Internacional
Israelenses denunciam abusos contra palestinos em campo de detenção: 'Presos em camas com fraldas' e 'Espancados por vingança'
Uma das instalações, localizadas no deserto de Neguev, muito próximo de Gaza, é divida em duas áreas (um recinto e um hospital), onde os palestinos detidos são supostamente interrogados
Tortura, humilhação e abusos. Homens vendados e sentados em fileira, em uma área cercada por arame farpado e a luz forte de um holofote, proibidos de conversar entre si. Um cheio pútrido de feridas não tratadas, cuja negligência chegou a resultar em amputação. Pacientes algemados às macas, usando fraldas, e procedimentos feitos sem anestesia realizados por profissionais não qualificados. Apesar dos requintes variados de horror, há algo em comum entre eles: todos são praticados contra detentos palestinos em campos de detenção israelenses.
As descrições correspondem aos campos de detenção militar baseados em Sde Teiman, no deserto de Neguev, e em bases de Anatote e Ofer, na Cisjordânia ocupada, e foram feitas à rede americana CNN por três whistleblowers (denunciantes) israelenses que trabalham no local, e toparam falar sob condição de anonimato, e mais de uma dúzia de prisioneiros libertados desses campos. Os militares reconheceram terem convertido parcialmente as três instalações militares nos campos, envoltos em segredo desde sua criação.
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— Eles os despojaram de qualquer coisa que se assemelhasse a seres humanos — contou um dos denunciantes israelense.
Segundo a rede, relatos semelhantes já chegaram à mídia israelense e árabe após protestos de grupos de direitos humanos israelo-palestinos, mas as informações trazidas pelos funcionários israelenses contém novas alegações de maus-tratos e lança dúvidas sobre as afirmações do governo de Tel Aviv de que conduzem o conflito em Gaza seguindo as leis internacionais.
O campo está localizado a 29 km do enclave palestino, cenário de guerra da represália israelense ao ataque terrorista do Hamas em outubro. Duas partes fazem parte da instalação: um recinto para abrigar os cerca de 70 palestinos detidos, e um hospital de campanha. Foi desenvolvido com base em uma emenda aprovada pelo Knesset (Parlamento israelense) da chamada Lei de Detenção de Combatentes Ilegais em dezembro de 2023, meses após o início do conflito.
A lei, aprovada em 2002, permite que os militares detenham civis por até 45 dias sem um mandado de prisão, sendo transferidos para o Sistema Prisional israelense após esse período. Neste caso, com a emenda, os campos de detenção servem como um filtro usado durante esse tempo, enviando para a prisão pessoas suspeitas de ligações com o Hamas e libertando aqueles que tiveram as ligações descartadas.
— [Os espancamentos] não eram feitos para coletar informações. Eram feitos por vingança — salientou outro funcionário israelense à rede. — Foi uma punição pelo que eles [os palestinos] fizeram em 7 de outubro e uma punição pelo comportamento no campo.
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Segundo grupos de direitos humanos, citados pela CNN, há mais de 9 mil palestinos detidos nas prisões de Israel em condições deterioradas drasticamente após o 7 de outubro. Duas associações de prisioneiros palestinos, afirmaram na semana passada que 18 palestinos morreram sob custódia, entre eles, um importante cirurgião de Gaza, o doutor Adnan al-Bursh. Não há informações de quantos prisioneiros são mantidos nos campos de detenção, e Israel tem se recusado a divulgar esse número ou revelar o paradeiro dos prisioneiros de Gaza.
— [O desaparecimento] permite que aconteçam as atrocidades de que temos ouvido falar — destacou a advogada israelense de direitos humanos e diretora executiva do Comité Público Contra a Tortura em Israel. — Pessoas completamente desligadas do mundo exterior são as mais vulneráveis à tortura e aos maus-tratos.
O campo no deserto
Mohammed al-Ran, um palestino com cidadania bósnia, passou 44 dias em um centro de detenção. As semanas foram repletas de "oração, lágrimas e súplicas" o que, segundo ele, ajudava a aliviar a agonia. Ele ficou no campo de Sde Teiman, recordando ter suportado o clima severo do deserto, que oscilava entre o calor intenso durante dia e o frio na noite. Ainda assim, o reencontro com os familiares e amigos não foi festivo como esperava.
— Foi muito doloroso. Quando fui libertado, as pessoas esperavam que eu sentisse falta deles, que os abraçasse. Mas havia uma lacuna — contou à CNN. — As pessoas que estavam comigo no centro de detenção tornaram-se minha família. Essas amizades eram as únicas coisas que nos pertenciam.
Al-Ran, que chefiou a unidade cirúrgica do hospital indonésio no norte de Gaza, um dos primeiros a ser invadido pelo exército em sua represália, foi detido em 18 de dezembro em frente ao Hospital Batista al-Ahli, na Cidade de Gaza, onde trabalhava há apenas três dias. Ele disse que foi despido, ficando apenas de cueca. Teve os olhos vendados e as mãos amarradas, sendo jogado na traseira de um caminhão em seguida. Ali, outros detidos — também seminus — foram empilhados.
Uma semana após sua detenção, ele disse ter sido transformado em Shawish (supervisor, em árabe) pelos militares, uma espécie de intermediário entre eles e os prisioneiros. Segundo os denunciantes israelenses ouvidos pela rede americana, um Shawish é normalmente um prisioneiro inocentado no interrogatório, geralmente com fluência em hebraico, segundo testemunhas. Os soldados israelenses, questionados pela CNN, negaram manter detentos após sua liberação.
