Internacional

Crime organizado cultiva terror em minas ilegais na África do Sul

"Nunca sabe quando uma bala perdida vai te alcançar ou se vão te estuprar", diz mulher que vive em comunidade a 10km de Joanesburgo

Agência O Globo - 17/05/2024
Crime organizado cultiva terror em minas ilegais na África do Sul
Crime organizado cultiva terror em minas ilegais na África do Sul - Foto: Reprodução / internet

Em um subúrbio nos arredores de Johannesburgo, capital econômica da África do Sul, fundado ao longo da corrida do ouro no final do século XIX, facções rivais se enfrentam para recuperar o domínio sob o que resta do precioso mineral. Moradores relatam o temor que sentem no dia a dia. A menos de 15 dias para as eleições legislativas de 29 de maio, a insegurança é uma das principais preocupações dos sul-africanos, além do desemprego crônico e da corrupção.

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— Você nunca sabe quando uma bala perdida vai te alcançar ou se vão te estuprar. Um amigo morreu em um tiroteio. É traumático, você não sabe se estará vivo amanhã — diz à AFP a sul-africana Lutho Makheyi, de 21 anos, que vive na região assolada por grupos criminosos no controle da exploração ilegal.

Neste pedaço de chão, repleto de escórias, poços e trincheiras, vivem junto de suas famílias os mineiros clandestinos, chamados de "zama zamas" ("aqueles que ainda tentam", na língua Zulu). Em centenas de cabanas de chapa ou madeira, o lugar e as pessoas carregam as marcas da atividade mineradora. Os trabalhadores aguardam há anos por uma habitação social.

No centro do acampamento, as crianças brincam ao redor de uma trincheira que serve como lixão para alimentar alguns porcos. Uma mãe, coberta de areia e com uma lanterna na testa, tentando mudar de vida com o ouro, conta que está aterrorizada pelo efeito da violência cotidiana em seus filhos.

— Minha filha, que tem 1 ano e 5 meses, se esconde quando ouve tiros. Ela me fala: "Mamãe, se abaixa" — lamenta Nobukho Novozoka, de 38 anos, que não pretende votar nas eleições deste ano.

Palavras ao vento

Autoridades do governo visitaram a região há alguns meses, após a descoberta de vários cadáveres, e prometeram agir contra a insegurança. Mas os moradores afirmam que as coisas permanecem como antes, e que foram apenas promessas dos agentes de segurança.

— Nada mudou. A polícia até foi mobilizada para cá por três meses, mas a exploração mineradora clandestina continuou diante dos seus olhos — explica Nokuzola Qwayede, de 42 anos.

Na semana passada a polícia local investiu em uma operação na área, que segundo a AFP terminou sem grandes resultados. A suspeita é que algum vazamento de informações tenha alertado os "zama zamas", que fugiram.

Milhares de suspeitos foram presos no ano passado, muitos deles estrangeiros. O governo disse que está "gravemente preocupado com essa praga" e até mobilizou militares para fechar as explorações abandonadas, segundo um porta-voz do Ministério da Mineração.

No entanto, o pesquisador da Universidade de Joanesburgo, Dale McKinley, adverte que o problema está longe de desaparecer porque "alguns políticos estão por trás dessas atividades ilegais". Conforme as suas informações, uma parte dos mineiros clandestinos antes trabalhava para empresas que fecharam.

Morte e extorsão

O líder religioso Anthony Sherman, que também atua no bairro, relata que frequentemente vê homens com grandes chapéus, que estacionam seus veículos de luxo perto dos poços e parecem arrecadar dinheiro. Ele acredita que a verdadeira solução seria desmantelar a mineração para eliminar as incessantes brigas e proteger a população. A África do Sul apresenta uma das taxas de criminalidade mais altas do mundo.

Um "zama zamas" com uma jaqueta suja e rasgada tem o corpo coberto de cicatrizes, incluindo um ferimento aberto na coxa. Depois de uma semana cavando, ele volta à superfície para se reabastecer.

— A mineração perturba minha saúde mental. Morre tanta gente nas profundezas dos poços abandonados. Tenho medo — confessa Thobani.

Apesar do perigo, o negócio é tentador para ele. Seu grupo recentemente extraiu ouro no valor de mais de 2.000 dólares, que dividiram entre todos. Mas parte do dinheiro é paga a grupos armados que dizem garantir sua segurança, só que, na verdade, os extorquem. O preço de não pagar pode ser a morte. Outros mineradores são extorquidos no subsolo por capangas que lhes tiram o mineral obtido com seu trabalho.

— Por enquanto, continuo — resigna-se Thobani, encolhendo os ombros.