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Quase 70 anos depois, há vacinas para a principal causa de bronquiolite em crianças. Qual o impacto esperado?

Vírus sincicial respiratório (VSR) provoca mais hospitalizações do que a Covid-19 abaixo dos 2 anos e é ligado a milhares de mortes entre idosos anualmente

Agência O Globo - 09/06/2024
Quase 70 anos depois, há vacinas para a principal causa de bronquiolite em crianças. Qual o impacto esperado?
Quase 70 anos depois, há vacinas para a principal causa de bronquiolite em crianças. Qual o impacto esperado? - Foto: Reprodução/internet

Ainda em 1956, cientistas identificaram pela 1ª vez o vírus sincicial respiratório (VSR), um patógeno conhecido de muitos pediatras por ser a principal causa de bronquiolite abaixo dos dois anos. Logo nos anos 60, começaram os primeiros testes de vacinas para barrar o patógeno. Porém, após uma sucessão de ensaios clínicos mal sucedidos, o mundo enfim aprovou o primeiro imunizante para o VSR em 2023, quase sete décadas depois.

O sinal verde foi motivo de celebração, já que o impacto do vírus é semelhante ao observado em outros patógenos que causam doença respiratória, como o Influenza, afirmam especialistas. Dados do projeto Infogripe, da Fiocruz, que se baseia no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), revelam essa carga.

Em 2023, foram 179 mil casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), que demandam hospitalização, no país, 71,2 mil deles com resultado laboratorial confirmado para algum vírus respiratório. Destes, 23 mil foram causados pelo VSR, 32,4% do total, atrás apenas da Covid-19. E a grande maioria deles, 19,7 mil, entre os menores de 2 anos – 85,4% do total.

Além disso, quando observada apenas a faixa etária, o impacto do VSR é maior até mesmo que o da Covid-19 – o vírus respondeu por mais de cinco vezes o registrado pelo coronavírus. Esse impacto sobrecarrega unidades hospitalares durante o período de maior circulação do patógeno, geralmente entre maio e julho.

— O número de casos é muito grande abaixo de dois anos, é uma causa frequente de internação que leva a um impacto grande nos serviços de saúde público e privado. As UTIs neonatais ficam lotadas com crianças com VSR — diz a professora de Infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Raquel Stucchi.

E não são apenas os mais novos que são afetados pelo vírus, aqueles acima de 65 anos também enfrentam uma carga alta da doença. Não há um bom monitoramento dos números na faixa etária, explica a pediatra e diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai, mas estimativas dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), por exemplo, apontam para até 10 mil mortes ao ano entre idosos pelo VSR nos país norte-americano.

— No Brasil não temos, por falta do hábito de diagnóstico laboratorial, dados exatos sobre o impacto nessa faixa etária. Precisamos fazer a vigilância dos casos em idosos para saber como é a situação real. Mas em outros países, em que isso é há bastante tempo estudado, vemos que o impacto chega a ser maior, que a mortalidade é de cerca de 45% a 50% — afirma.

Quais vacinas estão disponíveis?

A primeira vacina a receber um aval foi a Arexvy, desenvolvida pela GlaxoSmith Kline ( GSK). Em dezembro de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também a aprovou no Brasil. Ela é destinada a idosos a partir de 60 anos e aplicada em dose única.

Por enquanto, está disponível apenas no mercado privado, a preços de até R$ 1.704,15, segundo determinação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Em média, pode ser encontrada por R$ 1.650 em clínicas e farmácias pelo país. Nos estudos clínicos de fase 3, apresentou uma eficácia de 82,6% para prevenir doença do trato respiratório inferior (DTRI) causada pelo VSR, e de 94,1% para evitar quadros graves de DTRI.

Já em abril deste ano, a Anvisa, seguindo movimento dos EUA, aprovou um segundo imunizante, a Abrysvo, vacina de dose única desenvolvida pela farmacêutica americana Pfizer. A diferença é que, além de idosos, a aplicação também é destinada a gestantes, durante o segundo ou terceiro trimestre da gestação, com o objetivo de transferir a proteção para o bebê.

Nos estudos clínicos de fase 3, a estratégia reduziu em 81,8% os casos de doença respiratória grave nos primeiros três meses de vida do recém-nascido, e em 69,4% seis meses após o nascimento. Já entre os idosos, a eficácia foi de 88,9% contra DTRI durante uma primeira temporada de maior circulação do vírus, e de 77,8% durante uma segunda.

— Ambas as vacinas têm demonstrado eficácia significativa em estudos clínicos e são consideradas seguras, com perfis de segurança bem estabelecidos. E são conquistas significativas, pois após décadas de pesquisa e desenvolvimento agora dispomos de ferramentas eficazes para prevenir uma doença que causa milhares de hospitalizações e mortes anualmente — afirma Leonardo Weissmann, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, e professor da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP).

A dose da Pfizer, no entanto, ainda não está disponível no mercado brasileiro. Após a autorização, ainda é necessário que ela passe pelo processo de precificação junto à CMED para que depois possa ser ofertada. Ballalai, da SBIM, diz que a expectativa é que ela chegue ao país no segundo semestre.

Além disso, há um terceiro imunizante que foi aprovado no último dia 31 nos Estados Unidos, para idosos, mas que ainda não entrou em análise no Brasil. É também uma dose única desenvolvida pelo laboratório Moderna com a mesma tecnologia da vacina da Covid-19, o RNA mensageiro.

Qual o impacto esperado?

Diante da eficácia das doses, os especialistas ouvidos pelo GLOBO destacam que aqueles que receberem os imunizantes terão uma alta proteção individual. Porém, para se observar um impacto na curva da doença, explicam que seria necessária uma incorporação da vacinação no Sistema Único de Saúde (SUS) para alcançar coberturas vacinais elevadas.

— A experiência com outras vacinas respiratórias, como a da gripe, sugere que, com a alta cobertura vacinal, poderemos observar uma redução substancial nas taxas de morbidade e mortalidade nos próximos anos, alterando de forma positiva a epidemiologia da doença. A incorporação das doses contra o VSR no SUS seria altamente benéfica — diz Weissmann.

É como pensa também Ballalai: — Eu gostaria muito que elas fossem incorporadas no SUS, porque para vermos um impacto nos números da doença precisamos dessa cobertura vacinal. E isso está longe de acontecer agora, porque temos apenas uma vacina disponível que é somente na rede privada e é cara. Cobertura mesmo só vamos ter quando for incluída no PNI.

Para serem ofertadas na rede pública, as vacinas devem ter o pedido solicitado à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) pelas farmacêuticas ou por autoridades de saúde brasileiras. Ela é o órgão que avalia o custo-benefício e dá um parecer, sugerindo ou não a inclusão. No final, a decisão é do Ministério da Saúde.

— A incorporação no SUS como toda e qualquer vacina dependerá da disponibilidade produtiva do fabricante e do custo dessas doses. Seria importante, porque essas infecções têm um impacto significativo nos serviços de saúde. Se isso acontecer, provavelmente serão indicadas para gestantes, protegendo os bebês, e para adultos acima de 60 anos, possivelmente com foco naqueles com comorbidades, que têm mais risco de doença grave — avalia Stucchi.