Política

Restrição a peças 'sumárias' abre debate sobre trajes nos tribunais superiores

Para CNJ, regras do STJ para servidores, estudantes e visitantes causariam constrangimento ao público feminino

Agência O Globo - 14/05/2024
Restrição a peças 'sumárias' abre debate sobre trajes nos tribunais superiores
Restrição a peças 'sumárias' abre debate sobre trajes nos tribunais superiores - Foto: Reprodução / internet

Em sua primeira visita a um tribunal superior, em Brasília, a estudante de Direito Átila Mendonça, de 28 anos, escolheu na véspera a calça de alfaiataria preta, o colete social azul e a sandália de salto fino que vestiria. No 9º período de uma faculdade particular em Goiânia, a moça, que sonha em se tornar advogada criminalista, foi orientada logo no início da graduação por professores sobre o “dress code” imposto a quem escolhe seguir a carreira jurídica.

Genial/Quaest: Lula tem 46% contra 40% de Tarcísio em primeira pesquisa sobre a eleição presidencial de 2026

Bolsonaro, Haddad, Michelle: Veja os líderes em rejeição segundo pesquisa Genial/Quaest

— Não só no Fórum, mas em todos os ambientes que transitamos, temos que estar bem vestidos. A nossa imagem é a primeira impressão que deixamos — opina a jovem.

Ela estava acompanhada por outras dezenas de alunos também “na beca”, desfilando pelos corredores do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com vestidos e ternos, mas o debate sobre as vestimentas de servidores e demais visitantes não está pacificado no Judiciário.

Em fevereiro, a presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, assinou uma instrução normativa sobre a indumentária adequada para acesso às dependências da instituição. Entre as vedações impostas, estão as peças consideradas “sumárias”, como shorts, bermudas, minissaias, leggings, croppeds, camisetas sem manga, trajes de banho e de ginástica, além de fantasias.

Na lista, também consta a proibição de bonés, exceto para os seguranças, e chinelos — o texto faz uma descrição detalhada sobre a definição do calçado “com tira em formato de Y que passa entre o primeiro e segundo dedo do pé e ao redor de ambos os lados do pé ou com uma tira ao redor de todos os dedos”.

— Regulamentar o “dress code”, ou, códigos de vestir, em ambientes corporativos, seja no setor público ou privado, é, em tese, uma forma de orientar —e não de constranger a quem ingressa profissionalmente ou frequenta estes ambientes — diz a pesquisadora e analista de moda Paula Acioli.

Menos de um mês depois da publicação com as restrições, o corregedor Nacional de Justiça, o também ministro do STJ Luís Felipe Salomão, determinou que a Corte esclarecesse quais foram os critérios usados para elaborar as regras. Em sua decisão, ele argumentou que “especificações alusivas a roupas e outros trajes —como, por exemplo, blusas sem manga —são utilizados como meio de abordagem e possível constrangimento ligados ao gênero feminino”.

Ruralista e acusado de machismo por Tabata: Quem é Nelson Barbudo, herdeiro da vaga de Amália Barros

Diante do impasse, vem sendo realizada uma consulta em cada um dos tribunais do país, que já identificou que em pelo menos 38 deles há regras dessa natureza para a circulação de pessoas, observando a realidade e contexto social de cada estado e região.

Para a criminalista paulista Larissa Sinigallia, de 36 anos, mais do que a imposição de regulamentos, deve haver a confiança no bom senso do público:

— É importante ressaltar a discrepância que há entre as restrições a homens e mulheres, que podem, por exemplo, mostrar os braços. Falo isso como mãe de um filho trans não-binário, para reconhecer que as coisas estão melhorando, mas que ainda temos um caminho longo pela frente.

Sem braços à mostra

No Supremo Tribunal Federal (STF), mais alta instância do Judiciário brasileiro e “baliza” para os demais tribunais de todo o país, as regras de vestimenta existem a depender da localização onde se encontra cada pessoa.

Para ingressar no histórico plenário onde são realizadas as sessões de julgamento, situado no prédio desenhado por Oscar Niemeyer, o visitante — seja ele advogado, estudante, magistrado — precisa estar trajado com “vestimenta formal”. Para homens, terno e gravata. Para as mulheres, roupa social acompanhada de blazer. Isto porque não é permitido o acesso com ombros ou braços à mostra.

— Por se tratar de um ato extremamente solene, todo e qualquer tipo de tribunal deve prezar pelo respeito à liturgia, que se impõe também por meio da indumentária correta — afirmou o advogado Luís Henrique Machado, de 43 anos, enquanto se preparava para uma sustentação oral no STJ com traje completo, que inclui paletó e gravata.