Internacional
Entenda os bastidores da maior operação de desembarque anfíbio e aerotransportado da História
Dia 6 de junho de 1944 abriu caminho para a vitória mais significativa dos aliados ocidentais na Segunda Guerra Mundial, em uma frente fundamental para o desmantelamento do Terceiro Reich de Adolf Hitler

Há exatos 80 anos, um dos maiores esforços militares da História era lançado por ar, terra e mar. No que já se desenhava como ocaso da Segunda Guerra Mundial, forças aliadas arregimentadas no Reino Unido cruzaram o Canal da Mancha em direção à França, em 6 de junho de 1944. O primeiro dia da Operação Overlord, também chamada de invasão da Normandia, ficou conhecido como Dia D — 24 horas decisivas para o retorno dos aliados àquela faixa da Europa, ocupada pelas tropas de Adolf Hitler desde 1940, e para a abertura de uma frente fundamental no desmantelamento do Terceiro Reich.
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O Dia D é apontado por especialistas em história militar como a maior operação de desembarque anfíbio e aerotransportado de todos os tempos. Do lado aliado, foram pouco mais de 4 mil mortos e mais que o dobro de feridos, desaparecidos ou capturados pelos nazistas. Do lado alemão, as estimativas variam de 4 mil a 9 mil mortos.
A operação foi lançada em tabuleiro da guerra revirado. O reich nazista, que tomou quase toda a Europa continental entre 1939 e 1941, acumulava o desgaste de duras derrotas na frente Oriental, para a União Soviética, e no norte da África e na Itália, em campanhas lideradas por EUA e Reino Unido (a última delas, com participação da Força Expedicionária Brasileira).
Embora planos teóricos sobre abrir uma frente no oeste da Europa fossem discutidos no Reino Unido desde a expulsão dos soldados britânicos de Dunquerque, em 1940, a operação passou a ser vislumbrada como possível com a entrada dos EUA na guerra, em dezembro de 1941. O tempo até que as condições materiais (em termos de preparar tropas e acumular recursos) e políticas para a invasão fossem reunidas, contudo, ainda demoraria para chegar.
O líder soviético Josef Stálin exigia desde 1942 a abertura do novo flanco, para tentar dividir a atenção alemã e aliviar o Exército Vermelho na Batalha de Stalingrado. Franklin Roosevelt, presidente dos EUA, e Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, só atenderam ao apelo do aliado em 1943, durante a Conferência de Teerã, quando Stalingrado já havia sido libertada, e os alemães estavam enfraquecidos. Seis meses depois, o ataque foi lançado.
____________ PREPARATIVOS E DESORIENTAÇÃO
Antes de enviarem os soldados ao campo de batalha, os aliados investiram em uma campanha de desorientação, sabotagem e contrainteligência, a fim de confundir os alemães sobre o destino da ofensiva, que era esperada havia anos. Informações falsas e até mesmo ruídos para confundir os radares foram lançados, sugerindo que o alvo do ataque seria Calais, ponto mais próximo entre França e Reino Unido, separados por cerca de 30 km de mar. Uma rede de espiãs infiltrada pelo Reino Unido em solo francês também cumpriu um papel importante em direcionar a atenção dos inimigos.
A escolha da Normandia, além de representar um ponto de ataque menos óbvio, foi pautada a partir da observação de uma série de variáveis, segundo explicou o coronel da reserva Flavio Morgado, instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).
— Qualquer operação militar observa o que chamamos de fatores de decisão, que na Segunda Guerra Mundial eram basicamente: missão, inimigo, terreno e meios. A escolha da Normandia observou todos eles, a partir de informações sobre a defesa alemã em cada posição, mas também do cálculo sobre a repercussão que desembarcar em cada área teria para a continuidade da missão mais ampla, que era chegar a Berlim — disse Morgado.
Em 5 de junho, tudo estava em posição. O mal tempo adiou a operação para o dia seguinte. À meia-noite, aviões e embarcações partiram dos portos ingleses com direção à faixa de 80 km de praia no norte da França.
____________ FASE AEROTRANSPORTADA
Os primeiros soldados aliados a pisar em terra firme na França foram os paraquedistas e tropas aerotransportadas, que pousaram com o auxílio de planadores. Ao todo, 23.400 deles foram enviados durante as primeiras 24 horas da invasão. Os paraquedistas foram lançados atrás das linhas de defesa inimiga, com objetivo de confundir as tropas alemãs e impedir a chegada de reforços, mas nem tudo saiu de ardo com o plano.
— O efeito prático não foi o esperado. Muitas unidades perderam contato com o comando da operação e alguns soldados lançados em planadores pousaram longe de onde deveriam. Uma quantidade grande morreu nesse processo — explicou Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM.
De acordo com o coronel Morgado, a doutrina do Exército Brasileiro classifica as operações aerotransportadas como de caráter complementar, ou seja, com objetivo de facilitar ou acelerar a operação principal — neste caso, o desembarque. Seguindo essa lógica, ele aponta que os paraquedistas cumpriram uma função tática, apesar dos percalços.
Em um artigo para o Museu Nacional da Segunda Guerra Mundial, o coronel Peter Crean, vice-presidente de temas educacionais da instituição, descreveu a confusão no desembarque e o efeito no campo de batalha:
“Ao encontrar um banco de nuvens sobre a Península de Cotentin, a maioria dos pilotos subiu de altitude ou mergulhou seus aviões, e o fogo antiaéreo dispersou ainda mais a frota. No caos resultante, as tripulações lançaram seus aviões longe das zonas de lançamento pretendidas. A maioria dos paraquedistas pousou sem ter ideia de onde estavam. Na escuridão, homens de ambas as divisões se misturaram e travaram inúmeras pequenas batalhas enquanto se moviam pelo interior da França. Confusos, os alemães perderam tempo tentando decidir para onde direcionar seus contra-ataques".
Os paraquedistas sofreram as maiores baixas, proporcionalmente, durante o Dia D. De acordo com dados da Fundação Memorial Nacional do Dia D em Bredford, Virgínia, ao menos 802 dos 23.400 paraquedistas que pousaram na França nas primeiras 24 horas de combate morreram. Somando feridos e desaparecidos, o número chega perto dos 4 mil — total de baixas do restante da ofensiva como um todo.
____________ BOMBARDEIOS AÉREOS E NAVAIS
Enquanto os paraquedistas combatiam atrás das linhas inimigas, e uma operação de desinformação tentava confundir os radares nazistas sobre o local do desembarque, os aliados começaram uma campanha pesada de bombardeio. A tentativa de preparar o terreno também teve efeito limitado e não desarticulou as defesas alemãs, que exerceram grande resistência durante o desembarque.
— As fortificações alemãs foram bem feitas e resistiram à fase de bombardeio. O efeito também foi menor do que o esperado. A ideia do comando militar era de que os primeiros soldados a desembarcar já fossem capazes de tomar as primeiras casamatas na praia. Não foi isso que aconteceu na maioria dos casos — disse Rudzit.
____________ DESEMBARQUE NA NORMANDIA
Principal fase da operação, o desembarque dos soldados aliados na Normandia começou por volta das 6h da manhã. A faixa de praia foi dividida em cinco partes, batizadas com nomes em inglês: Utah, Omaha, Gold, Juno e Sword. As duas primeiras estavam sob responsabilidade americana, as três últimas, alvos de britânicos e canadenses.
Cada uma das frentes encontrou um grau de resistência diferente, deparando-se com a “Muralha Atlântica”, conjunto de fortificações e barreiras construídas pela Alemanha entre 42 e 44. Em Omaha, onde a resistência foi mais feroz, as forças aliadas sofreram cerca de 2,4 mil baixas (entre mortos e feridos).
“As primeiras levas de soldados desembarcadas foram alvo fácil da Wehrmacht [as Forças Armadas da Alemanha nazista], morreram nas praias, sem possibilidade de proteção”, escreveu a historiadora Denise Rollemberg, professora titular de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), em resposta ao GLOBO, por e-mail.
Do ponto de vista militar, Morgado explica que a preparação para uma operação de desembarque inclui a apresentação de objetivos claros aos mais baixos níveis de comando. Cada soldado recebe uma instrução específica sobre para onde seguir, onde reagrupar com seu pelotão e qual missão deve executar no campo de batalha. Manter o plano e cumprir o treinamento, porém, certamente foi um desafio, explica o coronel.
— Nenhum planejamento dura mais do que o primeiro tiro. Quando você planeja, a expectativa é de que o inimigo faça uma coisa, e às vezes ele faz outra. E você precisa ir se adaptando — disse o coronel.
____________ NARRATIVA X FATOS REAIS
Até o fim do dia, mais de 150 mil homens desembarcaram nas praias da Normandia. A campanha que se seguiu terminou com a libertação de Paris em 25 de agosto, após quatro anos de ocupação nazista.
Tanto o Dia D quanto o avanço pela Normandia renderam uma série de livros, filmes e séries de TV, que muitas vezes romantizaram os feitos dos soldados, afastando a narrativa dos fatos reais. Essa visão romântica, apontou a professora Denise, reduz as figuras humanas por trás de cada acontecimento.
“A narrativa mitificada se refere a bravos soldados dispostos a morrer em nome da libertação da Europa e à 'máquina de guerra bem azeitada', garantindo o 'triunfo inevitável', nas palavras do historiador francês Olivier Wieviorka. Esta visão, muito difundida por inúmeras memórias e narrativas históricas, deturpa o que se passou nas praias normandas. O pavor e o sofrimento de soldados e civis”, disse a historiadora, apresentando os conceitos do autor francês.
____________ IMPOSSÍVEL DE REPETIR
Considerada a maior operação de desembarque aerotransportado e naval da História, o Dia D provavelmente não será superado. De acordo com os analistas ouvidos pelo GLOBO, as novas dinâmicas e tecnologias aplicadas na guerra moderna praticamente inviabilizam uma concentração de recursos tão grande em uma operação desse tipo.
— O que a guerra na Ucrânia mostrou é que um desembarque como o do Dia D seria extremamente difícil de realizar, quase impossível — disse Rudzit. — Com o desenvolvimento dos drones marítimos, a Ucrânia, mesmo sem uma Marinha relevante, afundou praticamente toda a Marinha russa no Mar Negro. Uma força de desembarque anfíbio do tamanho da empregada no Dia D sofreria uma baixa muito grande, que eu não sei se países democráticos aguentariam.
__________________ Apuração e reportagem: Renato Vasconcelos • Ilustração e infografia: Renato Carvalho • Coordenação e edição: Leda Balbino • Imagens de arquivo cedidas por National WWII Museum
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