Internacional

Comunidade indígena do Panamá inicia êxodo de ilha que deve ser engolida pelo mar até 2050

Cartí Sugdupu, uma das 365 ilhas do arquipélago caribenho de Guna Yala, sofre com a elevação do nível do oceano; moradores começam a ser transferidos para povoado no continente

Agência O Globo - 04/06/2024
Comunidade indígena do Panamá inicia êxodo de ilha que deve ser engolida pelo mar até 2050

Os povos indígenas que vivem na pequena ilha panamenha de Cartí Sugdupu, no arquipélago de Guna Yala, começaram a se mudar para o continente nesta segunda-feira. A comunidade agora busca terra firme para fugir da elevação progressiva do nível do mar. Em alguns anos, o oceano vai engolir o que antes foi um amontoado de casas rústicas, devido às mudanças climáticas.

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O calor intenso e a ausência quase total de serviços públicos, como água potável e saneamento, fez com que a vida nunca fosse fácil por lá. Mais de mil pessoas vivem na ilha em um espaço equivalente a cinco campos de futebol. Na última década, enfrentam a alta das marés e as frequentes inundações das casas.

O aposentado Alberto López, de 72 anos, boa parte deles vividos na ilha, prepara seu café da manhã com água até os tornozelos. Bastou uma manhã chuvosa para a casa alagar. Ele vira lentamente alguns pedaços de frango e banana na frigideira, enquanto os outros ocupantes da casa observam a chuva cair, deitados em suas redes.

— Ficamos tristes porque, se esta ilha desaparecer, parte de nosso coração, parte de nossa cultura desaparecerá — lamenta López à AFP.

Nascido e criado no espaço que o mar promete engolir, ele agora espera a chuva parar antes de pegar um barco e levar suas roupas e pertences para a sua nova casa, no bairro de Nuevo Cartí, uma construção na zona costeira feita pelo governo panamenho para realocar os indígenas.

Ele mora em uma casa com piso de terra e paredes de junco, sem eletricidade na maior parte do dia e sem saneamento básico. Quando criança, ele pescava, como a maioria dos moradores da ilha, e trabalhava no campo no continente. Só deixou a região para estudar na Cidade do Panamá, onde viveu por mais de 30 anos, mas quando se aposentou, sabia que tinha que voltar.

— Vim para cá porque meu coração me queria aqui e esta casa é a que minha família me deixou — diz López, que acrescenta com resignação — Minha avó, meu avô e minha tia morreram aqui. Não vai ser o mesmo, mas tenho que continuar porque a vida continua.

'Não nos encaixamos aqui'

Os cerca de 1.200 habitantes de Cartí Sugdupu vivem em condições precárias e de superlotação, sem garantia de serviços fundamentais. Os banheiros são comunitários, onde quatro pedaços de madeira cruzados servem como vasos sanitários.

Eles sobrevivem da pesca, do turismo e da produção de mandioca e banana, que colhem no continente. Além da falta de condições básicas, os indígenas lidam com as frequentes inundações. Segundo o governo panamenho, a ilha será engolida pelo mar até 2050.

Várias das ilhas de Guna Yala podem desaparecer debaixo d'água. As 49 ilhas habitadas estão apenas entre 50 centímetros a um metro acima do nível do mar. No primeiro dia de realocação, a polícia ajudou os indígenas a levarem seus pertences de barco para a costa.

— Como governo, estamos apoiando essa mudança. Esse é um processo que visa permitir que aqueles que não têm instalações possam se mudar — afirmou o Ministro da Habitação e Gestão de Terras, Rogelio Paredes.

Em um pequeno píer, os agentes carregaram móveis, baldes de roupas, cadeiras de plástico, alguns eletrodomésticos e até um bicho de pelúcia.

— Estou triste por deixar esta casa, por deixar toda a minha família — comenta Idelicia Avila, de 42 anos, sentada na rede — A ilha não vai afundar, estamos nos mudando porque não cabemos mais aqui.

Esse é o primeiro deslocamento no Panamá causado pela mudança climática, embora dias atrás o presidente do país, Laurentino Cortizo, tenha alertado que outros casos como este estão sendo estudados.

Vida nova

Em Nuevo Cartí, os indígenas vão viver em casas de 40 metros quadrados, com água e eletricidade, dois quartos, sala de estar, sala de jantar, cozinha, banheiro e lavanderia. Cada uma com um terreno de 300 metros quadrados, destinado ao plantio.

Alberto López vai ocupar a casa de número 256 com as três irmãs e a filha. Ele planeja cultivar abóbora, mandioca, abacaxi ou banana para vender, e já está pensando onde colocará o fogão e a geladeira.

— Temos tudo o que precisamos para tomar banho, aqui eu tenho tudo, lá (na ilha) não tenho essa facilidade — diz ele, mostrando o banheiro à AFP — Com certeza todos estão felizes, mas é uma mudança brutal.