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‘Sou assim porque me faltou vacina’, diz aposentada que enfrenta sequelas da poliomielite
Fátima Ângela fala sobre vida difícil por ter deficiência motora e como tenta incentivar famílias a vacinar

“Fui diagnosticada com poliomielite aos 6 meses de idade. Não tomei a vacina. Naquela época, os anos 1970, minha mãe dizia que as doses não estavam tão disponíveis nos postos de saúde. Acho não era bem assim (como ela disse), mas também não posso mais perguntar tantos detalhes sobre isso porque ela já faleceu. Acho que não era tão divulgado como é hoje, talvez.
Penso que, de alguma forma, mesmo com tanta dificuldade, tive até sorte com a sequela deixada pela doença, porque fiquei apenas com um braço totalmente atrofiado, o direito, algo que não é tão comum em casos como o meu, poderia ser mais grave. Infelizmente, não pude procurar médicos para tentar amenizar o problema, nem fiz cirurgias para reparar meu caso. Minha médica, hoje em dia, diz que talvez isso tivesse melhorado meu quadro, pelo menos um pouco.
Na escola foi tudo muito difícil. Diziam que, por conta da minha deficiência, eu não seria nada, que não serviria, e me colocavam apelidos. Falando a realidade? Não aguentei o preconceito e larguei a escola na terceira série. Até o professor tinha preconceito comigo. Ainda criança, falei para minha mãe que eu não aguentava mais e que não ia voltar.
Na minha casa, fui única com um caso de pólio, mas não sei dizer se meus irmãos chegaram a ser vacinados. Eu tenho certeza de que eu não fui. Meu quadro de poliomielite também afetou meu pulmão, passei a ter asma, para a qual faço tratamento até hoje. Cheguei a ficar internada quando bebê, no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Tive o sonho de ser policial, mas com essa doença respiratória nunca cheguei ao condicionamento físico de que precisava.
Trabalhos
Na adolescência, aos 14 anos, consegui um emprego empacotando feijão no Brás. Cheguei a pedir esmolas, algo que de nunca gostei e que me fazia muito mal, mas com o primeiro trabalho minha vida mudou um pouquinho para melhor. Eu continuava sem estudos. Aos 17 anos, tive meu primeiro filho e a empresa que eu trabalhava faliu. Minha mãe faleceu nessa época também. Voltei a pedir esmolas e engravidei novamente. Era horrível, eu odiava, queria trabalhar. Era tudo muito difícil pois ninguém queria contratar uma pessoa com uma mão só (para fazer as coisas), sabe?
Apesar da minha sequela, eu insisti para trabalhar. Minha mãe mesmo nunca me deu moleza, insistia para que eu fizesse as coisas. Ela me dizia que eu seria capaz de tudo. Tive o incentivo a me virar. Depois de voltar às ruas para pedir dinheiro, passei a vender balas também, que era melhor do que as esmolas, pois ali as pessoas estavam comprando algo. Notei que aquilo não era bom pra mim e voltei à escola. Fiz o Ensino Médio e o Fundamental, concluí tudo.
Depois disso fui fazer faxinas (para buscar sustento), mas era doloroso, meu braço paralisado ficava roxo de hematomas, porque tinha que apoiar as vassouras nele. Mesmo assim fiz esse trabalho por um bom tempo. Ao longo das diárias, eu observava os vigilantes patrimoniais e pensei que poderia fazer o mesmo — e que o trabalho não seria muito pesado. Aos poucos fui fazendo amizade com os seguranças e entendendo como eu poderia fazer o mesmo que eles. Ao procurar formação, ouvi que nunca seria vigilante. Respondi que para mim aquela frase ‘nunca seria’ não existia para mim.
Pós-pólio
Consegui passar no curso e trabalhei de vigilante até o retorno dos efeitos da poliomielite, cheguei a ter dois empregos. Fui diagnosticada com síndrome pós-poliomielite (SPP), uma sequela neurológica, em 2022, mas já tinha sintomas desde 2018. Em primeiro lugar tive problemas nos rins, uma infecção me fez ficar internada dez dias. Passei por uma bateria de exames e por uma cirurgia no órgão. Depois, tive problemas na bexiga, a urina saía sozinha. Um tempo depois, meu braço esquerdo, o que eu uso para tudo, começou a doer e ter quadros de queimação. Chegaram sugerir que seria síndrome do túnel do carpo (problema em um nervo importante das mãos).
