, ele era o líder indiscutível da organização, que também tem tentáculos no mercado imobiliário, setor de energia eólica e apostas online.

O investigador e escritor Antonio Nicaso, especializado em máfias, explicou, no ano passado, que a Cosa Nostra atravessa “um momento importante”, porque está em plena reorganização e “está a deixar para trás o longo período de massacres e ataques” contra juízes, representantes de instituições, jornalistas e até contra o património artístico, típico do período em que o grupo Corleonese dominou na Sicília, nas décadas de 1980 e 1990, com Riina à frente, de quem Messina Denaro era um discípulo.

— A máfia siciliana volta a fazer o que sempre fez: usar a violência apenas quando estritamente necessário. A fase dos Corleoneses foi uma exceção, uma anomalia na história da organização criminosa — considera Nicaso.

Nicaso salienta que a máfia siciliana está novamente a se concentrar em negócios sujos e na corrupção. Não por acaso, as autoridades interceptaram recentemente carregamentos de cocaína em Palermo e Catânia. O especialista, que é consultor de governos e de diversas organizações que estudam o crime organizado, acredita que a Cosa Nostra tenta recuperar o terreno perdido durante o período dos ataques dos anos 1990, e que foi conquistado pela 'Ndrangheta, a máfia da Calábria, atualmente a mais poderosa da Itália.

A 'Ndrangheta "conseguiu ultrapassar o resto das máfias, porque cresceu economicamente em silêncio enquanto o Estado se concentrava na luta contra a Cosa Nostra”, segundo Nicaso. Agora a Cosa Nostra está redesenhando as relações com a política, com os ambientes institucionais, com as altas esferas da economia e das finanças, para regressar aos níveis anteriores aos ataques, agora está mais interessada em ganhar dinheiro e adquirir poder do que usar a violência ou desafiar o Estado, acrescenta o especialista.

Nicaso esclarece que, tradicionalmente, “as máfias não desafiam o Estado, mas antes infiltram-se nele”.

— Tentam infiltrar-se no tecido económico, estabelecem relações com a política e as finanças, porque este tipo de violência, baseada na corrupção e nas relações de poder, é muito mais difícil de detectar e derrotar — explica Nicaso, que lembra que a máfia sempre foi “um dos primeiros em poder econômico”, especialmente graças ao tráfico internacional de heroína e à sua rede de laboratórios, que lhe permitiu enviar a droga para os Estados Unidos e para metade do mundo.

Agora, a Cosa Nostra “está concentrada mais na sua dimensão econômica e menos na militar”, diz Nicaso. O próprio Messina Denaro já se estava afastado de métodos sangrentos em sua última etapa e focou mais nos negócios, o que lhe rendeu críticas até Riina.

— Ele criou uma rede de relacionamentos que lhe permitiu passar 30 anos escondido, perto de sua casa. Se não fosse a doença [ele sofria de câncer terminal], teria sido difícil ele ter sido preso — afirma o especialista. — É prematuro escrever o obituário da máfia siciliana, que tem uma grande capacidade de regeneração e adaptação a novas situações.

Sacra Corona

A "Sagrada Corona Unida" (na tradução literal) é considerada a "quarta máfia" da Itália, a mais recente delas. Seus integrantes operam majoritariamente no país natal (com foco em Brindisi, Lecce e Taranto) e nos Bálcãs, diferentemente de outras máfias italianas mais conhecidas, como a Cosa Nostra (na Sicília), Camorra (em Nápoles) e 'Ndrangheta (na Calábria), que têm amplas operações internacionais. Menos sofisticadas que os conglomerados mais famosos, não são menos violentas.

Enquanto as mais famosas adotaram uma postura mais "nas sombras" para sobreviver, os braços decorrentes da Sacra Corona ainda se impõem pela violência — em disputas entre os próprios "batalhões familiares" e em intimidações de autoridades (em fevereiro, por exemplo, uma cabeça de bode com uma faca foi colocada em frente à residência da juíza Francesca Mariano).

Embora menos conhecido que os demais, a Sacra Corona tem seus primeiros registros datados do fim dos anos 1970. No entanto, só se estabeleceu formalmente como tal em 1983, conforme um documento encontrado na cela de um dos fundadores, Pino Rogoli (preso por assalto à banco e assassinato). Era o estatuto da nova máfia. A ideia dos criminosos era fazer frente a outros mafiosos na região de Apúlia. Foi na cadeia que ele teria tido contato com chefes da 'Ndrangheta, cujos moldes serviram de base para o novo grupo criminoso.

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Nos anos que se seguiram, a Sacra Corona nunca conseguiu conter rachas internos e operar em unidade, como o fizeram outros grupos mafiosos. Vários líderes "desertaram" e formaram seus próprios grupos (emboram tenham prosperado sobretudo nos anos 1990, muitos deles foram presos no início dos anos 2000).

Em fevereiro deste ano, a Sacra Corona esteve sob os holofotes da mídia internacional depois que Marco Raduano, uma das pessoas mais procuradas da Europa, foi preso na ilha francesa da Córsega. Ele Líder da "Società Foggiana", grupo ativo na província italiana de Foggia, em Apúlia, ele fugira da prisão um ano antes da recaptura.

Apontado como um dos chefes do grupo mafioso e descrito como "perigoso" pelas autoridades europeias, ele cumpria pena de 18 anos por tráfico de drogas quando protagonizou uma fuga cinematográfica de um presídio da ilha da Sardenha, na Itália. O mafioso escapou da penitenciária de Badu'e Carros, à luz do dia, após descer dois andares de muro por uma corda feita com lençóis.

De acordo com investigadores internacionais, a "quarta máfia" se financia a partir de atividades criminosas como o tráfico de drogas e armas, o contrabando de cigarros, assaltos à mão armada e extorsão (roubam carros, caminhões com carga e gado antes de pedirem "resgate"). Lava dinheiro por meio de diferentes mercados e, para garantir a continuidade dos negócios, corrompe políticos, policiais e outras autoridades. Em 2021, o conselho municipal de Foggia chegou a ser dissolvido por ter sido "infiltrado" pela máfia, e o prefeito foi preso.

Estima-se que mais de cinco mil pessoas integrem o grupo e haja mais de 30 ramificações. As máfias italianas, como a Sacra Corona, se guiam pelos conceitos de família, poder, respeito e território. De acordo com a Europol, agência europeia de inteligência, elas são capazes de manipular eleições e até mesmo infiltrar seus membros em cargos administrativos fora dos territórios que controlam (investigações apontam que, embora atue mais localmente, a quarta máfia tenha presença na Albânia e alguma operação na Alemanha, nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo).