Internacional
Tentativa de recriar Unasul não avança e integração regional engatinha sob governo Lula
Um ano após presidente brasileiro reunir líderes da América do Sul em Brasília, pautas prioritárias daquele encontro seguem a passos lentos
Um dos lemas usados na diplomacia brasileira para definir o processo de integração da América do Sul, retomado logo nos primeiros meses do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diz ser preciso seguir “devagar e sempre”. E essa frase parece ditar os rumos tomados nessa área desde então.
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Após um ano do Consenso de Brasília, documento assinado por todos os participantes, está praticamente sepultada a ideia de reavivar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), como Lula gostaria. Na quinta-feira, 30 de maio, completou um ano em que Lula conseguiu a proeza de reunir todos os líderes da região, à exceção da presidente do Peru, Dina Boluarte, que enviou um representante, devido a impedimentos legais.
Apesar do avanço tímido numa região marcada por divergências político-ideológicas, a necessidade de se debater questões como desastres naturais e mudanças climáticas, reconhecimento de diplomas, segurança nas fronteiras, saúde, energia e infraestrutura ganha uma relevância ainda maior.
Pragmatismo
Um integrante da área diplomática explicou que a palavra-chave é o pragmatismo. Todos os países da região discutem, desde a conclusão do chamado “mapa do caminho” com as prioridades da agenda de integração, em outubro do ano passado, em reuniões frequentes, virtuais e híbridas (virtuais e presenciais), em clima de engajamento. Esse interesse atinge a Argentina, presidida por Javier Milei, adversário político de Lula a região.
Temas mais complexos do ponto de vista político, como as inabilitações, pelo Judiciário venezuelano, de opositores do presidente Nicolás Maduro nas próximas eleições, e a disputa entre Venezuela e Guiana pelo Essequibo não entram formalmente na agenda. Todavia, são comentados entre as autoridades sul-americanas quando há oportunidade.
Durante a reunião de maio do ano passado, Lula conseguiu a presença dos líderes para uma espécie de retiro, mas passou por maus bocados, ao se alinhar a Maduro. Disse que a questão do descumprimento dos direitos humanos pelo governo do país vizinho era uma questão de ponto de vista e foi criticado pelo uruguaio La Calle Pou, o chileno Gabriel Boric e outros.
Na época, o Brasil tentou, mas não conseguiu, relançar a Unasul, organismo rechaçado pelo então presidente Jair Bolsonaro por ter a participação de governos de esquerda. Porém, arrancou dos presidentes compromissos que formataram o Consenso de Brasília.
Infraestrutura
O documento destaca que a América do Sul é uma região de paz e cooperação, baseada no diálogo e no respeito à diversidade dos povos, comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e a não interferência em assuntos internos. Os líderes concordaram, ainda, que a integração regional deve ser parte das soluções para enfrentar os desafios compartilhados.
No governo, a avaliação geral é que a agenda está caminhando e as prioridades estão identificadas. Os maiores avanços ocorrem na discussão de projetos de infraestrutura. Um exemplo é a construção de uma ponte ligando Brasil a Paraguai em Porto Murtinho (MS), que deve ser inaugurada em julho de 2025. Depois disso, será necessário discutir como será a aduana, já que passarão mercadorias pelo local.
— Conversamos com os 11 secretários de Planejamento dos 11 estados de fronteira. Com isso, tivemos um diagnóstico preciso da integração do lado brasileiro. E estamos em contato com autoridades dos países que fazem fronteira com o Brasil — disse o secretário de Articulação Institucional do Ministério do Planejamento, João Villaverde.
Todas as 190 obras previstas no programa de integração física estão previstas no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), desde a pavimentação da BR 156, no Acre, até a hidrovia da Lagoa Mirim, no Rio Grande do Sul. Além de recursos orçamentários, o Brasil conta com uma parte de cerca de US$ 10 bilhões (R$ 51,5 bilhões).
Na visão de especialistas em relações internacionais ouvidos pelo GLOBO, o balanço é positivo. Roberto Goulart Menezes, da Universidade de Brasília, enfatizou que um ponto importante foi a reconexão do Brasil com a América do Sul, embora a crise política na Venezuela tenha colocado em lados opostos Brasil e Chile e Uruguai.
— A reconstrução da política externa brasileira passa pelo restabelecimento dos vínculos com a região— disse.
Ele ressaltou que o meio-ambiente se tornou um eixo da política externa do governo Lula, que aproveitou para explorar o tema durante a Cúpula da Amazônia ,em agosto de 2023, em Belém. Foi a segunda parte dessa reaproximação com a região.
—Mas Lula não apresentou qualquer proposta para a governança regional.
Centro da política externa
Para Marianna Albuquerque, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o balanço da cúpula de maio de 2023 foi positivo, sobretudo pelo aspecto simbólico: recolocar a América do Sul no centro da política externa brasileira e reforçar a intenção do Brasil em promover a integração.
— Isso, por si só, não deve ser negligenciado. Apesar disso, os resultados práticos ficarem aquém do esperado, principalmente pelo impasse em relação à Venezuela, a impossibilidade de retomar a Unasul de forma efetiva e a vitória de Milei na Argentina — afirmou.
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