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A tua vida, tu a repetirias?
Na vida, “a gente quer ter voz ativa \ no nosso destino mandar \ mas eis que chega a roda-viva \ e carrega o destino pra lá”. E aí “roda mundo, roda-gigante \ rodamoinho, roda pião \ o tempo rodou num instante \ nas voltas do meu coração”.
Pronto, a vida acabou. Vida de conveniências ou de revolução. Todo mundo dançou. “Foi tudo ilusão passageira \ que a brisa primeira levou \ no peito saudade cativa \ faz força pro tempo parar” (Roda Viva, Chico Buarque).
O tempo não para \ cansado de correr \ sem pódio de chegada \ mas se você achar \ que eu tô derrotado \ saiba que ainda estão rolando os dados \ porque o tempo, o tempo não para (O Tempo Não Para, Cazuza).
No fim de contas, em que ficamos? Lamento e me advirto: ao fim e ao cabo, nada. Não ficamos. A vida é o meio. A vida é caminho. “Penso que cumprir a vida \ seja simplesmente \ compreender a marcha \ e ir tocando em frente.
Eu vou tocando os dias \ pela longa estrada, eu vou \ Estrada eu sou \ Cada um de nós compõe a sua história \ Cada ser em si \ Carrega o dom de ser capaz \ E de ser feliz” (Tocando Em Frente, Almir Sater).
Mas, “Caminhante, não há caminho \ se faz caminho ao andar \ ao andar se faz caminho \ e ao voltar a vista atrás \ se vê a senda que nunca se há de voltar a pisar” (Caminhante, Antônio Machado).
O caminho são teus passos, caminhante. Teus erros e teus acertos são tuas pegadas. Nada mais há. E então, se tiveres que recomeçar? Refarias teus passos? Pisarias nas tuas mesmas pegadas? A indagação é de Nietzsche.
O eterno retorno: Se te dissessem que eternamente reviverias, como a viveste, a tua própria vida? Tu rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou considerarias que jamais ouviste algo mais divino?
Se esse pensamento tivesse o poder de fazer efeito sobre ti, diante de tudo e de cada coisa, tu quererias repetir a tua vida uma e inúmeras vezes? Ou a tua vida, como a vives, seria um pesado fardo, se a tivesses que repetir?
Se pudesses repeti-los, tu reconduzirias teus passos por sobre as mesmas pegadas que deixaste no caminhar pela vida? Senão, que refarias do teu existir para que o eternamente repeti-lo te fosse eternamente prazeroso?
A resposta é de Nietzsche: a vida como obra de arte. A construção de uma ética no processo de subjetivação de certos valores e de exclusão de outros, a qual propicie um modo de viver que favoreça a existência do sujeito.
Estética da existência: crítica dos valores generalizantes, que condicionam aos critérios supostamente universais e pretensamente verdadeiros as infinitas possibilidades de experimentar a vida, empobrecendo-a.
Marca da Modernidade, o Discurso sobre o método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência: Descartes duvida sistematicamente de tudo, sejam entendimentos que vigoram por mera repetição, sejam suas próprias concepções.
As “notas” da composição individual, contudo, não estão em outro lugar senão no entorno do indivíduo, onde a vida concreta acontece. Sartre acode: se a existência precede a essência, importam as condições de existir.
Foucault: há um transcorrer do saber de si para o cuidar de si. “Ocupar-se de si não é uma sinecura (...) Em torno dos cuidados consigo toda uma atividade se desenvolveu (...) na qual se ligam o trabalho para consigo e a comunicação para com outrem”.
Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias, se não cuido delas, não cuido de mim”. Sou indissociável da realidade. Quando decido sobre mim mesmo faço-o nas condições de possibilidade do meu momento e do meu lugar.
Caminhante, o caminho se faz ao caminhar. Certo, o teu caminho muito particular tu o fazes ao andar mesmo. Mas, e quanto ao sítio de tuas caminhadas? Que paisagens tu imaginas que oferecerás a ti mesmo, no teu caminho?
A paisagem da tua estrada é a tua companhia, é o teu lugar. Estamos condenados a dadas ou buscadas circunstâncias e a fazer escolhas. As minhas circunstâncias dão sentido a mim; eu dou sentido às minhas circunstâncias.
Ao cabo, é de saber: repetirias a tua vida exatamente como a viveste? Se sim, fizeste dela uma obra de arte. Te compuseste bem a ti mesmo e serás eternamente assim. Mas tu e tua excelência de ser não viverão só.
Foucault: “No transcorrer do tempo, a finalidade do cuidado de si era a cidade. O governante, para salvar-se a si mesmo, havia de salvar a cidade”. A cidade mediatizava e mediatiza a nossa relação conosco, fazendo-me objeto e finalidade.
Nós viveremos nalguma cidade do Brasil (Que País é Este?, Legião Urbana), num derredor que não está nada bem. Se não cuido das circunstâncias, não cuido de mim. O tempo não para. Caminhante, no caminho haverá eleição.
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