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Crimes de facções e grupos políticos tornam eleição do México a mais letal de sua História

São cerca de 99 milhões de eleitores esperados nas urnas, com mais de 20 mil cargos em disputa em níveis municipal, estadual e federal, incluindo a Presidência da República

Agência O Globo - 12/05/2024
Crimes de facções e grupos políticos tornam eleição do México a mais letal de sua História

A exatos 25 dias das eleições gerais no México, que serão realizadas no dia 2 de junho, a candidata Sheyla Palacios subiu a um palanque pela primeira vez na última quarta-feira para pedir votos aos moradores da cidade de Mante, no estado de Tamaulipas, no nordeste do país. O ato tardio da candidata a prefeita não foi parte de uma estratégia de campanha mirabolante. Palacios foi confirmada para a disputa na véspera do evento, após seu partido a escolher como substituta de Noé Ramos Ferretiz, seu marido, morto a facadas no dia 19 de abril, enquanto caminhava entre apoiadores.

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À medida que o México se prepara para a maior eleição de sua História, com cerca de 99 milhões de eleitores esperados nas urnas e com mais de 20 mil cargos em disputa em níveis municipal, estadual e federal, incluindo a Presidência da República — pela primeira vez disputada por duas mulheres —, analistas apontam que o pleito também já está marcado como o mais letal da História recente do país.

Entre junho do ano passado e maio deste ano, 63 pessoas diretamente envolvidas com o processo democrático — incluindo 32 candidatos e pré-candidatos por partidos que vão da direita à esquerda no espectro político — foram assassinadas, segundo dados coletados pelo centro de estudos mexicano Laboratorio Electoral, que monitora os casos. Ao número, superior aos registrados em 2018 (24 homicídios de candidatos) e 2021 (30), acrescenta-se ainda uma quantidade alarmante de agressões relacionadas à disputa, com 140 casos de ameaça, atentado e sequestro notificados.

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— Em regiões onde a violência aumentou e até mesmo cooptou certos governos, as condições para a realização de uma eleição livre são muito limitadas. Não é qualquer pessoa que pode se candidatar, e os eleitores não podem votar livremente em quem for de sua preferência — afirma o diretor do Laboratorio Electoral, Arturo Espinosa Silis, em entrevista ao GLOBO. — Não há condições idôneas para que a eleição ocorra de forma totalmente democrática. Esta eleição está condicionada pela violência.

Disputa territorial

Assim como a maioria dos casos, a morte do candidato em Mantes não foi esclarecida até o momento. O funcionário de um açougue, que publicou vídeos no TikTok falando em matar políticos, foi preso como suspeito, mas o Partido da Ação Popular (PDI), de Ferretiz, diz que ele pediu proteção ao governo estadual antes de ser morto, por ameaças a ele e sua família. O governo nega que houve um pedido.

Mesmo antes do começo da eleição, analistas já apontavam que a violência política seria um tema a ser observado, sobretudo pela participação de organizações criminosas, incluindo os cartéis que comandam o narcotráfico no país.

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A consultoria Integralia classifica o interesse do crime organizado nas eleições como um dos maiores riscos para o pleito. A conjuntura eleitoral, segundo um documento publicado em janeiro, é um momento visto pelas organizações criminosas como favorável para expandir suas atividades econômicas e domínio territorial.

— Grupos criminosos precisam obter acesso ao Estado mexicano para garantir seus interesses e sua sobrevivência. Isso garante desde impunidade até recursos, a partir de contratos públicos, e acesso a folhas de pagamento governamentais — explica Falko Ernst, analista sênior do Crisis Group para o México. — Mas como há muitos grupos tentando conseguir esse acesso ao Estado ao mesmo tempo, a violência se torna, muitas vezes, a nova linguagem de negociação.

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A disputa territorial entre facções também foi apontada como um elemento decisivo para explicar a onda de violência política em um relatório publicado pela Acled, organização que reúne e analisa dados sobre conflitos armados ao redor do mundo.

“A frequência da violência também parece ser influenciada pela fragmentação e pelo número de grupos criminosos que lutam por territórios específicos”, diz o relatório. “Em contraste, nos municípios onde um grupo é hegemônico e a influência criminosa sobre o governo local é menos volátil, a violência dirigida a figuras políticas tende a ser menor, mesmo quando a violência global contra civis está aumentando.”

Alerta local

O documento cita os casos dos estados de Guerrero e Michoacán, que contabilizaram 12 e 7 assassinatos políticos, respectivamente. No primeiro, registrou-se a presença de sete organizações criminosas desde 2018, enquanto o segundo é palco atualmente de uma disputa entre o Cartel de Jalisco Nueva Generación (CJNG) e o Cárteles Unidos, uma facção criminosa que reúne vários grupos menores, unidos com o objetivo de conter o avanço do CJNG, que tem atuação global, sobre suas operações.

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Embora os grupos criminosos mexicanos tenham atuação transnacional, Silis afirma que o principal nível de ameaça identificado pelo Laboratorio Electoral foi em eleições locais. O evento mais grave envolvendo uma das candidatas à Presidência do país ocorreu no mês passado, quando o comboio da governista Claudia Sheinbaum, do partido do presidente Andrés Manuel López Obrador, foi interceptado por homens encapuzados durante um deslocamento em Chiapas. O caso também não foi esclarecido, mas não houve ameaça à candidata, que depois só recebeu cobranças sobre a insegurança no local. A maioria dos casos graves de violência foi registrada contra candidatos em nível local.

Tiziano Breda, coordenador de análises para a América Latina da Acled, afirmou que o fato de os candidatos a governos locais não terem acesso a esquemas de segurança também contribui para que eles sejam mais alvo de violência, bem como por estarem imersos em contextos em que, por vezes, diversos tipos de crime são parte arraigada da cultura.

— É preciso ter atenção para onde não se registrou violência também. Falamos muito de onde candidatos foram mortos ou atacados, mas muito pouco sobre o porquê de algumas regiões não terem os mesmos níveis de violência que outras. Não é porque não há violência visível que não há influência de grupos criminosos na disputa — ressalta.

Crimes normalizados

Embora o crime organizado tenha um papel importante na escalada de violência, os analistas são unânimes ao afirmar que nem todos os casos têm relação com facções, com outros fatores contribuindo para o cenário mais amplo. Breda afirma que o próprio modus operandi de cada crime e o momento em que eles ocorrem indicam as atuações de diferentes grupos sobre as eleições.

— A pré-campanha é quando se nota uma atuação mais evidente do crime organizado, porque a ideia dessas organizações é evitar que certas pessoas consigam registrar suas candidaturas. Depois que viram candidatas, o custo para eliminá-las é maior — pontua Breda. — Não é que não ocorra, mas o custo é maior. E quando começa a campanha e as candidaturas estão claras, continuam acontecendo mortes, mas aumentam outros tipos de violência, que podem estar associadas a disputas entre candidatos, às vezes de um mesmo partido.

Os números compilados corroboram o cenário descrito pelos especialistas. A maioria dos assassinatos de pré-candidatos se deu entre junho e fevereiro, antes do início oficial da campanha em 1º de março, enquanto o número de agressões disparou desde fevereiro, às vésperas do lançamento da campanha, com as candidaturas já definidas.

Para Silis, o quadro demonstra a normalização da violência na sociedade mexicana atingindo as eleições.

— No México, há uma normalização da violência. Consideramos que há violência em todos os aspectos da vida deste país — disse o diretor do Laboratorio Electoral. — Se o crime organizado quer ter o controle dos governos para desempenhar suas atividades, grupos políticos se aproveitam dessa onda e geram mais violência para intimidar seus adversários.