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Chris Claremont, autor de clássicos dos X-Men, fala sobre mutante brasileiro e CCXP em São Paulo: 'Gosto muito de ir ao Brasil'

Ele fala de nova série do Wolverine e diversidade nas HQs: ‘Por que só os homens deveriam ter toda a diversão?'

Agência O Globo - 18/05/2024
Chris Claremont, autor de clássicos dos X-Men, fala sobre mutante brasileiro e CCXP em São Paulo: 'Gosto muito de ir ao Brasil'

O roteirista Chris Claremont não é o pai dos X-Men, criados em 1963 pelos lendários Stan Lee e Jack Kirby. Mas o título de “padrinho” lhe cai bem. Sua passagem pelas revistas dos mutantes da Marvel foi tão marcante que mais de 30 anos após encerrar seu ciclo sua influência ainda é sentida.

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Afinal, entre 1976 e 1991, foi Claremont quem guiou as aventuras de Wolverine, Fênix, Tempestade, Noturno e outros discípulos do professor Charles Xavier. Excluídos por serem diferentes, eles se tornaram um fenômeno global. A potência das histórias foi tamanha que se irradiou para TV, games, cinema (em julho, estreia “Deadpool & Wolverine”) e, mais recentemente, no streaming — caso da série de animação “X-Men 97”, lançada na plataforma Disney+ como uma continuação do desenho exibido entre 1992 e 1997.

Amado pelos fãs, este ano ele vem ao Brasil para participar da Comic Con Experience (CCXP), que ocorre entre 5 e 8 de dezembro na São Paulo Expo, na capital paulista.

— Gosto muito de ir ao Brasil. Acho que em todos os países, em todos os lugares, a conversa com os leitores é sempre baseada em uma pergunta: gostou da história? Bravo! Se não gostou, por favor, vamos conversar para eu saber o que funcionou ou não — diz o britânico de 73 anos, por videoconferência.

Após passar os últimos tempos mais dedicado a romances de fantasia e HQs com personagens próprios, Claremont está de volta aos gibis dos mutantes. É dele o roteiro da nova minissérie de Wolverine, chamada “Deep cut” (em inglês, “Corte profundo”, referência às garras do personagem, que em 2024 completa 50 anos). Lançada nos Estados Unidos em março, ela tem arte de Edgar Salazar e revela um episódio do passado do herói, nos anos 1980, quando suas histórias eram escritas por... bem, você sabe.

Claremont diz que gostaria de “brincar mais” com os X-Men, mas a Marvel está apostando em outros roteiristas para comandar os atuais rumos dos personagens. Ele vê isso com um lado bom: “Estou bailando à margem e é bem divertido”, diz.

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Abaixo, ao lado de ilustrações dos artistas com quem trabalhou, Claremont fala sobre o que faz uma franquia de sucesso, como criou personagens irresistíveis e da sua motivação após tantos anos:

— Tenho orgulho das histórias que criei. Se não, não haveria razão para seguir trabalhando.

SUPER-HERÓIS NO DIA A DIA

”O sucesso das histórias que escrevi não está nos superpoderes e confrontos dos personagens, mas em dúvidas, dores e dilemas que aparecem nos momentos mais prosaicos, quando vão ao mercado, precisam limpar a casa ou encontram amigos para um café . Para mim, o que torna um super-herói válido não é ele sair por aí socando as pessoas. Superman faz isso, Batman também pode fazer, o Quarteto Fantástico também. E daí? O que me interessa é como eles se sentem em relação ao mundo ao seu redor.”

DE VOLTA A WOLVERINE

“A razão para eu estar nesta nova minissérie (‘Wolverine — Deep cut’) é simples. O editor me perguntou se eu gostaria de estar nesse projeto e disse que sim. Não estou mais conectado à série principal dos X-men, isso fica com novos autores. Estou bailando à margem e é bem divertido. Claro, são muitos personagens que criei e adoraria seguir brincando com eles. Inclusive, de um ponto de vista bem arrogante, acho que sou melhor do que qualquer outro para fazer isso. Mas essa é uma decisão dos editores. Então, estou em um caminho diferente, mas com o mesmo entusiasmo. Espero que os leitores gostem.”