Essa síndrome pós-pólio engana muito, em pouco tempo perdi o emprego. E, com a pandemia, perdi o rumo da vida. Tudo virou do avesso. Só depois descobri que era uma sequela tardia da poliomielite.
Uma médica disse que era um caso de esclerose lateral amiotrófica (ELA). Fiquei desesperada. Essa doutora me encaminhou para um hospital de referência e lá um médico deu o diagnóstico da síndrome pós-polio. Estranhei, expliquei aos médicos que tive a doença na infância. Eles me orientaram que essa síndrome era outra coisa, uma sequela tardia da doença, que poderia aparecer a partir de 15 anos após tê-la pela primeira vez.
Cadeira de rodas
Agora uso cadeira de rodas motorizada para sair de casa e andar pelas ruas, ir aos meus exames. A médica queria que eu usasse dentro de casa também, mas não quero, ainda quero me movimentar. Pretendo voltar à fisioterapia porque ajuda nas dores, junto com o analgésico.
Meus cinco filhos já são criados, não precisam de mim, meus seis netos precisam um pouco mais. Não quero ficar deitada numa cama. A poliomielite ficou silenciosa por 49 anos, depois de ter paralisado meu braço. Eu tenho vários grupos na internet com outros sobreviventes da doença. Infelizmente, não consigo mais segurar meus netos no colo, tenho medo de derrubá-los. Para fazer café, tive que adaptar os equipamentos, para não me queimar, como já aconteceu.
Não consigo mais trabalhar, fui aposentada. Eu queria continuar como vigilante, mas fiz o que a psiquiatra me mandou e transformei minha casa em uma floresta, cheia de plantas. É uma distração mental para mim. Sei que a minha cabeça não pode parar. Temos que cuidar do psicológico.
Foi tudo muito difícil. Fui criada sem fotos como criança, só tirava na escola porque era necessário. Sempre escondi meu braço. Em 2011, comecei a pegar vaidade, comecei a cuidar de mim, pintar cabelo e fazer unha. Mas segui escondendo o braço. Foi uma época que passei a ligar mais pra mim, acho que guardei comigo algumas palavras duras que ouvi na infância. Depois que vi que poderia virar alguma coisa (vigilante), passei a me cuidar mais. Hoje em dia nem sequer escondo meu braço.
Vacinação
Vacinei todos os meus filhos, nunca deixei, jamais deixaria de vacinar. Meu filho mais velho fará 37 anos e tem saúde. Meus netinhos também estão todos vacinados. Quando alguma pessoa vem falar comigo e noto que ela não acredita em vacinas já falo logo: você está correndo o risco de ter uma criança com paralisia. E digo também que não é fácil. Nós que passamos sabemos como é. Além disso, as chances de ter a síndrome pós-pólio, com diversas sequelas, também são grandes. As mães precisam temer isso.
Sempre falei aos meus filhos que a minha deficiência foi decorrente da falta de uma vacina. Mas, acredite se quiser, há um dos meus filhos que começou a falar contra a vacinação. Ele não quis tomar a vacina da Covid-19, foi contra. Ele tem em casa um grande exemplo de sequelas que acontecem quando não se toma vacina. Espero que ele não faça o mesmo quando tiver filhos, mas ele diz que não quer crianças. Minha outra filha me deu cinco netos e é rigorosíssima com as vacinas. Meu outro neto também é vacinado. Eu, no caso da Covid-19, tomei cinco doses.
Faço questão de não olhar na internet temas que dizem que a vacinação não funciona. Eu apenas olho o que me fortalece. Por vezes, pessoas curiosas, num ponto de ônibus ou lugares assim, me perguntam por que minha mão é assim. Eu falo rapidamente: sou assim porque me faltou vacina.”
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