Com a transformação no intermediário, al-Ran disse ter recebido uma dádiva logo transformada em uma maldição: retirar a venda.
— No começo você não conseguia ver. Não dava para ver a tortura, a vingança, a opressão— recordou, acrescentando que ver as pessoas torturadas era "parte da tortura". — Quando me tiraram a venda, pude ver a extensão da humilhação e do rebaixamento… pude ver até que ponto eles nos viam não como seres humanos, mas como animais.
Uma foto vazada de dentro do campo de detenção e encaminhada à rede de notícias mostra homens vendados, vestindo uma espécie de uniforme cinza, de mangas longas e calça. Eles estão sentados sobre colchões finos, com as pernas cruzadas.
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Outro libertado contou à rede que uma das punições a um delito, como conversar com outro detento, era levantar os braços acima da cabeça por até uma hora. Às vezes, as mãos eram amarradas a uma cerca para garantir que mantivessem a posição. Para aqueles detentos que violassem repetidamente as regras, o castigo era o espancamento. Um dos denunciantes israelense disse ter visto um homem sair de uma agressão com os dentes e alguns ossos aparentemente quebrados.
Al-Ran e o denunciante descreveram ainda um tipo de revista de rotina na qual os militares soltavam cães de grande porte sobre os palestinos adormecidos, lançando ainda uma granada sonora quando as tropas entravam. O médico palestino descreveu a situação como "tortura noturna".
— Enquanto estávamos sendo monitorados, eles soltavam os cães que se moviam entre nós e nos pisoteavam — relembrou al-Ran, acrescentando: — Você ficava deitado de barriga para baixo, com o rosto pressionado contra o chão. Você não consegue se mover, e eles estão se movendo acima de você.
O mesmo denunciante relatou uma "situação aterrorizante":
—Foi uma unidade especial da polícia militar que fez a chamada busca. Mas, na verdade, era uma desculpa para bater neles — contou, afirmando: — Havia muitos gritos e latidos de cachorros
Documentos sem assinatura
No mesmo centro, mas na área destinada ao hospital de campanha para os detentos, os horrores também estavam presentes. Um dos denunciantes israelenses, que é médico, disse ter sentido uma espécie de "vulnerabilidade total" dos pacientes.
— Imagine-se incapaz de se mover, de ver o que está acontecendo e complemente nu, isso deixa você completamente exposto — explicou o médico israelense à CNN. — Acho que é algo que beira, se não ultrapassa, a tortura psicológica.
Uma outra fonte contou ainda que recebeu ordens para realizar procedimentos para os quais não estava qualificado, fora de sua especialidade, e frequentemente sem anestesia. Aqueles que reclamavam de dor recebiam um paracetamol, acrescentou, usando um outro nome para o composto, segundo a CNN.
— Só de estar lá parecia ser cúmplice do abuso — recordou, afirmando também ter testemunhado uma amputação realizada devido aos ferimentos causados pelas algemas.
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A rede, citando o jornal israelense Haaretz, informou que relatos semelhantes foram denunciados ao procurador-geral e aos ministro da Saúde e da Defesa de Israel através de uma carta no início de abril. No documento, um médico, também do Sde Teiman, disse ter enfrentado "sérios dilemas éticos" e que escrevia com o intuito de "alertar que o funcionamento das instalações não atende a um único trecho dentre os que tratam da saúde da Lei de Encarceramento de Combatentes Ilícitos.”
Em resposta à carta, as Forças Armadas de Israel negaram as denúncias feitas e afirmaram que os procedimentos médicos eram conduzidos com "extremo cuidado" e seguindo a lei israelense e internacional. Sobre os algemamentos, o porta-voz das forças afirmou que ocorriam de acordo "com os procedimentos, seu estado de saúde e o nível de perigo que [os detentos] representam". Concluíram afirmando que qualquer alegação será examinada.
Ambos os denunciantes contaram à CNN que a equipe médica também foi instruída a não assinar documentos médicos. Um relatório do grupo de direitos humanos Médicos pelos Direitos Humanos em Israel (PHRI, na sigla em inglês), citado pela rede, disse ter preocupações de que o anonimato "seja utilizado para evitar a possibilidade de investigações ou reclamações relativas a violações da ética e do profissionalismo médico”.
— É um paraíso para os estagiários, porque é como se você fizesse o que quisesse — afirmou o primeiro médico citado.
'Melhor morrer'
A partir de imagens de satélites, a CNN observou que, desde 7 de outubro, mais de 100 novas estruturas, incluindo tendas e hangares, foram erguidas no acampamento no deserto de Neguev. Já imagens de satélite analisadas dos outros campos de detenção militar — as bases de Ofer e Anatot na Cisjordânia ocupada – não detectaram expansão. Grupos de direitos humanos e especialistas jurídicos acreditam que o campo de Sde Teiman, o mais próximo de Gaza, provavelmente acolhe o maior número de detidos entre as três instalações.
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À CNN, as Forças Armadas não negaram diretamente os relatos de que as pessoas foram postas seminuas ou mantidas em fraldas. Os militares afirmaram que as roupas serão devolvidas assim que eles determinarem que o detento não representa nenhuma ameaça à segurança.
Al-Ran lembrou que pouco antes de sua libertação, um companheiro de prisão o chamou, sussurrando para que o médico encontrasse sua esposa e filhos em Gaza.
— Ele me pediu para dizer a eles que é melhor que sejam mártires — afirmou, relembrando: — É melhor para eles morrerem do que serem capturados e mantidos aqui.
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