O PODER DA IMPERFEIÇÃO

“Um dos meus personagens favoritos dos X-Men é o Noturno. Ele não se parece com ninguém, nem homem, mulher, humano, inumano. É uma grande oportunidade para brincar. O grande trabalho é tornar cada personagem único dentro de suas particularidades. Personagens se tornam irresistíveis ao leitor não por simular uma perfeição, mas por suas falhas. Por procurarem um lugar melhor em seu mundo e nem sempre conseguirem. Isso é o que faz o Wolverine e o vilão Magneto tão divertidos. Eles estão sempre tentando escalar uma montanha e, quando estão perto do cume, resvalam e voltam lá para baixo, ficando loucos e frustrados com a queda. E, então, se fazem a pergunta: faço tudo de novo? Ou vou por outro caminho? E esse tipo de dilema aparece na literatura há séculos, desde histórias da Grécia Antiga.”

HISTÓRIAS QUE TOCAM

“Há leitores que estão com muita pressa. Para esses, é preciso lançar mão de uma história com uma grande sequência de eventos e imagens impactantes (ao lado, um exemplo: a distopia “Dias de um futuro esquecido”, de 1981, de Claremont e John Byrne). Mas acho que, na verdade, nem tudo precisa ser tão acelerado. Quem sabe seja melhor sair do celular e dar um tempo para uma boa história em quadrinhos. Gosto de contar histórias que signifiquem algo pra mim. Se acho que se elas me tocam, também devem atingir diversas pessoas que estão lendo ou vendo as artes do quadrinho em uma loja. Acho que escrever é igual a ir em uma festa no meio de um monte de gente e aproximar-se de uma para conversar. Por vezes não dá muito certo, mas tem vezes que sim. Se a sedução da história funcionar, ótimo, vamos por aí. Se não, é hora de tentar dentar de outro jeito.”

EMPATIA NA PÁGINA

“Acho que cada autor deveria olhar para seus personagens e se perguntar: o que eu faria se estivesse no lugar dele? E se eu fosse um super-herói? Ou um civil? O que deveria acontecer? Por isso, acho, que sempre defendi a ideia de que os X-Men deveriam viver no mundo real, com consequências reais (ao lado, a “Saga da Fênix Negra”, em que uma famosa personagem morre no final). Para mim, os X-men devem ir a festas com pessoas comuns, precisam encarar o preconceito ao seu redor e tentar lidar com isso. Eles teriam que conviver com a dúvida do que aconteceria se seus pares descobrissem que ali está um mutante. Pois essa é uma forma de se comunicar com o leitor. Não com letreiros gigantes dizendo ‘nosso plano é dizer tal coisa’, mas trazendo histórias que ecoem na vida de quem está lendo. Assim, alguém pode pegar a HQ e dizer: ‘Meu deus, já vivi uma cena como essa’.”

FORÇA FEMININA

“Da minha perspectiva, a inclusão de mais mulheres nas tramas sempre foi uma questão de equivalência. Por os homens deveriam ter todo o foco, toda a diversão? Conheço várias mulheres que são muito corajosas, que são ‘badass’ (duronas), como se diz nos Estados Unidos, que são pessoas impressionantes. E, se conheço essas pessoas no mundo real, por que não haveria de ter equivalentes a elas num mundo de história em quadrinho? (Ao lado, a durona Kitty Pride, uma criação de Claremont.) Muitos dos assuntos que se falam hoje nem existiam quando eu tinha 20 ou 30 anos. Mudou muito o jeito que as pessoas olham para o mundo e o jeito que o mundo retorna seu olhar às pessoas. Mas para mim é importante essa questão do leitor ser confrontado com essa ideia de lidar com o preconceito, seja dele mesmo, seja da sociedade.”

HERÓI BRASILEIRO

“Em 1982, criei um personagem brasileiro, Roberto da Costa, o Mancha Solar (na capa de revista ao lado, com a silhueta escura). Ele fazia parte do grupo Novos Mutantes, uma espécie de equipe júnior dos X-Men. Roberto era uma espécie de resposta sobre a realidade política e social do Brasil. Imaginei que seria interessante, aceitável e até irônico ter um adolescente cujo pai é um bilionário, mas que também é negro. Entendo que a questão racial sempre foi — de um ponto de vista político e social — um aspecto desafiador da História Brasileira, certo? Na adaptação para o cinema (“Novos Mutantes”, lançado em 2020), o estúdio ficou muito satisfeito ao conseguir, realmente, escalar um brasileiro (o ator Henry Zaga) para o papel. Mas, para mim, aquela pessoa não poderia fazer o papel, pois era uma pessoa de pele clara. Para mim, aquilo tirou toda a razão de o personagem existir.”